LIVROS QUE NÃO
MUDARAM A MINHA VIDA?
O Eduardo Pitta, do blogue “Da Literatura” (dia 3 de Setembro) incluiu-me (peço desculpa pela demora a responder, mas só vi a referência muito recentemente, pois tenho andado muito ocupado com outros assuntos, e tenho viajado pouco pelos blogues, mesmo pelos que mais gosto de ler), numa lista de cinco possíveis inquiridos sobre um novo repto que circula pela blogosfera: “escolher dez livros que não mudaram a minha vida”.
Pois bem. Livros que não mudaram a minha vida? Não há muitos, se é que os há. E vou tentar ser o mais franco possível. Por exemplo: os livros que, à partida, menos teriam mudado a minha vida terão sido os que não li.
Verdade de La Palisse? Não. Nunca li, de fio a pavio, uma das muitas edições da “Bíblia” que possuo, nem a do “Alcorão”, e, todavia, não haverá livros que tenham mudado mais a vida de todos nós (a minha incluída).
Nunca li integralmente o “Ulysses”, de James Joyce, nem os volumes todos de “À Procura do Tempo Perdido”, de Marcel Proust, e, no entanto, raras foram as obras que mudaram tanto o rumo da História da Literatura no século XX. Se assim foi, como não terão mudado, e de que maneira, a minha vida?
Tantos e tantos, milhares!, de livros que li com enfado, outros com uma intima diversão, centenas colocados de lado depois das primeiras 20 ou 30 páginas que não me prenderam. Não mudaram a minha vida? Que sei eu. Sei de alguns que, sendo menorissimos, sem mérito algum literário, mudaram completamente a minha vida. Um exemplo: num alfarrabista, há trinta anos, peguei num opúsculo sobre a vida de Florbela Espanca. O livro não era de reter sobre nenhum ponto de vista, nem literário nem histórico, e, todavia, aguçou de tal forma a minha curiosidade sobre aquela mulher que passei anos a investigá-la e a escrever um argumento para um filme sobre Florbela (que nunca chegou a ser rodado).
O que muda nas nossas vidas é algo de tão imperceptível, que não vejo hipótese de responder a tal questão. Para mim, qualquer livro me muda a vida. Diariamente. Entrar numa livraria, pegar num livro, acariciar a capa, passar a mão pela lombada, abri-lo devagarinho, folheá-lo, comprá-lo, trazê-lo para casa, colocá-lo em cima de uma resma de milhares de outros (onde já vão as prateleiras?), perdê-lo de vista, procurá-lo, achá-lo, não o encontrar, vociferar por não saber onde está, lê-lo, não o ler, tê-lo ali, não o ter, adormecer agarrado a ele, acordar e pegar nele, abri-lo, manuseá-lo, lê-lo religiosamente ou na diagonal, gostar ou não gostar, achar que é importantíssimo ou coisa de somenos, perder-me a reler cada linha ou interromper a leitura a páginas tantas… tudo isto muda a minha vida, dia a dia, minuto a minuto.
Não poder andar livremente em minha casa porque há livros, bons, muito bons, maus ou assim-assim, por corredores e salas, em pilhas, em estantes, em cima de mesinhas e mesas de jantar, onde já não se janta, ter duzentos (ou mais!) livros de cabeceira (que já caíram, durante o sono, por cima de mim!), é coisa que muda a vida de qualquer um. Sou incapaz de indicar dez que o não tenham feito. Todos mudam pelo menos o itinerário dos meus passos em casa (e obrigam a mudar os da família). Mas, será que um livro publicado agora na China, nos EUA, no Paquistão ou em Inglaterra não vai mudar a minha vida daqui a nada, sem eu saber sequer o título da obra?
Meu caro Eduardo Pitta: lamento não lhe enviar dez títulos, mas agradeço-lhe a possibilidade da reflexão. Estes reptos, quando são inteligentes e abordam questões fundamentais, acabam sempre por fazer efeito e mudar a nossa vida: há duas noites que acordo a pensar nesta questão dos livros que mudaram a minha vida. Hoje levantei-me às 6 para vir responder. Não é nada normal. Espero retomar o meu horário habitual de sono, agora que arrumei (arrumei mesmo?) a questão.
Com a mais viva consideração.
Pois bem. Livros que não mudaram a minha vida? Não há muitos, se é que os há. E vou tentar ser o mais franco possível. Por exemplo: os livros que, à partida, menos teriam mudado a minha vida terão sido os que não li.
Verdade de La Palisse? Não. Nunca li, de fio a pavio, uma das muitas edições da “Bíblia” que possuo, nem a do “Alcorão”, e, todavia, não haverá livros que tenham mudado mais a vida de todos nós (a minha incluída).
Nunca li integralmente o “Ulysses”, de James Joyce, nem os volumes todos de “À Procura do Tempo Perdido”, de Marcel Proust, e, no entanto, raras foram as obras que mudaram tanto o rumo da História da Literatura no século XX. Se assim foi, como não terão mudado, e de que maneira, a minha vida?
