PEQUIM, 2008, II
É verdade que há muita coisa na China actual a merecer críticas e críticas severas. Mas a campanha orquestrada contra os Jogos Olímpicos e a China que os organiza ronda a esquizofrenia mais atormentada.
As imbecilidades que por aí circulam bradam aos céus: a menina que se via a cantar não era afinal a menina que cantava, porque uma não era assim tão bonita, mas cantava bem, e outra não cantava assim tão bem, mas era muito engraçadinha, e os aldrabões dos chineses colocaram a voz de uma e a cara da outra. Coisa nunca vista, a não ser milhares de vezes em qualquer filme americano ou não. Quantos musicais não mostram um rosto a cantar e se ouve outra voz? Dezenas e dezenas, e até há mesmo uma obra-prima (“Serenata à Chuva”) que termina parodiando a situação com imensa graça. O “play back” é uma técnica muito usada no teatro, no cinema, nos próprios concertos. Um espectáculo, em qualquer parte do mundo, procura ser o melhor possível, reunindo o melhor dos diversos componentes integrantes. Nada a opor portanto à utilização das duas meninas. A não ser para mentes torturadas, em buca de quaqluer pretexto para dizer mal.
O mesmo se deve dizer quanto à utilização de filmagens com céu límpido, em lugar de um directo com céu encoberto. A ideia era fornecer um espectáculo que fosse o melhor possível, repete-se. Um espectáculo não é um documentário que imponha uma ética rigorosa quanto ao que se mostra. Um espectáculo é por definição uma verdade encenada, ou uma mentira que se legitima por isso mesmo, por ser artificial, criada, recriada.
Lugares vazios ocupados por figurantes? Que tragédia! Pois é a mesma tragédia que ocorre em quase todas as grandes transmissões, dos Óscares aos Emis, e por aí fora. Toda a gente sabe que se faz assim, e que assim é que funciona bem. Excepto na China. Aqui esse artifício não pode ser admissível. Minha nossa!
Mais uma apenas: os chineses contrataram para algumas grandiosas obras arquitectónicas na cidade olímpica um arquitecto, Albert Spear, Jr, filho do célebre Albert Spear, arquitecto oficial do regime nazista, e amigo pessoal de Hitler. Claro que o referido arquitecto é um dos mais famosos do mundo, construiu um dos estádios do Mundial de Futebol de 2008, em Munique, tem trabalhos dispersos por todo o mundo, mas não podia funcionar na China. Aqui levanta-se igualmente uma questão curiosa: o filho de um nazi tem de ser obrigatoriamente nazi. “Se não foste tu, foi o teu pai!”, há uma fábula que termina assim, procurando criticar certos comportamentos. Pois, se fossemos por esse caminho, quantos “filhos da mãe” (ou do pai) não se tramariam em Portugal, e em todas as localidades do mundo? Mas um filho de nazi passa incólume em Munique a erguer um estádio, mas já é muito suspeito em Pequim. Por favor!
Durante a transmissão da cerimónia de abertura, um comentador técnico da RTP ia protestando contra a demora de tudo. Foi ao ponto de vociferar conta a volta que o atleta olímpico deu ao estádio, na pista olímpica virtual que se estendia no alto do mesmo. Acontece que aquela volta foi, só por si, um momento único e de uma originalidade total. Saborear aquele momento era quanto se pedia a qualquer ser medianamente sensível. Mas o comentador protestava. Já se tinha visto ele subir, para quê ele agora andar ali às voltas? Protestara antes por haver velhos atletas olímpicos a serem homenageados quando transportavam ente si o facho olímpico. Para quê essa palhaçada sem sentido, chego quase a perguntar? Enfim, perdoai-lhe Senhor porque não sabem o que dizem.
E num jornal qualquer, um articulista dizia que o facho olímpico servia os interesses imperialistas dos chineses, tal como o fizera aquando da sua aparição, nas olimpíadas de Berlim, no tempo de Hitler. Até pode o facho ter esse significado, mas por que razão só o relembram agora, na China? Em Los Angeles ou em Sidney não representava o mesmo? Não seria já aí um símbolo fascista?
Enfim, falem do trabalho infantil, falem da falência do sindicalismo, falem do partido único, falem da exploração gritante, falem da poluição que é mais grave do que a dos EUA, mas tenham olhos para a verdade e um algum sentido da imparcialidade.
