quinta-feira, novembro 16, 2006

MÚSICA: FADO



MARIZA EM BELÉM,
PARA SEMPRE

Em Setembro deste ano, Mariza cantou para Lisboa, junto à Torre de Belém. Acompanhava-a a Sinfoneta de Lisboa. Andei dias e dias a dizer que não me podia esquecer. Acabei mesmo por esquecer. Mas surgiu agora o DVD (e também o CD) e tive, finalmente, oportunidade de ver e ouvir Mariza nessa noite mágica. Sou fanático de Mariza. Acho que depois de Amália, poucas terão ido tão longe, ou chegado tão perto da perfeição. Ela tem tudo para ser o que é: uma voz impar, uma elegância de pássaro em voo rasante, o porte franzino que enche o palco mal o pisa, a modernidade do estilo, mas o classicismo da expressão, o olhar doce e gaiato de quem sabe que o fado é “tudo isto”, amargo e triste, amores infelizes e angústias latentes, mas também muito daquilo, alegria de viver e de amar, o olhar sobre as cidades e as pessoas, o quinhão de simpatia humana que nos toca a todos, esse beijo, esse sorriso, essa pele, essa cor, essa sensualidade boa e quente. Mariza é um regalo de ouvir, e sabe bem ser português, quando se descobrem poemas de Fernando Pessoa, Zeca Afonso, David Mourão-Ferreira, Reynaldo Ferreira, O´Neil, Florbela, Amália, e tantos e tantos outros, acompanhados por inspiradas melodias, tocadas por virtuosos nacionais, cantados por intérpretes como Mariza. Que querem mais, portugueses ingratos, filhos de um tão pequeno País, que tais glórias viu nascer? Mariza é um dos nossos orgulhos nacionais (mas reparem em Lisboa, seus filhos da mãe da desgraça coitadinha e da maledicência mediocre, vejam tão só Amadeu de Sousa Cardoso, Graça Morais, Cesariny, Noronha da Costa em Exposição, só para falar em pintura!, e isto é pouco?, é pouco?). Ouvi-la é um prazer total. O DVD não está mal captado, a direcção é correcta, o som só teve uma falha, é Mariza em Belém para a eternidade. Ouvir e voltar a ouvir, ver e rever.

Moçambicana por nascimento, mas lisboeta da Mouraria desde os três anos, Mariza tem atravessado no sangue esse Portugal que foi fado em África e morna na capital do Império. Em 2001, ainda menina e moça, lança o álbum “Fado em mim” que vende até ser platina e atira com Mariza para o estrelato. Amo-a desde aí. Sim, porque nestas coisas ou se ama ou não se ama. Parte para o estrangeiro e soma sucesso sobre sucesso. Diz que o palco é a sua “sala de estar onde recebo os amigos” e eu sinto-me isso, um amigo, que, ao fim de cada concerto, corre para ela e a beija. Afinal acaba de nos dar momentos de felicidade e, não raro, as lágrimas correm-me, a mim, quando a ouço cantar. Quebeque, Nova Iorque, Hollywood, Londres, Paris, Frankfurt, Lisboa, Moscovo, Madrid, Barcelona, Los Angeles, Cairo, São Francisco, Chicago, as principais casas de espectáculo do mundo esgotam para a ouvir cantar. Uma nova Amália? Possivelmente, mas sobretudo uma nova grande cantora de fado, que consegue o que Amália sempre conseguiu: uma voz inigualável e uma personalidade impar. Ou seja, para se ser uma nova Amália, tem que se ser sobretudo diferente, não uma cópia, porque Amália nunca copiou ninguém. Mariza é também assim. Por ela passou todo o fado, mas ela só reteve o “seu” fado. “Melhor Artista Europeia na área de World Music”, pela BBC, diz que não escolheu o fado, que foi o fado que a escolheu. Não a conheço pessoalmente (mas quero conhecer, sim quero muito conhecer!), mas não fico indiferente aquela humildade que só os muito grandes conseguem ter, porque não precisam de se por em bicos de pés para sobressaírem. Eles já voam por cima dos demais, naturalmente. "O fado é um sentimento e não propriamente uma música". Em 2003, aparece o segundo álbum, “Fado Curvo”, mais prémios, por todo o lado. Os jornalistas estrangeiros residentes em Portugal reconhecem-lhe “a excelência na divulgação da cultura portuguesa, na sua manifestação mais característica: o fado” e consideram-na “Personalidade do Ano 2003”. Em 2004, edita o DVD que encerra o concerto realizado na Union Chapel, em Londres, e logo a seguir surge o novo álbum, “Transparente”. Agora este DVD, precioso, “Mariza, concerto em Lisboa”. Não percam.

Nele se pode ouvir o seu fado preferido, como ela própria o confessa. Poema de David Mourão-Ferreira, pois claro!, um dos maiores poetas portugueses do amor. Aqui fica:
Primavera
David Mourão-Ferreira/Pedro Rodrigues

Todo o amor que nos prendera
Como se fora de cera
Se quebrava e desfazia
Ai funesta primavera
Quem me dera, quem nos dera
Ter morrido nesse dia

E condenaram-me a tanto
Viver comigo meu pranto
Viver, viver e sem ti
Vivendo sem no entanto
Eu me esquecer desse encanto
Que nesse dia perdi

Pão duro da solidão
É somente o que nos dão
O que nos dão a comer
Que importa que o coração
Diga que sim ou que não
Se continua a viver

Todo o amor que nos prendera
Se quebrara e desfizera
Em pavor se convertia
Ninguém fale em primavera
Quem me dera, quem nos dera
Ter morrido nesse dia

para saber mais sobre Mariza aqui.

2 comentários:

Ler o Mundo História disse...

Lauro tu tens tantas faces nesta blogesfera que não sei para onde mando minha missiva. Que prazer descobri-las!
É isso que amo na faceta globalizada do mundo, poder conhecer e me comunicar com pessoas fantásticas (pelo menos entre as que pertencem ao mundo lusófono).
Seja bem-vindo sempre a minha casa e às tuas precisarei reservar tempo pra visita cuidadosa, pelo que vi vou gostar :)

BlueAngel aka LN disse...

De tanto me lembrar desse concerto tb me esqueci de ir a Belém. Já me arrependi várias vezes, mas paciência. Ainda não comprei o DVD, mas na semana passada tive a felicidade de assistir ver a Mariza cantar com o Rui Veloso na RFM e com o Rui Veloso no Pavilhão Atlântico. E de facto, aquela voz tem tudo e ao vivo emana uma força e uma garra que só quem viu e assitiu sabe o que é. Mariaza é, para mim, A fadista desta nova fornada de cantores desta música que tão bem reprresenta a alma lusa: o fado.