Tantos e tantos, milhares!, de livros que li com enfado, outros com uma intima diversão, centenas colocados de lado depois das primeiras 20 ou 30 páginas que não me prenderam. Não mudaram a minha vida? Que sei eu. Sei de alguns que, sendo menorissimos, sem mérito algum literário, mudaram completamente a minha vida. Um exemplo: num alfarrabista, há trinta anos, peguei num opúsculo sobre a vida de Florbela Espanca. O livro não era de reter sobre nenhum ponto de vista, nem literário nem histórico, e, todavia, aguçou de tal forma a minha curiosidade sobre aquela mulher que passei anos a investigá-la e a escrever um argumento para um filme sobre Florbela (que nunca chegou a ser rodado).
O que muda nas nossas vidas é algo de tão imperceptível, que não vejo hipótese de responder a tal questão. Para mim, qualquer livro me muda a vida. Diariamente. Entrar numa livraria, pegar num livro, acariciar a capa, passar a mão pela lombada, abri-lo devagarinho, folheá-lo, comprá-lo, trazê-lo para casa, colocá-lo em cima de uma resma de milhares de outros (onde já vão as prateleiras?), perdê-lo de vista, procurá-lo, achá-lo, não o encontrar, vociferar por não saber onde está, lê-lo, não o ler, tê-lo ali, não o ter, adormecer agarrado a ele, acordar e pegar nele, abri-lo, manuseá-lo, lê-lo religiosamente ou na diagonal, gostar ou não gostar, achar que é importantíssimo ou coisa de somenos, perder-me a reler cada linha ou interromper a leitura a páginas tantas… tudo isto muda a minha vida, dia a dia, minuto a minuto.
Não poder andar livremente em minha casa porque há livros, bons, muito bons, maus ou assim-assim, por corredores e salas, em pilhas, em estantes, em cima de mesinhas e mesas de jantar, onde já não se janta, ter duzentos (ou mais!) livros de cabeceira (que já caíram, durante o sono, por cima de mim!), é coisa que muda a vida de qualquer um. Sou incapaz de indicar dez que o não tenham feito. Todos mudam pelo menos o itinerário dos meus passos em casa (e obrigam a mudar os da família). Mas, será que um livro publicado agora na China, nos EUA, no Paquistão ou em Inglaterra não vai mudar a minha vida daqui a nada, sem eu saber sequer o título da obra?
Meu caro Eduardo Pitta: lamento não lhe enviar dez títulos, mas agradeço-lhe a possibilidade da reflexão. Estes reptos, quando são inteligentes e abordam questões fundamentais, acabam sempre por fazer efeito e mudar a nossa vida: há duas noites que acordo a pensar nesta questão dos livros que mudaram a minha vida. Hoje levantei-me às 6 para vir responder. Não é nada normal. Espero retomar o meu horário habitual de sono, agora que arrumei (arrumei mesmo?) a questão.
Com a mais viva consideração.
Vou passar o repto à M. (Detesto Sopa) e ao Fred (Não há Nada Como o Realmente), porque são da família, e tropeçam nos livros (os meus), e ainda à Ana (Música do Acaso), à S. (Nonblog), à Rosário (Divas e Contrabaixo), à Rosário (Bandida), à Sony Hary (Gola Alta), à Ourico (Branco e Azul), à Ida (Sulburdio), à Sara (Uma Devastação Inteligente) e à Isabel (Caderno de Campo). Por pura maldade. Esta resposta é um tormento, eu sei.
12 comentários:
LA, não me leve a mal mas terei de deixar este desafio para depois. Este ouriço anda com a cabeça em água e com obrigações profissionais que ocupam os picos até à raiz....
Obrigada!
Bjs
Lauro, eu já respondi, aqui:
http://divasecontrabaixos.blogspot.com/2007/09/dez-livros-que-no-mudaram-minha-vida.html
e é mesmo uma maldade :)
beijos com saudade
É um péssimo desafio... vou levar algum tempo a responder, até porque ando com pilhas de trabalho e casamentos e preparação para mini-férias. Prometo pensar pelo estrangeiro e voltar com respostas...
Obrigada!
Ei!, Eu desafiei, mas quem nao quiser responder está no seu direito. Na blogosfera,. nada é imposto ou deixa de ter qualquer graça. Aceita-se o que se quer, ok?
Beijos a todas.
maldade é o desafio à isabel do caderno de campo já ter sido lançado por mim e ela ainda não ter respondido...
L.A., agradeço imenso o desafio. :)
Mas a resposta é simples e vai, de certo modo, de encontro à sua.
Em rigor, não há qualquer livro que não tenha mudado a minha vida: uns porque os li, outros porque não os li. Na verdade, a própria existência do "livro" (esse objecto que para mim é de desejo absoluto e ímpar...), já mudou desde sempre a minha vida.
Logo que me seja possível, tratarei o tema com mais rigor.
Mais uma vez, muito obrigada pela ideia.
E beijinhos!
Querido Lauro António (permita-me ...)
Adorei este encadeamento de ideias e emoções sobre livros & livros, magistralmente expressos nas palavras cinéfilas (visuais) de L.A.
Adorei.
