domingo, agosto 11, 2013

CINEMA: O MASCARILHA


O MASCARILHA

Em boa hora decidiram o realizador Gore Verbinski, o produtor Jerry Bruckheimer e a Walt Disney erguer uma aventura-paródia que recupera muita da graça e da desenvoltura do primeiro capítulo das aventuras dos “Piratas das Caraíbas”. Parece que em termos de resultados de bilheteira o resultado não tem sido brilhante, mas mais me ajuda este facto. Os tempos não estão para aventuras prazerosas e divertidas, poucos querem saber da recuperação de clássicos, muito poucos procuram nestes blockbusters de verão outra coisa que não seja ruído e pirotecnia os mais gratuitos possíveis. Tudo o que não faça pensar, mas que sobretudo atordoe e embruteça os sentidos, é bem-vindo. Por isso se compreende que o mais curioso e divertido blockbuster deste estio seja o que mais prejuízo esteja a dar (ainda que, em boa verdade, todos estejam a ser um fracasso, na maioria dos casos merecidíssimo!). Mas “O Mascarilha” é realmente um divertido e trepidante espectáculo, um entretenimento quase sem mácula (talvez menos uns minutos de duração o beneficiasse), bem realizado, muito bem interpretado, magnificamente concretizado ao nível da concepção plástica (cenários, guarda-roupa, adereços, etc.), tecnicamente impecável (desde a fotografia até aos efeitos visuais, passando pela partitura musical).
Mas realmente o mais interessante é a própria concepção do espectáculo, a forma como recupera a figura de “O Mascarilha”), um herói dos anos 30 que inicialmente surgiu na rádio, depois passou a banda desenhada, depois a episódios de televisão e também ao cinema.

Um pouco mais de detalhe no historial não ficará mal: “The Lone Ranger” teve a sua aparição pública na Rádio WXYZ, em Detroit, Michigan, EUA, a 30 de Janeiro de 1933. Durou até 3 de Setembro de 1954. Não era vulgar um herói deste tipo surgir na rádio, inicialmente. Mas foi assim que o criaram George Washington Trendle e o seu grupo de criativos que entregaram a escrita a Fran Striker (e depois a Fred Foy, entre 1948 e 1954). The Lone Ranger tem uma tradução difícil, não da parte de Lone, solitário, mas de Ranger, que era uma polícia especial do Texas, que se destinava sobretudo ao meio rural. Em Portugal, quando passou a banda desenhada foi chamado “O Mascarilha”, pois a personagem que cavalgava um cavalo branco, de nome Silver, e andava sempre associada a um índio, Tonto, usava sempre uma mascarilha. Era solitário porque no início da história os vilões malvados tinham exterminado todos os outros rangers, restando apenas um que usava mascarilha precisamente para que não o reconhecessem como sobrevivente do massacre. No seu conjunto, era uma figura muito semelhante “Zorro”, mas as diferenças são acentuadas. Desde logo Zorro era um aristocrata da Califórnia, de origem sul-americana, dado o seu verdadeiro nome, Dom Diego de la Veja. O “Mascarilha” não tinha ascendência tão prestigiante.
The Lone Ranger não era tão “lone” assim, pois andava sempre acompanhado por um índio, Tonto, seu fiel camarada de aventuras, que o herói havia um dia salvado in extremis. Nalgumas aventuras tinha como aliado um sobrinho, Daniel Reid, que no filme de Gore Verbinski foi substituído por um irmão, Dan Reid.


Depois da rádio, surgiu a banda desenhada. Primeiramente como tira de jornal, lançada pelo King Features Syndicate, distribuidor norte-americano de “histórias aos quadradinhos” pelos jornais, o que aconteceu entre 1938 e 1971. Inicialmente concebido por Ed Kressy, foi substituído em 1939 por Charles Flanders, que se manteve até o final. Em 1981, existiu outra banda desenhada, esta escrita por Cary Bates e desenhada por Russ Heath, que se estendeu até 1984. Em 1948, a Dell Comics lançou as aventuras em revista, com 145 edições, com reproduções dos jornais, ao lado de produção inédita. De 1962 a 1977, a Gold Key Comics continuaria com as revistas, até 1977. Tonto também teve sua revista própria, em 1951, com 31 edições, assim como o cavalo Silver, lançado em 1952, com 34 edições. Em 2010, a Dynamite Entertainment anunciou um “crossover” onde o Mascarilha se cruzava com o verdadeiro Zorro. A história chamava-se “The Lone Ranger: The Death of Zorro”.
No cinema, The Lone Ranger surgiu em 1938, uma produção da Republic Pictures, um serial de 15 jornadas, com realização de William Witney e John English, e interpretado por Lee Powell, no principal papel e o Chefe Thundercloud como Tonto. Curiosamente, estes filmes em episódios eram interpretados por cinco Texas Rangers e os espectadores só muito mais tarde descobriram qual era o mascarilha. Os cinco eram George Lentz (George Montgomery), Lane Chandler, Hal Taliaferro, Herman Brix (Bruce Bennett) e Lee Powell, que só no final seria revelado ser o verdadeiro herói. Em 1939, foi realizada uma continuação, “The Lone Ranger Rides Again”, desta feita com Robert Livingston no papel de Lone Ranger, ao lado do mesmo Chefe Thundercloud como Tonto, Duncan Renaldo e Jinx Falken.


