A QUEDA DE WALL
STREET
Julgo que uma das habilidades
dos banqueiros e do mundo da alta finança foi criar uma terminologia técnica de
tal forma cerrada que poucos a dominam. Quem detém a entrada nesse universo
onde imperam swaps, subprimes, agências de rating, taxas de juros, bolhas imobiliárias,
hipotecas, alavancagens, singles tranches, moratórias, seguros, e
muitas outras palavras e expressões de difícil significado, detém o poder e não
o quer ver disseminado. Vem do tempo de “O Nome da Rosa” e do poder armazenado
numa biblioteca onde só os eleitos penetravam. Hoje em dia as torres são as das
Wall Streets de todo o mundo, onde se cozinham as negociatas que engordam os
magnates, os banqueiros e os aldrabões de todo o género, e que depois a arraia miúda
vai pagar por ter andado a “viver acima das suas posses”.
O caso de “The Big
Short”, que Adam McKay realizou, e escreveu de colaboração com Charles
Randolph, adaptando a obra de Michael Lewis, “The Big Short: Inside the
Doomsday Machine”, é um bom exemplo para se desmistificar toda esta engrenagem
que provocou o grande colapso bolsista e bancário de 2008, cuja crise se
arrasta até hoje e que não sabemos bem quando irá acabar, se não for pelo
contrário essa crise a acabar connosco. O filme joga com toda essa terminologia
e para leigos na matéria (como eu), o risco parece grande de início. Mas cedo
realizador e argumentista nos apaziguam a angústia. Estamos aqui para perceber
como se forjou o grande golpe financeiro e, apesar de toda a areia para os
olhos, compreende-se o essencial.
Na verdade,
trata-se de banditismo ao mais alto nível, daquele que altas figuras na
hierarquia social praticam e do qual saem ilesas, sendo os prejuízos pagos pelo
cidadão comum, que vai pagando aos bancos os prejuízos e as ameaças de falência
com os impostos que crescem desenfreadamente com a justificação de que o estado
social não se aguenta como tal, nas actuais condições. Claro que os bancos e as
bolsas essas aguentam-se muito bem. “Ai aguentam, aguentam!”
Este filme
baseia-se em factos reais ainda que ficcionados. Fala de personagens fictícios,
mas existiram outras, com outros nomes, que fizeram mais ou menos o mesmo. Michael
Burry (Christian Bale) é dono de uma media empresa norte-americana que decide
investir na bolsa num fundo que coordena o sistema imobiliário nos EUA,
prevendo que o mesmo venha a colapsar. É jogar ao contrário do habitual. Apostar
no falhanço, tal como “Os Produtores”, de Mel Brooks, o fazia, mas aí numa produção
teatral. Sabendo deste invulgar investimento, o corretor Jared Vennett (Ryan
Gosling) aproveita a boleia e passa a oferecê-la a seus clientes, entre os
quais Mark Baum (Steve Carell), dono de uma corretora em dificuldades.
Entretanto, um especialista em questões financeiras, Ben Rickert (Brad Pitt), é
igualmente convocado para a geringonça.
Michael Lewis, hoje
conceituado jornalista e escritor, com 24 anos foi contratado pelo banco
Salomon Brothers. Era bem pago, percebia muito pouco de actividade bolsista,
mas começou a descortinar o que se passava nos bastidores da banca. Três anos depois
demitiu-se e escreveu o "Liar’s Poker", onde relatava as suas experiências.
Nessa altura tinha a certeza de que o colapso iria surgir. Esperou até 2007, quando
descobriu que muitos investidores estavam a apostar tudo na queda do sistema,
na desvalorização do imobiliário e na desregularização do mercado subprime.
