segunda-feira, outubro 08, 2007

AS RAZÕES DE UM FILME

MARIA SOBRAL MENDONÇA,
O TIQQUN E A PINTURA
Conheci a Maria Sobral Mendonça através do seu blogue “Lapis Exilis”, onde, por entre pinturas e desenhos, textos e músicas, ela vai registando a sua vivência, opiniões, dúvidas, angústias, alegrias, revelações…. Por essa altura tinha no meu blogue uma secção chamada “Um blogue (por dia) para visitar”, assinalando assim a minha entrada no mundo da blogosfera, de que procurava acercar-me e compreender. Nada melhor do que viajar por blogues já existentes e aproximar-me deles sem preconceitos, procurando sobretudo descobrir o que se encontrava por detrás das palavras, das imagens, dos sons propostos. Assim fiz, e um dia o blogue por mim escolhido foi o “Lapis Exilis” que, depois de lido com alguma atenção, justificou as seguintes palavras de apresentação: “Isto sou eu a supor (esperemos que bem!): Chama-se Maria Sobral Mendonça, assina com o nick “musqueteira”, é de Oeiras, pintora, e assegura um blogue chamado “Lapis Exilis” que tem por divisa “Mas sabei que nós estamos todos de acordo, seja o que for que digamos.” (Turba Philosophorum).
O blog é curioso e merece seguramente uma visita: mistura, com discrição e bom gosto, obras plásticas (muitas delas da autora, como se documenta acima com dois bons trabalhos) textos e links musicais. O todo é agradável, não quer dizer que goste de tudo, mas globalmente é um blog de alguém empenhado, criterioso, com boa vontade e sentido crítico.” Dava depois dois exemplos de posts de que eu gostara, um de 31.1.06, “…Frame-to-Frame...” (…talvez a vida seja exactamente isso. Momentos exactos registados através de bruscas paragens do tempo. Afinal podemos parar o tempo!... Registar o movimento, num pedaço de papel rabiscado com datas e acontecimentos... depois, depois basta aceder à memória das coisas... e ali está ele, o tempo... estático à espera de nós mesmos.), um segundo de 16.8.06, sobre “...Nicolais Judelewicz...” (... as imagens podem ter cor, ou não. Mas a música que as animará num ecrã, pode ou deve transcrever no seu todo, uma só e única sonoridade plástica. Se eu pudesse estar neste preciso momento em Paris... sei bem o que de novo lá faria! Mas, também ainda é cedo para questionar toda a composição sonora da próxima exposição. Afinal de contas, há ainda um ano para criar as imagens que irão mais tarde ser animadas em película. E, só depois disso tudo, é que todos os "acordes" sonoros são realizados. Se eu pudesse estar neste preciso momento em Paris, visitava Nicolais Judelewicz! Somente se eu pudesse já lá estar... era exactamente o que faria.)
Terminava o meu comentário assim: “Aqui fica a minha escolha de hoje, porque quero que estas sugestões que aqui vou deixando sejam abrangentes, não se confinem a nichos muito específicos, mas sejam representativas do que se faz na blogosfera com qualidade e interesse. A ideia destas indicações é, sobretudo, mostrar como o blogue pode ser um instrumento valioso de comunicação, e sobretudo de comunicação na variedade, na diversidade, na complementaridade. Não concordo que se deva estar sempre de acordo, diga-se o que se disser. Mas que tal ouvir o que cada um tem para dizer?”
Desculpa, Maria, esta transcrição longa, mas isto tem tudo a ver com tudo. De como te li a primeira vez com o interesse pelas coisas ignoradas, de como me aproximei com o respeito que os “outros” me merecem, de como dessa aproximação nasceu uma curiosidade mais profunda, que gerou uma amizade, um encontro, um “confronto” (e do “eu” e do “tu”, por vezes tão diferentes, por vezes tão próximos), de como desse encontro surgiu o convite para ser eu, depois do Edgar Pêra, o realizador de cinema a filmar a tua nova exposição (a tal de que falavas no post: “Afinal de contas, há ainda um ano para criar as imagens que irão mais tarde ser animadas em película.”) Mal sabia eu ao te citar, mal sabias tu ao referi-lo, que o destino nos iria cruzar e que as imagens animadas em película seriam minhas.
Um dia, pelas ruas do Chiado mostras-me algumas das tuas obras dispersas por galerias. Gostei. Mostraste-te também a ti, monárquica e mística, o que para mim, republicano e socialista, não deixa de ser algo de distante. Mas os contrários nem sempre se afastam e eu gosto, sobretudo, do mistério e do desconhecido. Além de que, para mim, não há pessoas rotuladas, há as de que gosto e as de que não gosto (e estas, quantas são?, uma pessoa é sempre algo de tão surpreendente e contraditório, de tão ilusório no seu conhecimento profundo!). Há aristocratas magníficos, basta lembrar um dos meus cineastas preferidos, Luchino, dos Viscontis. Veja-se só: aristocrata dos mais puros, marxista, homossexual e um dos mais geniais realizadores da história do cinema. Que mistura e que génio! Não me venham portanto com definições, já dizia o meu professor de Portalegre.
E assim foi. Maria disse-me que a sua próxima exposição seria sobre “Tikkun” ou “Tiqqun”, conceito que quer dizer, entre outras coisas, “Restauração” ou “Reparação”, que um Rabi, Isaac Luria divulgara em meados do século XVI, e que se prendia com uma multiplicidade de temas e assuntos que me levaram à cabala e a dezenas de doutrinas judaicas.