As imbecilidades que por aí circulam bradam aos céus: a menina que se via a cantar não era afinal a menina que cantava, porque uma não era assim tão bonita, mas cantava bem, e outra não cantava assim tão bem, mas era muito engraçadinha, e os aldrabões dos chineses colocaram a voz de uma e a cara da outra. Coisa nunca vista, a não ser milhares de vezes em qualquer filme americano ou não. Quantos musicais não mostram um rosto a cantar e se ouve outra voz? Dezenas e dezenas, e até há mesmo uma obra-prima (“Serenata à Chuva”) que termina parodiando a situação com imensa graça. O “play back” é uma técnica muito usada no teatro, no cinema, nos próprios concertos. Um espectáculo, em qualquer parte do mundo, procura ser o melhor possível, reunindo o melhor dos diversos componentes integrantes. Nada a opor portanto à utilização das duas meninas. A não ser para mentes torturadas, em buca de quaqluer pretexto para dizer mal.
O mesmo se deve dizer quanto à utilização de filmagens com céu límpido, em lugar de um directo com céu encoberto. A ideia era fornecer um espectáculo que fosse o melhor possível, repete-se. Um espectáculo não é um documentário que imponha uma ética rigorosa quanto ao que se mostra. Um espectáculo é por definição uma verdade encenada, ou uma mentira que se legitima por isso mesmo, por ser artificial, criada, recriada.
Lugares vazios ocupados por figurantes? Que tragédia! Pois é a mesma tragédia que ocorre em quase todas as grandes transmissões, dos Óscares aos Emis, e por aí fora. Toda a gente sabe que se faz assim, e que assim é que funciona bem. Excepto na China. Aqui esse artifício não pode ser admissível. Minha nossa!
Mais uma apenas: os chineses contrataram para algumas grandiosas obras arquitectónicas na cidade olímpica um arquitecto, Albert Spear, Jr, filho do célebre Albert Spear, arquitecto oficial do regime nazista, e amigo pessoal de Hitler. Claro que o referido arquitecto é um dos mais famosos do mundo, construiu um dos estádios do Mundial de Futebol de 2008, em Munique, tem trabalhos dispersos por todo o mundo, mas não podia funcionar na China. Aqui levanta-se igualmente uma questão curiosa: o filho de um nazi tem de ser obrigatoriamente nazi. “Se não foste tu, foi o teu pai!”, há uma fábula que termina assim, procurando criticar certos comportamentos. Pois, se fossemos por esse caminho, quantos “filhos da mãe” (ou do pai) não se tramariam em Portugal, e em todas as localidades do mundo? Mas um filho de nazi passa incólume em Munique a erguer um estádio, mas já é muito suspeito em Pequim. Por favor!
Durante a transmissão da cerimónia de abertura, um comentador técnico da RTP ia protestando contra a demora de tudo. Foi ao ponto de vociferar conta a volta que o atleta olímpico deu ao estádio, na pista olímpica virtual que se estendia no alto do mesmo. Acontece que aquela volta foi, só por si, um momento único e de uma originalidade total. Saborear aquele momento era quanto se pedia a qualquer ser medianamente sensível. Mas o comentador protestava. Já se tinha visto ele subir, para quê ele agora andar ali às voltas? Protestara antes por haver velhos atletas olímpicos a serem homenageados quando transportavam ente si o facho olímpico. Para quê essa palhaçada sem sentido, chego quase a perguntar? Enfim, perdoai-lhe Senhor porque não sabem o que dizem.
E num jornal qualquer, um articulista dizia que o facho olímpico servia os interesses imperialistas dos chineses, tal como o fizera aquando da sua aparição, nas olimpíadas de Berlim, no tempo de Hitler. Até pode o facho ter esse significado, mas por que razão só o relembram agora, na China? Em Los Angeles ou em Sidney não representava o mesmo? Não seria já aí um símbolo fascista?
Enfim, falem do trabalho infantil, falem da falência do sindicalismo, falem do partido único, falem da exploração gritante, falem da poluição que é mais grave do que a dos EUA, mas tenham olhos para a verdade e um algum sentido da imparcialidade.
17 comentários:
"...Enfim, falem do trabalho infantil, falem da falência do sindicalismo, falem do partido único, falem da exploração gritante, falem da poluição que é mais grave do que a dos EUA, mas tenham olhos para a verdade e um algum sentido da imparcialidade."