Tirar daqui um filme
que se acompanha como uma investigação policial, cheia de ironia e de invenções
narrativas, é obra. O argumento terá de ser controlado ao milímetro, a montagem
tem de ser ritmada e nervosa, sem, no entanto, cair do sufoco para o
espectador, as interpretações convêm que sejam eficazes e, se possível, notáveis
para credibilizarem as personagens. A realização terá que controlar tudo isto e
mostrar alguma agilidade. “A Queda de Wall Street” consegue tudo isso, e temos
que creditar boa parte do sucesso a um pouco conhecido Adam McKay, que vem da
comédia e de “Saturday Night Live”, companheiro de Will Ferrer em varias
comédias, actor, argumentista e realizador pouco visto fora dos EUA e que neste
seu primeiro trabalho de grande folego não deixa de espantar. Na verdade, a
forma como constrói “The Big Short” é invulgar, intercalando diferentes tipos de
narrativas, actores falando para a câmara ou figuras vip da sociedade internacional
(como a actriz Margot Robbie, a cantora e actriz Selena Gomez, o prémio Nobel
de economia Richard Thaler, o gastrónomo Anthony Bourdain…) a explicarem
terminologia técnica e conceitos mais difíceis de controlar. O resultado é surpreendente,
mas funciona como um puzzle bem-humorado, inteligente e particularmente ácido
para os visados.
Aí está, pois,
pronto a disputar os Oscars, com cinco nomeações: Melhor Filme, Melhor
Realizador, Melhor Argumento Adaptado, Melhor Actor Secundário (Christian Bale)
e Melhor Montagem. Tudo nos diz que não virá de mãos a abanar. É um forte candidato.
A
QUEDA DE WALL STREET
Título
original: The Big Short
Realização: Adam
McKay (EUA, 2015); Argumento: Charles Randolph, Adam McKay, segundo obra de
Michael Lewis; Produção: Dede Gardner, Jeremy Kleiner, Kevin J. Messick, Arnon
Milchan, Brad Pitt, Louise Rosner; Música: Nicholas Britell; Fotografia (cor):
Barry Ackroyd; Montagem: Hank Corwin;
Casting: Kathy Driscoll, Francine Maisler; Design de produção: Clayton
Hartley; Direcção artística: Elliott
Glick; Decoração: Linda Lee Sutton; Guarda-roupa: Susan Matheson; Maquilhagem:
Michelle Diamantides, Julie Hewett, Adruitha Lee, Annabelle MacNeal, Pamela S.
Westmore; Direcção de Produção: Teddy Au, Lisa Rodgers, Louise Rosner;
Assistentes de realização: Matt Rebenkoff, Amy Lauritsen, Pamela Monroe, Josh
Muzaffer, Cali Pomes; Departamento de arte: Chris Arnold, Joe Bergman, Randall S.
Coe, Jann K. Engel, Harrison Hartley, John Herbert, Lisa Kutyreff, K. Emily
Levine, Wright McFarland; Som: Andrew DeCristofaro, Becky Sullivan; Efeitos
especiais: Michelle Dickson, Drew Jiritano; Efeitos visuais: Sumriti Bhogal,
Richard Bluff, Paul Linden, Mare McIntosh; Companhias de produção: Plan B
Entertainment, Regency Enterprises; Intérpretes:
Christian Bale (Michael Burry), Steve Carell (Mark Baum), Ryan Gosling (Jared
Vennett), John Magaro (Charlie Geller), Finn Wittrock ( Jamie Shipley), Brad
Pitt (Ben Rickert), Hamish Linklater (Porter Collins), Rafe Spall (Danny Moses),
Jeremy Strong (Vinny Daniel), Marisa ( Cynthia Baum), Melissa Leo (Georgia Hale),
Stanley Wong (Ted Jiang), Byron Mann( Wing Chau), Tracy Letts (Lawrence Fields),
Karen Gillan (Evie), Max Greenfield, Margot Robbie, Selena Gomez, Richard
Thaler, Anthony Bourdain, etc. Duração:
130 minutos; Distribuição em Portugal: NOS Audiovisuais; Classificação etária:
M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 14 de Janeiro de 2016.
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