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Robert McKee
Texto da apresentação de Robert McKee, hoje na Fnac do Chiado, pelas 18,30 horas.
Há poucos anos passou por salas de cinema um filme norte-americano, assinado por Spike Jonze, chamado “Adaptation” no original, “Inadaptado” em português, que contava com um complexo e fascinante argumento assinado por dois irmãos gémeos, Charlie e Donald Kaufman. O filme abordava a escrita de um guião que adaptava uma obra literária. Sobre orquídeas, o que não vem agora para o caso. O que nos interessa é que os dois irmãos se debatiam com problemas diversos na escrita de guiões para cinema. Um deles, mais expedito e menos angustiado com as suas tarefas, socorria-se de um workshop sobre escrita para cinema e recomendava-o mesmo ao outro irmão, que recusava a ideia, afirmando mais ou menos que há coisas que não se ensinam, e escrita criativa é uma delas. Se é criativa não pode conter o ensino de regras que tornam os filmes não originais, mas todos semelhantes.
Mas Charlie Kaufman acabava mesmo por ir assistir às lições do mestre em “Story”, “substância, estrutura, estilo e os princípios da escrita para cinema e televisão.” Teve uma discussão pública com o mestre, mas acabaria por esperá-lo à saída e com ele tomar um copo que haveria de se revelar particularmente proveitoso para o futuro do argumento que tinha entre mãos. O mestre chamava-se Robert McKee, era precisamente este que temos aqui connosco, ainda que interpretado por um actor, Brian Cox, que funcionava com um alter-ego prefeito.
Deve dizer-se que Charlie Kaufman é um dos mais prestigiados argumentistas americanos da actualidade, recentemente passado a realizador com o inquietante “Synecdoche, New York”, e sobretudo um homem que não pactua em nada com o conformismo da grande produção industrializada de Hollywood. Uma referência a Robert Mckee numa obra sua só pode assumir-se como uma homenagem. Que partilhamos.
Também ensinei durante quase duas décadas, e ainda o faço esporadicamente, escrita de argumento nas universidades. Mas devo dizer que uma das actividades que mais me desagrada comentar é a chamada “escrita criativa”, quer seja literária ou para audiovisual. Há compêndios e workshops de “escrita criativa” para todos os gostos e formatos, a maior parte dos quais “ensinam” como criar o verdadeiro guião de sucesso garantido, desde que tenha os seus momentos choque bem doseados, os plots e os ganchos distribuídos com dosagem certa, que logo ali explicam como se faz. Ora eu acho que essas regras não existem em escrita criativa, quanto muito podem existir em escrita industrial.
O que me agrada sobretudo no trabalho de Robert McKee é que também ele é contrário às regras, o que fica definido logo na abertura da sua “Story”, por muitos considerada a bíblia da actividade. Diz ele “Story é uma questão de princípios, não de regras.” Uma regra diz: “Isto tem de ser feito assim.” Um princípio diz: “Isto funciona… e sempre funcionou desde que há memória.” A diferença é crucial. O vosso trabalho não tem de ser moldado conforme a peça “bem feita”; deve antes ser bem feito dentro dos princípios que dão forma à nossa arte. Os escritores ansiosos e inexperientes obedecem às regras. Os escritores rebeldes, instintivos, quebram as regras. Os artistas dominam a forma.”
Julgo que nesta citação se concretiza muito do saber de Roberty Mckee, a que se junta uma outra característica para mim sábia. Robert McKee ensina a escrever analisando estruturas de guiões que se tornaram clássicos, como por exemplo o de “Casablanca”, que ele considera “o melhor argumento alguma vez escrito”. Também eu penso que escrever se aprende sobretudo a ver e a estudar grandes obras literárias e escrever para cinema ou televisão se aprende vendo filmes clássicos, e há clássicos para todos os gostos, de John Ford a Godard, de Hitchcock a Marguerite Duras, de Steven Spielberg a Manoel de Oliveira. A tarefa do mestre não será nunca a de impor um caminho, mas a de despertar, no interior de cada aluno, a sua vocação encoberta. E de ajudá-lo a encontrar as ferramentas que a tornem possível. Lendo Robert Mckee aprende-se sobretudo a amar o cinema, as suas histórias, a compreender as suas estruturas, a distinguir estilos, a perceber como foi feito, para depois cada um fazer à sua maneira.
