A GAIOLA
DOURADA
Se o cinema português ganhasse juízo de vez em quando fazia
bem. Mas esta mania que deu em Portugal, inspirada por alguém que se julgava
dono e senhor dos destinos da cultura cinematográfica, em que só a estética
straubeana é que valia, e que teve como consequência desprezar toda a cultura
de massas e empurrar quem quisesse algum contacto com o público para
subprodutos indigentes, ou cair fora da carroça, deu no que deu: raros são os
espectadores para os filmes realmente bons, e os subprodutos volatizam-se sem
deixarem rasto. No entanto, como todos sabem, excepto “os espíritos elevados”
que também sabem, mas fazem por esquecer, para impor o seu dirigismo cultural
insano, o cinema pode ter qualidade e agradar às massas, pode ser de autor e
ter muitos espectadores. Não é preciso, por outro lado, copiar os esquemas
estrangeiros para se ter sucesso comercial, muito pelo contrário. Não é
copiando 007 ou thrillers que interessamos o público nacional e muito menos as
plateias internacionais. Uns e outros sabem que americanos e quejandos fazem
muito melhor. A nós falta-nos tudo, a começar pela convicção. Mas se agarrarem
em temas portugueses e os trabalharem com sinceridade, sensibilidade e um olhar
profundamente nacional, isto é, original em relação aos outros, faremos de
certeza obras interessantes que não deixarão de despertar interesse. Veja-se o
caso de “A Gaiola Dourada”, de um desconhecido Ruben Alves, português que vive
em Paris, filho de mãe porteira e pai pedreiro, que resolveu fazer um filme
sobre os emigrantes portugueses em França. O argumento está bem urdido, criando
sólidas ligações entre a tradição da comédia francesa e da nossa comédia dos
anos 30/50, as personagens têm dimensão humana, impõem-se pela sua convicção,
pode dizer-se que aqui e ali correspondem a estereótipos, mas a verdade é que
funcionam bem (e os estereótipos existem porque personagens assim também
existem), as situações desenvolvem-se com graça, sem recurso à caricatura
pesada, o clima é de bonomia, sem ser de alheamento dos problemas e das
dificuldades. Impõe-se perguntar aqui: por que será que o cinema feito em
Portugal é sempre tão soturno, mude o que mudar: é soturno na I República, na
Ditadura (a comédia era considerada pelos responsáveis governamentais a pornografia
do cinema português!), na II República, em período de vacas gordas ou magras,
ou mesmo em épocas de vacas esqueléticas. Por que será que somos sempre os mais
miseráveis, os mais ignorantes, os mais mal-intencionados, os mais corruptos, e
o cinema português, mesmo quando é de grande qualidade, o que não contradigo em
muitos casos, se mostra sempre o mais crítico e desesperado do planeta.
Ora bem, aqui temos uma comédia divertida, que fala de
portugueses em França com elegância e bom gosto, com algum orgulho na nossa
maneira de ser, sem choradinhos inúteis, colocando os pontos nos iis, quando é
necessário, mas com evidentes qualidades narrativas e muito boas
interpretações. Falemos dos portugueses de gema: Joaquim de Almeida tem uma das
suas composições mais conseguidas, Rita Blanco está uma actriz magnífica,
merecendo todos os encómios, Maria Vieira recupera com justeza o tom da comédia
popular portuguesa. Depois há a família dos patrões franceses, bem representada
por Roland Giraud, Chantal Lauby e Lannick Gautry, todos eles certos e seguros,
bem como os demais. Ruben Alves, que se estreia aqui na longa-metragem,
demonstra uma maturidade inegável, na escrita, na concepção, na direcção de
actores. Sem se pavonear escusadamente, com alguma humildade na aproximação do
material a filmar, dá uma lição de eficácia a que o público francês primeiro
(mais de 1.200 milhão de espectadores) e o português agora (180 mil nos
primeiros dias) tem correspondido brilhantemente.
Dá gosto entrar numa sala quase esgotada e ouvir as reacções
francas de uma plateia rendida. Não à facilidade, de que certamente alguns
críticos habituais irão acusar o filme, mas à segurança de quem tem unhas para
tocar o fado (que também aparece, assim como Pauleta!). Nem sempre Coimbra é uma
lição. Às vezes ela vem de fora, de um emigrante português em Paris.
A
GAIOLA DOURADA
Título
original: La Cage Dorée ou A Gaiola Dourada
Realização:
Ruben Alves (França, Portugal, 2013); Argumento: Ruben Alves, Hugo Gélin,
Jean-André Yerles; Produção: Jonathan Blumenthal, Danièle Delorme, Laetitia
Galitzine, Hugo Gélin, Marie Jardillier, Romain Le Grand; Fotografia (cor):
André Szankowski; Montagem: Nassim Gordji Tehrani; Casting: Pierre-Jacques
Bénichou, Julie David; Design de produção: Maamar Ech-Cheikh; Direcção de arte:
Paulo Routier; Decoração: Jimena Esteve, Jérôme Portier; Maquilhaem: Valerie
Thery-Hamel; Direcção de produção: Abraham Goldblat, Catherine Leroux, Pascal
Ralite; Assistentes de realização: Sophie Berger Forestier, Matthieu de la Mortière,
Mathieu Thirion; Departamento de arte: Pauline Berger, Valentine Gutierrez,
Bruno Perdrigeat; Som: Christophe Brajdic, Rémi Daru, Rafael Ridao, Olivier
Walczak; Efeitos visuais: Liesbeth Beeckman, Thomas Duval, Ronald Grauer;
Companhias de produção: Zazi Films, Pathé, TF1 Films Production, TF1, Canal+,
Ciné+, Cinémage 7, Hoche Artois Images; Intérpretes:
Rita Blanco (Maria Ribeiro), Joaquim de Almeida (José Ribeiro), Roland Giraud
(Francis Cailaux), Chantal Lauby (Solange Cailaux); Barbara Cabrita (Paula
Ribeiro), Lannick Gautry (Charles Cailaux), Maria Vieira (Rosa), Jacqueline
Corado (Lourdes), Jean-Pierre Martins (Carlos), Alex Alves Pereira (Pedro
Ribeiro), Sergio Da Silva (Manuel), Nicole Croisille (Mme Reichert), Bertrand
Combe (M. Bertrand), Ludivine de Chasteney, Alexandre Ruscher, Paul Ruscher,
Alice Isaaz, Ruben Alves (Miguel), Olivier Rosenberg, Yann Roussel, Rosaria Da
Silva, Manuela Pinheiro, Manuel Ferreira, Sissi Duparc, José da Silva, Jorge
Tomé, Cécile Rebboah, Catarina Wallenstein (fadista), Luis Guerreiro, Diogo
Clemente, Pedro Miguel Pauleta, etc. Duração:
90 minutos; Classificação etária: M/ 12 anos; Distribuição em Portugal: Zon
Audiovisuais; Data de estreia em Portugal: 1 de Agosto de 2013.
2 comentários:
Cumprimentos,
Já passaram vários amos depois de falarmos...na Pampilhosa. Adiante...este filme é tudo o que disse, mas falta referir quanto a mim aquilo que não gosta, segundo o seu texto, a triste e continuada sina, da emigração "forçada"!!
Abraço.
muito bom
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