sexta-feira, agosto 16, 2013

CINEMA: A GAIOLA DOURADA



A GAIOLA DOURADA

Se o cinema português ganhasse juízo de vez em quando fazia bem. Mas esta mania que deu em Portugal, inspirada por alguém que se julgava dono e senhor dos destinos da cultura cinematográfica, em que só a estética straubeana é que valia, e que teve como consequência desprezar toda a cultura de massas e empurrar quem quisesse algum contacto com o público para subprodutos indigentes, ou cair fora da carroça, deu no que deu: raros são os espectadores para os filmes realmente bons, e os subprodutos volatizam-se sem deixarem rasto. No entanto, como todos sabem, excepto “os espíritos elevados” que também sabem, mas fazem por esquecer, para impor o seu dirigismo cultural insano, o cinema pode ter qualidade e agradar às massas, pode ser de autor e ter muitos espectadores. Não é preciso, por outro lado, copiar os esquemas estrangeiros para se ter sucesso comercial, muito pelo contrário. Não é copiando 007 ou thrillers que interessamos o público nacional e muito menos as plateias internacionais. Uns e outros sabem que americanos e quejandos fazem muito melhor. A nós falta-nos tudo, a começar pela convicção. Mas se agarrarem em temas portugueses e os trabalharem com sinceridade, sensibilidade e um olhar profundamente nacional, isto é, original em relação aos outros, faremos de certeza obras interessantes que não deixarão de despertar interesse. Veja-se o caso de “A Gaiola Dourada”, de um desconhecido Ruben Alves, português que vive em Paris, filho de mãe porteira e pai pedreiro, que resolveu fazer um filme sobre os emigrantes portugueses em França. O argumento está bem urdido, criando sólidas ligações entre a tradição da comédia francesa e da nossa comédia dos anos 30/50, as personagens têm dimensão humana, impõem-se pela sua convicção, pode dizer-se que aqui e ali correspondem a estereótipos, mas a verdade é que funcionam bem (e os estereótipos existem porque personagens assim também existem), as situações desenvolvem-se com graça, sem recurso à caricatura pesada, o clima é de bonomia, sem ser de alheamento dos problemas e das dificuldades. Impõe-se perguntar aqui: por que será que o cinema feito em Portugal é sempre tão soturno, mude o que mudar: é soturno na I República, na Ditadura (a comédia era considerada pelos responsáveis governamentais a pornografia do cinema português!), na II República, em período de vacas gordas ou magras, ou mesmo em épocas de vacas esqueléticas. Por que será que somos sempre os mais miseráveis, os mais ignorantes, os mais mal-intencionados, os mais corruptos, e o cinema português, mesmo quando é de grande qualidade, o que não contradigo em muitos casos, se mostra sempre o mais crítico e desesperado do planeta.


Ora bem, aqui temos uma comédia divertida, que fala de portugueses em França com elegância e bom gosto, com algum orgulho na nossa maneira de ser, sem choradinhos inúteis, colocando os pontos nos iis, quando é necessário, mas com evidentes qualidades narrativas e muito boas interpretações. Falemos dos portugueses de gema: Joaquim de Almeida tem uma das suas composições mais conseguidas, Rita Blanco está uma actriz magnífica, merecendo todos os encómios, Maria Vieira recupera com justeza o tom da comédia popular portuguesa. Depois há a família dos patrões franceses, bem representada por Roland Giraud, Chantal Lauby e Lannick Gautry, todos eles certos e seguros, bem como os demais. Ruben Alves, que se estreia aqui na longa-metragem, demonstra uma maturidade inegável, na escrita, na concepção, na direcção de actores. Sem se pavonear escusadamente, com alguma humildade na aproximação do material a filmar, dá uma lição de eficácia a que o público francês primeiro (mais de 1.200 milhão de espectadores) e o português agora (180 mil nos primeiros dias) tem correspondido brilhantemente.
Dá gosto entrar numa sala quase esgotada e ouvir as reacções francas de uma plateia rendida. Não à facilidade, de que certamente alguns críticos habituais irão acusar o filme, mas à segurança de quem tem unhas para tocar o fado (que também aparece, assim como Pauleta!). Nem sempre Coimbra é uma lição. Às vezes ela vem de fora, de um emigrante português em Paris.



A GAIOLA DOURADA
Título original: La Cage Dorée ou A Gaiola Dourada

Realização: Ruben Alves (França, Portugal, 2013); Argumento: Ruben Alves, Hugo Gélin, Jean-André Yerles; Produção: Jonathan Blumenthal, Danièle Delorme, Laetitia Galitzine, Hugo Gélin, Marie Jardillier, Romain Le Grand; Fotografia (cor): André Szankowski; Montagem: Nassim Gordji Tehrani; Casting: Pierre-Jacques Bénichou, Julie David; Design de produção: Maamar Ech-Cheikh; Direcção de arte: Paulo Routier; Decoração: Jimena Esteve, Jérôme Portier; Maquilhaem: Valerie Thery-Hamel; Direcção de produção: Abraham Goldblat, Catherine Leroux, Pascal Ralite; Assistentes de realização: Sophie Berger Forestier, Matthieu de la Mortière, Mathieu Thirion; Departamento de arte: Pauline Berger, Valentine Gutierrez, Bruno Perdrigeat; Som: Christophe Brajdic, Rémi Daru, Rafael Ridao, Olivier Walczak; Efeitos visuais: Liesbeth Beeckman, Thomas Duval, Ronald Grauer; Companhias de produção: Zazi Films, Pathé, TF1 Films Production, TF1, Canal+, Ciné+, Cinémage 7, Hoche Artois Images; Intérpretes: Rita Blanco (Maria Ribeiro), Joaquim de Almeida (José Ribeiro), Roland Giraud (Francis Cailaux), Chantal Lauby (Solange Cailaux); Barbara Cabrita (Paula Ribeiro), Lannick Gautry (Charles Cailaux), Maria Vieira (Rosa), Jacqueline Corado (Lourdes), Jean-Pierre Martins (Carlos), Alex Alves Pereira (Pedro Ribeiro), Sergio Da Silva (Manuel), Nicole Croisille (Mme Reichert), Bertrand Combe (M. Bertrand), Ludivine de Chasteney, Alexandre Ruscher, Paul Ruscher, Alice Isaaz, Ruben Alves (Miguel), Olivier Rosenberg, Yann Roussel, Rosaria Da Silva, Manuela Pinheiro, Manuel Ferreira, Sissi Duparc, José da Silva, Jorge Tomé, Cécile Rebboah, Catarina Wallenstein (fadista), Luis Guerreiro, Diogo Clemente, Pedro Miguel Pauleta, etc. Duração: 90 minutos; Classificação etária: M/ 12 anos; Distribuição em Portugal: Zon Audiovisuais; Data de estreia em Portugal: 1 de Agosto de 2013.

2 comentários:

Deragnu disse...

Cumprimentos,
Já passaram vários amos depois de falarmos...na Pampilhosa. Adiante...este filme é tudo o que disse, mas falta referir quanto a mim aquilo que não gosta, segundo o seu texto, a triste e continuada sina, da emigração "forçada"!!
Abraço.

Anónimo disse...

muito bom