Robert McKee, nascido em 1941, tornou-se conhecido sobretudo desde que, como professor na Universidade da Califórnia do Sul, criou o seu popular "Story Seminar". Mas a sua vida artística começa cedo, aos nove anos, como actor, em Detroit, sua cidade natal. Forma-se em Literatura Inglesa, antes de cursar “artes teatrais” e fazer algumas temporadas como actor na Broadway. Dirige uma companhia de teatro, a Toledo Repertory Company, e passa por director artístico do Aaron Deroy Theater. Viaja até Londres, trabalha no National Theater e estuda as produções shakespeareanas no Old Vic. De regresso a Nova Iorque volta à Broadway, como actor e encenador, onde permanece sete anos.
Decide mudar o rumo da sua vida e interessa-se pelo cinema. Frequenta a Cinema School na Universidade do Michigan, e dirige duas curtas metragens, “A Day Off” e “Talk To Me Like The Rain”, esta última adaptando Tennessee Williams. Os dois filmes ganham vários prémios e participam em vários festivais.
Em 1979, McKee muda-se para Los Angeles, começa a escrever argumentos para cinema e televisão, e é contratado para analisar guiões para algumas produtoras, como United Artists ou NBC.
Em 1983 inicia a sua já referida actividade como professor de escrita de guiões, e cria cursos públicos, de três dias e trinta horas que vai dispensando por todo o mundo. Desde 1984, Robert McKee trabalhou com mais de 50.000 estudantes em cidades como Los Angeles, Nova Iorque, Londres, Paris, Sidney, Toronto, Boston, Las Vegas, São Francisco, Helsínquia, Oslo, Munique, Telavive, Singapura, Barcelona, Lisboa e muitas mais.
De resto, julgo que haverá entre nós algumas diferenças (eu acho que o autor de um filme é o realizador, ele acha que é o argumentista, segundo li algures), mas nada disso impede que saúde aqui a presença entre nós de um dos grandes nomes que animam o panorama audiovisual mundial e que nele tanta influência tem exercido ao longo das últimas décadas.
Mas Charlie Kaufman acabava mesmo por ir assistir às lições do mestre em “Story”, “substância, estrutura, estilo e os princípios da escrita para cinema e televisão.” Teve uma discussão pública com o mestre, mas acabaria por esperá-lo à saída e com ele tomar um copo que haveria de se revelar particularmente proveitoso para o futuro do argumento que tinha entre mãos. O mestre chamava-se Robert McKee, era precisamente este que temos aqui connosco, ainda que interpretado por um actor, Brian Cox, que funcionava com um alter-ego prefeito.
Deve dizer-se que Charlie Kaufman é um dos mais prestigiados argumentistas americanos da actualidade, recentemente passado a realizador com o inquietante “Synecdoche, New York”, e sobretudo um homem que não pactua em nada com o conformismo da grande produção industrializada de Hollywood. Uma referência a Robert Mckee numa obra sua só pode assumir-se como uma homenagem. Que partilhamos.
Também ensinei durante quase duas décadas, e ainda o faço esporadicamente, escrita de argumento nas universidades. Mas devo dizer que uma das actividades que mais me desagrada comentar é a chamada “escrita criativa”, quer seja literária ou para audiovisual. Há compêndios e workshops de “escrita criativa” para todos os gostos e formatos, a maior parte dos quais “ensinam” como criar o verdadeiro guião de sucesso garantido, desde que tenha os seus momentos choque bem doseados, os plots e os ganchos distribuídos com dosagem certa, que logo ali explicam como se faz. Ora eu acho que essas regras não existem em escrita criativa, quanto muito podem existir em escrita industrial.