Ora a cabala tem má fama por estes dias. A teoria da cabala anda na boca do mundo. Mas não se trata dessa cabala, mas da antiga, da esotérica, da que procura descodificar os segredos e os mistérios ocultos por detrás das letras e dos números dos livros sagrados, da “árvore da vida”, do “livro da criação”. Saber a razão e o porquê de tudo. Um caminho entre o ortodoxo e o herético, com variações e flutuações de escolas e séculos. Vasculhei livros já lidos e outros nunca abertos, passeei pela Internet, e descobri coisas muito interessantes.
Por exemplo, dentro do judaísmo, a doutrina do Messias pode variar. Historicamente diversos personagens foram chamados de Messias, do hebraico “ungido”, que não significa o mesmo no cristianismo, onde é um "ser salvador e digno de adoração". O conceito do Messias não aparece sequer na Torá, e por isto mesmo recebe interpretações diferentes de acordo com cada ramificação judaica. A maior parte dos judeus crê no Messias como um homem judeu, filho de um homem e de uma mulher (por alguns é considerado que viria da tribo de Yehudá e da descendência do rei David, uma herança do sentimento nacionalista que regulou a vida judaica pós-exílio), que reinará sobre Israel, reconstruirá a nação fazendo com que todos os judeus retornem à Terra Santa e unirá os povos em uma era de paz e prosperidade sob o domínio de YHWH. E mais: algumas ramificações judaicas (consideradas reformistas) crêem, no entanto, que a era messiânica não envolve necessariamente uma pessoa, mas sim que anuncia um período de paz, prosperidade e justiça na Humanidade. Dão por isso particular importância ao conceito de "tikkun olam", "reparar o mundo", ou seja, a prática de uma série de actos que conduzem a um mundo socialmente mais justo. Quem assim pregou foi Luria, um dos maiores estudiosos e divulgadores da “Kabbala”. Curiosamente, num à parte, mais uma vez se descobre, agora nos judeus, a mesma importância concedida aos livros e à palavra impressa, que se mantém inacessível aos gentios, e que se resguarda como fonte de poder supremo na inatingível torre (“O Nome da Rosa”) ou na Kabbala (“O Pêndulo de Foucault”). Umberto Eco em todas.
Seria impensável aproximar-me do universo pictórico de Maria Sobral Mendonça sem uma prévia aproximação do tema que a levou a desterrar-se para terras de Montemor-o-Novo, para, no frio mais intenso e no calor tórrido de um casarão sem nenhumas comodidades, executar em voluntária clausura, que durou um ano, trinta telas que nos falam do pecado e da culpa, que nos mostram mulheres cujos rostos apenas se adivinham, vestidas por coloridas vestimentas que escorrem passado, personagens e situações de dramas e culpas, de remorsos e libertações que tendem para a purificação do corpo e sobretudo da alma.
Mas o que mais me apaixona na obra de Maria Sobral Mendonça é a sua técnica, a busca de uma textura sólida, o exercício dos pincéis, da espátula, dos próprios dedos, a misturar as tintas, a desenhar uma sensualidade óbvia de cores e formas, a partir do figurativo para atingir uma quase abstracção, que é a busca da “alma” da tela. Há nesta pintora (e nesta mulher) uma complexidade de olhar e uma exigência de atitude que mistura o prazer de viver e a sua recusa, que argamassa com as mesmas cores, numa mesma tela, virtude e pecado, que reúne, contra natura, a presença e a ausência, a vida e a morte, o branco e o negro, todas as cores e cores nenhumas, para no final a sensação ser de exaltação da vida e nossa própria exaltação. Mesmo quando nos quadros o negro domina e a viuvez impera. Na escuridão do luto, as mãos e os pés rasgam com violência a sua própria imposição. Regeneração? Pois seja. Todos os caminhos são caminhos de algum Senhor para chegar a um mundo melhor. Cada um escolhe os seus caminhos e todos nos poderemos encontrar, lá no fim, na mesma meta.
Lauro António
(depois de ter passado pelo Convento de São Paulo, na Serra d’ Ossa, em Julho de 2007)

MARIA SOBRAL MENDONÇA
convite
No próximo dia 11 de Outubro, na Galeria da Câmara Municipal de Lisboa (Praça do Município), inaugura-se, pelas 18 horas uma exposição de pintura de Maria Sobral Mendonça, subordinada ao tema, "Tiqqun, A Libertação do Pecado".
Na mesma altura será exibido o meu filme sobre "Maria Sobral Mendonça".
Entretanto, o filme terá uma ante-estreia, dia 9, na FNAC do Chiado, pelas 18 horas, seguida de debate. Lá estarei. O convite aqui fica.
Nota: a Maria Sobral Mendonça é autora do blogue "
Lapis Exilis".

3 comentários:

Belinha Fernandes disse...

A colagem vai viajar até ao Canada_Collage is going Canada
Obrigada por ter participado!_Thank you for joining my collage giveaway!

hora tardia disse...

obrigada Lauríssimo.



o filme que vi e que tenho é feito com os olhos de dentro.


beijo.

Lauro António disse...

Alguém anda a rasar o piano a uma hora tardia e não me dizia nada. Sim, com os olhos de dentro é que se olha o mundo e quem se gosta. Beijos.