... e não só meu caro Lauro António... e não só! Mas o "mundo" é todo ele uma violação de qualquer um dos direitos instituídos... seja em que País for...até mesmo em Portugal!
O Paraíso só existe mesmo em filmes... isso, se não aparecer por lá, nenhum tubarão a assustar!
Excelente texto que gostei de ler.
Se partilho ou não da filosofia com que foi escrito... esse é outro assunto. Mas tenhamos todos a coragem e enfrentar os nossos próprios preconceitos.
Um abraço e bom feriado ;)))
Com todo o respeito pela sua opinião, permita-me dizer o seguinte:
Na minha óptica e com base na minha sensibilidade, não aprecio espectáculos criados com artificialidade (salvo algumas excepções, sobretudo aquelas que assumem com objectivos definidos a sua artificialidade); por outro lado, um bom espectáculo pode ter que recorrer legitimamente a artifícios para ser bem conseguido, e isto seja na China, nos EUA ou na Conchichina...; portanto, acho que se aplica a qualquer parte do mundo; mas... há aspectos que ultrapassam esta dimensão: numa cerimónia olímpica, o objectivo principal não deveria ser a perfeição absoluta, mas o enaltecer de qualidades humanas, em particular as que despontam numa criança e que são promessa de futuro... Pessoalmente, acho giros os dentes tortos. E depois, os dirigentes poderiam antecipadamente ter cuidado da imagem da menina. Há aparelhos para corrigir esses aspectos estéticos. Opções...
Acusem-me de idealista e utópica, mas usar uma voz amputada do resto do ser que a possui, e usar a imagem de outro ser, amputando-lhe a sua própria voz... parece-me estar nos antípodas do espírito olímpico.
Faria a mesma crítica fosse qual fosse o país organizador dos Jogos.
No entanto, concordo com alguns aspectos que refere e é certo que também existe um espírito de combate à China, com análises tendenciosas. Infelizmente, com fundamentos, mesmo que provenientes de outras áreas. E que se reflectem nestas Olimpíadas.
Matéria inesgotável e séria...
Agradeço a reflexão proporcionada e peço desculpa pelo extenso comentário. :)
Ana, com todo o respeito pela sua opinião, permita-me dizer o seguinte:
Não acredito que a Ana não aprecie "espectáculos criados com artificialidade (mesmo ressalvando algumas excepções, sobretudo aquelas que assumem como objectivos definidos a sua artificialidade)". E isto por uma razão única: sei que gosta de cinema, e não há praticamente filme de ficção que não funcione com base no artificialismo e na mentira. Uma certa “mentira”. Aliás o cinema começa por não existir. É uma mentira que persiste com base numa deficiência humana. Não existem "imagens em movimento", existem imagens que, permanecendo fracções de segundo na nossa retina, dão a sensação de as imagens que vemos estarem em movimento.
Depois, qualquer filme mediano, filma alguém a entrar numa porta de uma casa na Serra da Estrela que liga com um interior rodado em Lisboa (um exemplo, apenas). De resto, a maioria dos filmes é rodada em estúdio. Quer alguma coisa mais artificial? Depois, actores a serem dobrados por cantores. Não há nada de mais frequente. Agarre-se num clássico, “My Fair Lady”, a belíssima e carismática Audrey Hepburn era dobrada pela cantora Marni Nixon,, sabia? O magnífico Jeremy Brett era dobrado pelo cantor Bill Shirley, sabia? Posso dar-lhe dezenas de exemplos. Nunca ninguém protestou.
Estes protestos quanto à menina chinesa são políticos, mas de má política. Por isso me desagradam. Protestem com o que têm de protestam, não arranjem falsas questões. Há tantas questões “reais”. Mas se calhar não lhes interessa agarrar nessas. Se calhar custa-lhes falar na poluição ambiental, na exploração laborar, na exploração infantil, etc., porque, nesse caso, os ocidentais estão metidos na engrenagem até ao pescoço: são eles que encomendam os produtos baratos que implicam exploração de todo o género, inclusive infantil. São as empresas ocidentais que deslocam fábricas para a China, ou que exportam produtos a preço de custo sem concorrência no Ocidente. Isto não aparece referido muitas vezes, mas porque uma menina canta com a voz de outra vem a baixo a consciência mundial, todas as alminhas se tornam muito sensíveis. Enfim, hipocrisias.