O que me agrada sobretudo no trabalho de Robert McKee é que também ele é contrário às regras, o que fica definido logo na abertura da sua “Story”, por muitos considerada a bíblia da actividade. Diz ele “Story é uma questão de princípios, não de regras.” Uma regra diz: “Isto tem de ser feito assim.” Um princípio diz: “Isto funciona… e sempre funcionou desde que há memória.” A diferença é crucial. O vosso trabalho não tem de ser moldado conforme a peça “bem feita”; deve antes ser bem feito dentro dos princípios que dão forma à nossa arte. Os escritores ansiosos e inexperientes obedecem às regras. Os escritores rebeldes, instintivos, quebram as regras. Os artistas dominam a forma.”
Julgo que nesta citação se concretiza muito do saber de Roberty Mckee, a que se junta uma outra característica para mim sábia. Robert McKee ensina a escrever analisando estruturas de guiões que se tornaram clássicos, como por exemplo o de “Casablanca”, que ele considera “o melhor argumento alguma vez escrito”. Também eu penso que escrever se aprende sobretudo a ver e a estudar grandes obras literárias e escrever para cinema ou televisão se aprende vendo filmes clássicos, e há clássicos para todos os gostos, de John Ford a Godard, de Hitchcock a Marguerite Duras, de Steven Spielberg a Manoel de Oliveira. A tarefa do mestre não será nunca a de impor um caminho, mas a de despertar, no interior de cada aluno, a sua vocação encoberta. E de ajudá-lo a encontrar as ferramentas que a tornem possível. Lendo Robert Mckee aprende-se sobretudo a amar o cinema, as suas histórias, a compreender as suas estruturas, a distinguir estilos, a perceber como foi feito, para depois cada um fazer à sua maneira.
Robert McKee, nascido em 1941, tornou-se conhecido sobretudo desde que, como professor na Universidade da Califórnia do Sul, criou o seu popular "Story Seminar". Mas a sua vida artística começa cedo, aos nove anos, como actor, em Detroit, sua cidade natal. Forma-se em Literatura Inglesa, antes de cursar “artes teatrais” e fazer algumas temporadas como actor na Broadway. Dirige uma companhia de teatro, a Toledo Repertory Company, e passa por director artístico do Aaron Deroy Theater. Viaja até Londres, trabalha no National Theater e estuda as produções shakespeareanas no Old Vic. De regresso a Nova Iorque volta à Broadway, como actor e encenador, onde permanece sete anos.
Decide mudar o rumo da sua vida e interessa-se pelo cinema. Frequenta a Cinema School na Universidade do Michigan, e dirige duas curtas metragens, “A Day Off” e “Talk To Me Like The Rain”, esta última adaptando Tennessee Williams. Os dois filmes ganham vários prémios e participam em vários festivais.
Em 1979, McKee muda-se para Los Angeles, começa a escrever argumentos para cinema e televisão, e é contratado para analisar guiões para algumas produtoras, como United Artists ou NBC.
Em 1983 inicia a sua já referida actividade como professor de escrita de guiões, e cria cursos públicos, de três dias e trinta horas que vai dispensando por todo o mundo. Desde 1984, Robert McKee trabalhou com mais de 50.000 estudantes em cidades como Los Angeles, Nova Iorque, Londres, Paris, Sidney, Toronto, Boston, Las Vegas, São Francisco, Helsínquia, Oslo, Munique, Telavive, Singapura, Barcelona, Lisboa e muitas mais.
De resto, julgo que haverá entre nós algumas diferenças (eu acho que o autor de um filme é o realizador, ele acha que é o argumentista, segundo li algures), mas nada disso impede que saúde aqui a presença entre nós de um dos grandes nomes que animam o panorama audiovisual mundial e que nele tanta influência tem exercido ao longo das últimas décadas.
Texto da apresentação de Robert McKee, hoje na Fnac do Chiado, pelas 18,30 horas.
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