quarta-feira, agosto 09, 2006

LITERATURA E FUTEBOL (2)
Aqui há tempos, por volta da Copa 2006, dei aqui referência de alguns bons livros de excelentes autores sobre futebol. Dá gosto sentir a paixão de alguns escritores excepcionais pelo jogo de futebol, pelo seu clube, pela sua selecção. Há páginas brilhantes que imortalizam todos os intervenientes: quem escreve e quem é descrito.
Dou hoje aqui mais alguns exemplos dessa paixão cruzada entre literatura e futebol. Começo por uma colecção brasileira de que li apenas 5 títulos, mas que me parece toda ela bem interessante. A ideia é um escritor "torcedor" falar do seu "time". Luís Francisco Verissimo escreve sobre o Internacional, Nelson Motta sobre o Fluminense, Ruy Castro sobre o Flamengo, Washington Olivetti sobre Corinthians, etc. Excelente, a não perder, entre o memorialismo e a elegia.
Que tal fazer o mesmo em Portugal? Ofereço-me desde já para ficar com o volume sobre o Sporting Clube de Portugal. Eu sei que há outros sportinguistas que escrevem melhor, mas tive a ideia!



Notas sobre cada livro da colecção fornecidas pela editora:
GRÉMIO - NADA PODE SER MAIOR
de Eduardo Bueno

Em vez das jogadas de efeito, a aplicação táctica. No lugar da técnica e dos dribles desconcertantes, força de vontade e raça. Esqueça os atacantes habilidosos, o que interessa são os volantes de contenção. Este é o verdadeiro futebol, na visão do escritor Eduardo Bueno. Com boa dose de ironia, Bueno defende a ideia de que a essência do futebol não tem nada a ver com o futebol-arte admirado em terras brasilienses. A bravura, a entrega de corpo e alma ao time e o poder colectivo seriam qualidades dos que jogam o verdadeiro futebol. Alguma dúvida de que time carregaria esses atributos? O escritor também sustenta a tese de que o Grémio não é uma equipe brasileira, mas sim um “time cisplatino, quase uruguaio, com fibra inglesa e disciplina alemã”.

PALMEIRAS - UM CASO DE AMOR
de Mário Prata

Não são poucos os craques e momentos memoráveis destacados por Mario Prata, afinal, um clube quatro vezes campeão brasileiro, com uma Libertadores da América e 21 campeonatos paulistas tem história de sobra para contar. Como a vez em que os jogadores palmeirenses vestiram o uniforme da Selecção Brasileira para enfrentar o Uruguai na inauguração do Mineirão, em Belo Horizonte. Ou o campeonato mundial conquistado no Rio de Janeiro, em 1951, contra a poderosa Juventus, da Itália, e mais recentemente, a Taça Libertadores, em 1999. Dos craques que vestiram a camisa verde, um tem lugar especial entre os ídolos do escritor: o amigo de infância Leivinha, que jogou no Verdão entre 1971 e 1975 e foi companheiro de Prata nas peladas em Lins, São Paulo, onde os dois cresceram. Se Leivinha e tantos outros jogadores encheram Mário Prata de alegria com títulos e vitórias, ele retribui à altura com a bela homenagem ao clube de coração.

FLUMINENSE - A BREVE E GLORIOSA HISTÓRIA DE UMA MÁQUINA DE JOGAR BOLA
de Nelson Motta

Nelson Motta narra com paixão a história de Francisco Horta, o dirigente-mito do Fluminense. Além de ser um documento que revela toda a grandeza do clube tricolor, é um romance desportivo que deve ser lido por qualquer pessoa que aprecia a aventura do futebol.

SÃO PAULO
de Conrado Giacomini

A primeira grande obra sobre o S.P.F.C conta a história do clube, de seus grandes ídolos, o porquê da rivalidade com seus principais adversários e, de quebra, uma boa parte da história do futebol brasileiro. “O livro me faz compreender de forma explícita aquilo que sempre senti na pele durante os oito anos em que me dediquei a este clube”, diz Raí, autor da apresentação.

ATLÉTICO MINEIRO
de Ricardo Galuppo

Viajem com Ricardo Galuppo pela história de um time que nasceu do sonho de estudantes e eternizou nomes como Dadá Maravilha, Nelinho, Kafunga, Gilberto Silva, Taffarel e muitos outros. Tão empolgante como o “Vou festejar” cantado pela nação atleticana no Mineirão apinhado, o livro deve ser lido não só pelos torcedores do galo, mas por todos que adoram futebol.

CORINTHIANS
de Washington Olivetto e Nirlando Beirão

O publicitário Washington Olivetto tem as melhores credenciais para escrever a história do Corinthians. Ex-vice-presidente de marketing do clube, Olivetto é como a torcida do Timão, a mais participativa e apaixonada do país. Nessa obra, ele explica essa paixão a um colega americano. Para ajudá-lo na tarefa, convocou o jornalista e corintiano Nirlando Beirão, que intervém na narrativa em notas cheias do humor.