Vou á procura desses tais livros, que em determinada altura da minha vida me passaram pela mão mas que não atingiram o coração.
E ... alguns,são mesmo excelentes !
Mas ... os livros são como as pessoas. Há as que nos causam admiração, pelo exemplo e perfeição e outras (raras !) que nos causam uma tremenda emoção. Essas (raras, repito) nem nos dão tempo para pensar nas qualidades e vantagens.
Damos por nós a idolatrar as pequenas "imperfeições" e até os grandes "defeitos" que as tornam especiais aos nossos olhos. Essas são as que marcam as nossas vidas. Comigo tem sido assim ...
Com os livros penso que também é assim ...
Um BEIJO * imenso, LA
Lauro, efectivamente não há nenhum que não tenha mudado a minha vida. e tu dizes isso muito bem. nem que seja só uma vírgula. e as vírgulas são pontos com pés de flores.
maldade? enorme maldade!!
beijosssssssssss
B.
Senhor descamisado da telefonia,
Ande cá mais para o sul e veja a minha resposta. Cada um faz na medida do seu mood circunstancial. Eu tb tinha/tenho imenso que fazer, mas fui abduzida pelo teu texto incrível.
Beijos "folheados"
Não resisto a transcrever aqui a resposta da Ida:
Ai, Lauro, francamente, não queria parecer plagiadora, mas eu não imaginava, quando comecei a ler-te que estaria tb eu no tal do repto, arre! É que eu, simplesmente, adorei teu texto e passei e me deleitar com ele, com as razões e as desrazões. Comecei a formular as cenas na cabeça, e a sorrir, rir sozinha, soletrando em sussurro metade de uma parte do teu texto.
Já disseste tudo, que sei eu? Concordo. Absolutamente, mesmo os livros que eu não li integralmente - Ulysses, O processo, todo o Proust (fiquei-me pelo "le retour de chez swan", não passei das primeiras páginas das "raparigas em flor"), vários Saramago (Ano da morte de RR, Jangada de Pedra, Evangelho segundo Jesus Cristo), alguns do João Ubaldo Ribeiro, sei lá - tiveram alguma função na minha experiência, seja como leitora, seja como ser humano. E os que estão na mesinha? Bem, não chego as raias de ser soterrada por eles, nem pensem, mas acontece, por vezes, de ir procurar um par de brincos desparecido há meses ou de olhar com desolação para a desordem no que deveria ser um apoio para as horas íntimas de ante-sono e de pós-sono e que, hoje, não passa de uma extensão da estante onde há concessões escassas ao relógio de pulso, a um copo de água noturno, a um abajour - indispensável -, e o resto são dois andares de celulose em diferentes versões e qualidades.
Bem, fico mesmo na busca, eles mudam mesmo a minha vida, sobretudo os técnicos se desaparecem justamente quando preciso de uma citação que sei - devido a um bom coeficiente de memória visual - está lá pela página 125 de um missing desses. Isso pode mudar a minha vida, sem a menor sombra de dúvida e muda indiscutivelmente o meu humor, começo a me maldizer por ser tão desorganizada e não fazer o que devo na hora em que devo. Aí, ler o teu texto, resgatou minha autoconfiança e meu amor próprio. Libertei-me. Agora posso espalhar livros onde for, e olhá-los sem culpa por não os ter lido ou terminado, porque ter livros é também um exercício existencial, comprá-los, encontrá-los, aproximar-se deles, tudo envolve uma parte da nossa psique e do nosso emocional e não pode ser negligenciado.
Já agora, além de ser uma tentativa de resposta ao amigo querido que lembrou-se de me contemplar com esta quase não-designação, este post é, também, homenagem a uma pessoa interessantíssima que, ainda nos meus doces anos de faculdade, ofereceu-me a possibilidade de navegar em um mundo todo novo, pleno de livros sem fim, que interrompia uma conversa sobre a pesquisa que estávamos fazendo para ir procurar, no meio das incontáveis pilhas de livros que mudavam nosso caminho dentro do apartamento, a edição em espanhol do Corão onde ela sabia que existia a citação exata para o artigo em curso. Essa pessoa é, hoje, a responsável pelo Instituto de Estudos Brasileiros em Coimbra e foi uma professora inesquecível e uma pessoa indispensável que mudou a minha vida e cuja simples lembrança muda o rumo dos meus pensamentos.
Taí, quem diria que este post iria mudar a minha sexta-feira. Pois mudou.
É por isso que gosto de ti, longuínqua Ida. Um beijo daqui de perto.
Obrigada pelo carinho, Lauro, e pela atenção com esta humilde professora que usa os blogs por diversão. Já que estamos nisso, vai aí uma citação que corrobora esta visão, pelo menos em parte. Beijinhos!
"Deve-se ler pouco e reler muito. Há uns poucos livros totais, três ou quatro, que nos salvam ou que nos perdem. É preciso relê-los, sempre e sempre, com obtusa pertinácia."
Nelson Rodrigues
Obrigada, obrigada, eu respondo, respondo, pois, mas isto não tem estado fácil! Talvez no fim de semana, quem sabe!
beijos. até já.
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