Houve outras tentativas: Clayton Moore e Jay Silverheels interpretaram “The Lone Ranger”, em 1956, sob direção de Stuart Heisler, e “The Lone Ranger and the Lost City of Gold”, em 1958, com realização de Lesley Selande. Em 1981, nova tentativa de relançar o herói, com “The Legend of the Lone Ranger”, uma realização fracassada de William A. Fraker, com Klinton Spilsbury, Michael Horse e Christopher Lloyd. “The Lone Ranger” (2003) foi uma tentativa de telefilme, com assinatura de Jack Bender, tendo no elenco Chad Michael Murray, Nathaniel Arcand e Anita Brown, que voltaria a não interessar o público.


E chega de história. De 2013 é esta versão de Gore Verbinski, que se inica em 1933, em São Francisco, quando um miúdo visita uma barraca de feira, onde se encontram algumas reproduções do wild west. Entre elas, um modelo de Tonto, velho e ressequido, que subitamente se anima e começa a contar as suas aventurtas ao lado do Mascarilha. Muito à maneira de “O Pequeno Grande Homem”. Mas não se pense que esta referência é única. Nada disso. Os argumentistas (Justin Haythe, Ted Elliott e Terry Rossio) são cinéfilos encartados e admiradores de westerns clássicos, e desde “O Homem que Matou Liberty Valance” a “As Portas do Paraíso”, de “Cavalo de Ferro” a “A Desaparecida”, não páram de sugerir recordações. Claro que esta referência a obras-primas pode deixar “O Mascarilha” distante. É verdade. Mas o facto de os ter como originais a relembrar é bom sinal, tanto mais que as citações não são apenas para encher o olho. O que se faz é um trabalho de absorção, de assimilação, mas como paródia, como irónica menção. O resultado é quase sempre bastante bom. Depois, isso permite passar por todos os estereótipos do género, desde o comboio a alta velocidade, as pontes e as minas, os índios, os brancos, os negros, os chineses, as grandes planícies, o Grand Kenyon, as paisagens de John Ford, os desfiladeiros traiçoeiros, os cavalos, as pistolas, os vilões, os agentes da lei que gostam de fazer justiça pelas próprias mãos e o advogado que acredita na nova ordem e na justiça institucionalizada. Enfim, há de tudo para todos os gostos e bem condimentado, com ritmo, mas sem histeria estereofónica, com momentos de repouso do guerreiro (e do espectador), contemplativos quase, onde é permitido aos actores representarem, gozarem o prazer da paródia, do olhar, do gesto.


Uma obra-prima? Não, certamente. Mas um daqueles filmes de puro entretenimento que sabe bem disfrutar. Com bons actores (Johnny Depp é excelente numa composição como ele gosta, e que me atrevo a dizer, como só ele sabe impor sem cair no ridículo).
Seria uma enorme injustiça votar este filme ao ostracismo. Se os críticos portugueses (quase todos) não gostam deste tipo de cinema, é lá com eles. Mas os espectadores não devem perder esta lufada de ar fresco.

O MASCARILHA
Título original: The Lone Ranger

Realização: Gore Verbinski (EUA, 2013); Argumento: Justin Haythe, Ted Elliott, Terry Rossio; Produção: Jerry Bruckheimer, Johnny Depp, Eric Ellenbogen, Ted Elliott, Eric McLeod, Chad Oman, Terry Rossio, Mike Stenson, Gore Verbinski; Música: Hans Zimmer; Fotografia (cor): Bojan Bazelli; Montagem: James Haygood, Craig Wood; Casting: Denise Chamian; Design de produção: Jess Gonchor; Direcção artística: Jon Billington, Naaman Marshall, Iain McFadyen, Brad Ricker, Domenic Silvestri; Decoração: Cheryl Carasik; Guarda-roupa: Penny Rose; Maquilhagem: Gloria Pasqua Casny, Joel Harlow; Direcção de produção: Thomas Hayslip, Mark Indig, Todd London, Jason Pomerantz; Assistentes de realização: Charles Gibson, David Kelley, Simon Warnock; Departamento de arte: Marisa Frantz, Ricardo Guillermo, Scott Herbertson, Jim Hewitt, Jonas Kirk, Greg Papalia, Sara M. Pennington, Siobhan Roome; Som: Christopher Boyes, Gary Rydstrom; Efeitos especiais: John Frazier; Efeitos visuais: Christopher Blasko, Gary Brozenich, Rachel Galbraith, Jack George, James Greig, Clayton Lyons, Ale Melendez, Sara Moore, Meghan O'Brien, Allison Paul, Holly Price, DeAndra Stone, Mark Van Ee; Companhias de produção: Walt Disney Picture, Jerry Bruckheimer Films, Blind Wink Productions, Classic Media, Infinitum Nihil, Silver Bullet Productions; Intérpretes: Johnny Depp (Tonto), Armie Hammer (John Reid (Lone Ranger), William Fichtner (Butch Cavendish), Tom Wilkinson (Cole), Ruth Wilson (Rebecca Reid), Helena Bonham Carter (Red Harrington), James Badge Dale (Dan Reid), Bryant Prince (Danny), Barry Pepper (Fuller), Mason Cook, JD Cullum, Saginaw Grant, Harry Treadaway, James Frain, Joaquín Cosio, Damon Herriman, Matt O'Leary, W. Earl Brown, Timothy V. Murphy, Gil Birmingham, Damon Carney, Kevin Wiggins, Chad Brummett, Robert Baker, Lew Temple, Joseph E. Foy, etc. Duração: 149 minutos; Distribuição em Portugal: Zon Audiovisuais; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 8 de Agosto de 2013.

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