Jogos Olímpicos e ideais olímpicos seriam outros temas muito interessantes a desenvolver. A Ana (trato-a por você, porque assim me tratou a mim, apesar de, na vida real, nos tratarmos por tu, mas a blogosfera tem destas coisas!) acha que a cerimónia de abertura dos JO “enaltecer as qualidades humanas, em particular as que despontam numa criança e que são promessa de futuro...” Ana, se vê os JO, acha que se enaltecem “qualidades humanas”, ou se procura criar o “super herói” que já quase não tem nada de humano? Se quer que lhe diga com sinceridade, neste caso estou dividido entre o entusiasmo de ver surgir um novo “record” e a desumanidade que resulta de cada novo “record”. Já pensou no que será o treino destes atletas? Será isso humano? Já pensou no “tratamento” que deverá estar reservado a cada atleta até ele atingir a meta desejada? Já pensou que a grande maioria dos grandes atletas não tem uma vida própria para viver? Será isso razão de ser de um vida, para nadar 100 metros com menos um segundo? Não sei, estou dividido dentro de mim, mas de certeza que não haverá nada de mais artificial do que um atleta olímpico.
De resto, não tem de se desculpar pela extensão do comentário. Até fico lisonjeado, quer pela extensão e quer pela discordância dos meus pontos de vista, sobretudo para quem conhece o tipo de comentários que distribui por outros blogues.
Respeitosamente…
Agora para ti, Ana, cá te espero na segunda, com um beijo.
Caro L.A.: não vou discutir mais o tema propriamente dito. Ele é exaustivo. Deixo isso para os especialistas.
Só me ocorre assinalar ainda: adoro cinema e nem tudo no cinema é para mim artificialismo. O cinema é fantástico como (re)criação da realidade. Uma cerimónia de Jogos Olímpicos não é, para mim, cinema. Para além desta ressalva, todas as opiniões são legítimas quanto à sua respeitabilidade.
Quanto ao tu e ao "Sr.": como bem sabe, muitas pessoas que se tratam por tu, por vezes, tratam-se "especialmente" não por tu. Acho que é o caso, e espero que não o interprete mal. Aliás, estou certo de que saberá entender a nuance no trato. De qualquer modo, é uma questão de estilo, minha, particularmente minha.
Quanto aos comentários que faço ou não, cada um deles é da minha inteira responsabilidade, obviamente. Por vezes, algo suscita a minha especial intervenção. Outras vezes, não. Ainda bem que nem sempre isso acontece. Seria esgotante. Há visitas a blogs que são repousantes, outras que são inquietantes.
Até breve!
Ana,
Muito obrigado pelo "inquietante". Nada me daria mais estimulo.
Até breve?
O comentário omitido por mim, repetia o anterior. Mas aproveito a embalagem para mais uma precisão da minha parte: o cinema de ficção é um espectáculo, tal como o teatro, a televisão, o desporto- espectáculo.
A cerimónia de abertura dos JO é um espectáculo que se rege pelas mesmas regras de artificialismo que qualquer outro. A ideia é criar o melhor espectáculo possível. Ou o atleta olimpico a correr no ar, sobre uma pista que não existe, não é já um artificialismo espectacular?
Mão amiga chamou-me a atenção para o blogue do meu amigo João Lopes, que não não tinha ainda lido no que se refere a este post, mas onde aparece escrito:
"Vivemos num mundo em que muito boa gente passou a considerar que só é bom cidadão quem for... "polícia"! Daí as práticas de "denúncia" — e histérica dramatização — a pretexto das coisas mais lineares.
O exemplo mais recente tem a ver com o facto de, na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim, a pequena Lin Miaoke [9 anos, em cima à direita], que interpretou uma ode à China, se ter limitado a fazer playback — a verdadeira voz pertencia a Yang Peiyi [7 anos, imagem da esquerda].
De facto, há quem se mostre chocado pela troca e pelas suas razões (segundo a organização, a melhor solução era "combinar" a voz de uma e a imagem de outra), choque esse que é perfeitamente legítimo e compreensível — sabemos que o conflito entre o visual e a identidade atravessa, hoje em dia, muitas formas da vida social. O que é espantoso é que isso sirva como "prova" da repressão do regime chinês e de todo um rol de horrores em que China e governo chinês, cidadãos chineses e forças políticas da China, tudo se confunde num caldeirão de monstros.