SANTOS - DICIONÁRIO SANTISTA
de José Roberto Torero

Como narrar a história de um clube com tantos momentos de glória, tantos recordes, e que foi a casa do jogador chamado por todos de Rei Pelé? José Roberto Torero encontrou a forma ideal: “o modo canguru, ou seja, dando saltos de um assunto para o outro, de um tempo para o outro”. É assim que o escritor cobre a história – desde a fundação, em 1912, até a conquista do Campeonato Brasileiro de 2004 – do clube por que é apaixonado: o Santos Futebol Clube.


INTERNACIONAL - AUTOBIOGRAFIA DE UMA PAIXÃO
de Luis Fernando Verissimo

É uma felicidade que o melhor do homem seja a sua capacidade de lembrar. Um escritor é surpreendido na frase pela intromissão gloriosa da memória – e da melhor memória, a da infância, da primeira adolescência, dos fatos insubstituíveis e fundadores da existência. O Luís não devia nada. Mas agora, com Autobiografia de uma paixão, o futebol por sua inesgotável exigência de que sejamos diante dele o que sempre fomos, em fidelidade, aprumo e compromisso, revela um Luís anterior ao Luís que quase todos conhecem e admiram. Este livro são as memórias do guri da Felipe de Oliveira, da vó elma, dos eucaliptos, das primeiras escolhas definitivas sobre a vida que devem ter valido para as grandes decisões: escrever ou não escreve, casar, deixar o Rio, fazer desenhos. Enfim, os méritos que o livro repassa são como uma dádiva da escrita, da percepção das coisas e dos homens, da invejável ironia que não permite ao autor sentir-se acima do leitor, do sarcasmo com que sabe destituir as imponências, e esse olhar compreensivo e solidário que tem sobre o mundo, tudo isso é pouco diante do que esse livro concede ao leitor, o Luís memorialista. Só mesmo o futebol.

FLAMENGO - O VERMELHO E O NEGRO
de Ruy Castro

Há quem discorde, mas quarenta milhões de pessoas - quase a população da Espanha - consideram “Flamengo: O Vermelho e o Negro”, de Ruy Castro, o mais importante volume da coleção Camisa 13, que reúne a história dos principais clubes brasileiros. Bem ou mal nas tabelas, o Flamengo continua sendo querido. Afinal, “uma vez Flamengo, Flamengo até morrer”. Essa narrativa ágil, alegre e informativa das glórias e das derrotas do clube rubro-negro carioca deve ser lida por todos os seus admiradores, pelos adversários (nem que seja para falarem mal depois), e até pelos que não torcem por time nenhum (e que, depois disso, talvez consigam entender a estranha magia que um clube desperta). Ruy Castro, que antes de ser escritor já era flamenguista, começa revivendo o ano 1895, quando o clube foi fundado. Ele conta que o desporto da moda era o remo, e que foi o ciúme provocado pelos remadores do Botafogo (“eles vinham remar no Flamengo e conquistavam as moças com seus músculos”) que deu origem ao clube. “Os rapazes da praia do Flamengo não gostavam nem um pouco daquilo. E quatro deles resolveram tomar providências”, narra. Sentados à mesa de um bar, eles fizeram a pergunta histórica: “Por que nós não criamos um grupo de regatas do Flamengo?”. Em 1912, a camisa rubro-negra rumou para os gramados e passou também a jogar futebol. Daí em diante, foram grandes clássicos, belas jogadas, milhares de golos, relembrados com entusiasmo pelo autor e ilustrados nas fotos que completam a obra.


Outro magnífico livro sobre futebol é a antologia de textos de Javier Mariás, "Selvagens e Sentimentais", crónicas apaixonadas e algumas bem verrinossa de uma fanático do Real Madrid. Abra o apetite com este naco de prosa literária que reune literatura da boa, futebol do melhor e cinema de eleição:

"O futebol é semelhante em tantas coisas ao cinema que talvez por isso o seu mundo nunca tenha sido transportado para o ecrã: pareceria uma redundância. Sendo um desporto de equipa, é o mais generoso com os seus jogadores, pois permite que sejam recordados individualmente, apesar dos equipamentos, com a mesma nitidez com que se é capaz de referir os rostos, as figuras, as maneiras de andar e os nomes dos actores de cinema, principais ou secundários. (...) Quanto ao Real Madrid, lembra Hitchock, cujos filmes se vêem com a alma em sobressalto mas costumam acabar bem (...). E não se esqueça que, também como Hitchcock, sempre preferiu as heroínas loiras: Di Stéfano, Kopa, Netzer, Velàzquez, Pardeza, Prosinecki e, sobretudo, Butragueno, continuam a ser o que há de mais parecido que alguma vez se viu num campo de futebol com Grace Kelly ameaçada, mas com tesouras."

Javier Marías, em "Selvagens e Sentimentais: Histórias do Futebol", uma edição Dom Quixote, na colecção Ficção Universal. Reúne crónicas publicadas entre 1992 e 1999.

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