Há, por certo, razões muito humanas e humanitárias para confrontar a administração chinesa com algumas formas de tratamento da oposição política e, em particular, com o delicadíssimo problema da defesa dos direitos humanos — neste blog, à nossa modesta escala, tem-se procurado não simplificar o que está em jogo. Mas chega a ser delirante o modo como se tenta transfigurar um evento tão particular e específico numa espécie de filtro mágico para compreender "toda" a China — uma vez mais, a generalização caricata funciona como promoção da ignorância.
Vindo dos EUA, alguns dos protestos são desastradamente anedóticos, quanto mais não seja porque revelam um ingénuo desconhecimento dos mecanismos do espectáculo do seu próprio país. Será que os autores de tal protesto sabem da existência de um um objecto como My Fair Lady, de George Cukor, por mero acaso distinguido com oito Oscars, incluindo o de melhor filme de 1964... E será que sabem que a radiosa protagonista, Audrey Hepburn, cantava todas as suas canções... em playback [voz de Marni Nixon]? Será que nunca viram uma obra-prima como Serenata à Chuva (1952) onde, por coincidência, se evoca o playback como técnica estruturante do próprio espectáculo musical?
Repare-se: não se trata de "defender" o playback como uma nova verdade absoluta. Trata-se, isso sim, de relembrar o simples facto de o universo do entertainment não ser feito de verdades absolutas. E que o olhar "policial" não é necessariamente o melhor para fruir a pluralidade do mundo.
Já agora, para não nos ficarmos pelo silêncio, lembremos Audrey Hepburn (e Marni Nixon!) em My Fair Lady — talvez Cukor fosse chinês..."
A Senhora Dr.ª Ana Paula, que citou há dias o referido João Lopes como um autor inspirador, terá aqui nova matéria para reflectir. Ou não.
Reflectirei certamente.
De qualquer modo:
Não temos que estar de acordo com tudo o que as pessoas pensam (João Lopes incluído, por muito que o tenha em alta consideração); também não me parece que o texto citado ignore o problema existente, mas julgo que o que faz é alertar para a histeria que facilmente se gera a partir de pequenos factos que surgem na actualidade.
Talvez a falta de assunto no mês de Agosto ajude a compreender o fenómeno...
Muito obrigada, Lauro António!
Ainda bem que chegou alguém que a Senhora Dr.ª tem em alta consideração e que impôs alguma contensão à reflexão. Pessoas inteligente é logo outra coisa. Eu também tenho em muita consideração o João Lopes, apesar de discurdar muitas vezes dele.
Discurdar não, obviamente, mas sim discordar.
Ena, onde já vai esta discussão! Mas não estaremos, de quadrénio em quadrénio, cada vez mais afastados do verdadeiro espírito dos Jogos Olímpicos e mais perto da "encenação"? Basta reparar nos atletas que já nem se percebe muito bem se são seres humanos se personagens saídas de um filme da Pixar! Depilam-se os nadadores para impedir o atrito, inventam-se fatos semi-espaciais para optimizar a performance na água (que saudades do Johnny Weissmuller!), estudam-se sapatilhas aerodinâmicas para a corrida ter a velocidade da luz, desenham-se equipamentos para ciclistas que os fazem parecer Formigas Z gigantes. E tudo isto e muito, muito mais, em nome do lema olímpico "mais forte, mais alto, mais longe" (creio que é assim, ou semelhante). Cai a cada minuto um anterior record olímpico, para já não falar nos records nacionais, continentais, pessoais, do bairro, do clube ou da minha rua. A este ritmo chegaremos em breve às provas olímpicas tipo "vai ser bom, não foi?" E não é isto tudo encenação? Encenação para as multidões que compram bilhetes, que assitem às transmissões, que compram os jornais, que se mantêm acordadas toda a noite por causa das diferenças horárias. São milhões em todo o planeta! O que significa milhões de euros, de dólares, de ienes ou do que quer que seja, em resumo, milhões a somar ao capital, seja ele de onde for. Compram-se e vendem-se ateletas, jogadores de futebol, tudo tem um preço e normalmente muito elevado. E preocupamo-nos com a menina de vestidinho vermelho que nem tem a noção do que está a fazer e que de certeza não pediu para estar ali? E preocupamo-nos com a outra que canta tão bem mas que não é tão bonitinha e que se calhar o que gosta mesmo é de cantar e não lhe interessa nada aparecer? Sim, porque até isso é possível. Bem vistas as coisas, se calhar o que uma e outra queriam memso era que as deixassem brincar com a Hello Kitty e não as chateassem com cerimónia olímpicas. A(s) menina(s) é(são) tanto vítima(s) da avidez de emoções do público de todo o mundo como todas aquelas atletazinhas chinesas, americanas ou neo-zelandesas que vemos ali a queimar, no curto instante de uns escassos minutos, horas infinitas de treinos desumanos, de dietas dementes, de pressões psicológicas bárbaras que destorcem os seus corpos e espíritos ainda mal acabados de sair da infância. A quantas será dada a opção de parar se não quiserem continuar? Mais alto, mais longe, mais forte. Até ao in-humano. Talvez a próxima menina a cantar nos jogos olímpicos tenha a assinatura da Pixar. E se o país anfitrião não disser nada, nós vamos comer por menina verdadeira e aplaudimos emocionados.
Peço desculpa por me ter alargado desta maneira, mas pronto, foi assim...
Ora bem... já que se está a falar tanto sobre a China, permitam-me uma pequena observação:
Aqui há uns meses atrás, no programa "Câmara Clara" da RTP2, falou-se da China, da sua cultura e sobretudo do seu cinema. Confesso que fiquei surpreendido (para não dizer aparvalhado) com o que se está a passar actualmente com o cinema Chinês.
Era convidada do programa uma professora (se não estou em erro) de nacionalidade Chinesa e residente em Portugal que falou um pouco sobre esse tema.
Fiquei então a saber que existem fortíssimas políticas de censura nos filmes chineses e que o Governo proíbe expressamente que se filme a verdadeira China, i.e, a exploração, a miséria e a pobreza - há inúmeros jovens realizadores (e outros tais) com processos em tribunal por filmarem o que não lhes é permitido...
Com isto, surgiu na China uma espécie de vertente cinematográfica, iniciada por jovens realizadores que pretendem mudar o rumo das coisas com um novo tipo de filmes. Estes filmes são essencialmente documentários e feitos sem o consentimento do Estado Chinês. Penso que, se não estou em erro, são designados como "underground movies", ou "filmes obscuros", filmados à noite (para não serem descobertos pelas autoridades), pelas ruas e vielas mais recônditas da China, mostram aquilo que o Governo Chinês quer omitir ao resto do Mundo.
Curiosamente, quando estes realizadores têm sorte (quando não são apanhados e obrigados a pagar multas e a serem proíbidos de exercerem a profissão enquanto realizadores) e conseguem trazer para a Europa algum desses filmes, são estes mesmos filmes que recebem um sem-número de prémios, precisamente por aquilo que mostram. E isto acontece com alguma frequência.
Fique-se também a saber que, quando o Governo Chinês é avisado de que um certo e determinado filme oriundo desse país venceu uns quantos prémios nuns festivais de cinema Europeus, é esse mesmo Governo que faz de tudo o que puder para retirar o filme do mercado Europeu e levá-lo de volta para a China para os censurar e, muitas vezes, julgar o autor (se o conseguirem apanhar).
Graças às novas tecnologias, muitos desses autores do "obscuro", como não podem levar os filmes para uma sala de cinema, preferem deixá-los à mercê da internet e distribuem-nos gratuitamente só para serem ouvidos, nem que seja por um bocadinho...
Isto é de se ficar a pensar!
Salvem esses realizadores!
Quanto à menina do playback, eu talvez preferiria uma voz ao vivo em detrimento de uma cara bonita, mas para ser sincero, não me fez grande diferença! Até porque se eles não dissessem, ninguém se importava se aquilo tinha sido ou não playback...
Mais do que um mero "espectáculo artificial", a cerimónia de abertura foi um "espectáculo artificial" encenado pelo Zhang Yimou! Isto sim é importante. Foi um bailado de simetrias e de sensações.
Foi de um profissionalismo e pormenorização extremos.
Tão cedo não vamos ver um espectáculo tão bem concebido, técnica e esteticamente falando.
A propósito da "encenação" que aqui já tanto se discutiu (e até da Pixar se falou!), lembrei-me agora de um filme do Andrew Niccol, com o Al Pacino, chamado "S1m0ne". Pode não ser grande coisa, mas está relacionado com isto tudo. Fala de um realizador que engana tudo e todos, ao fazer um filme com uma actriz nunca antes vista e que deixa o público de boca aberta (por vários motivos). Vem-se a saber e a actriz não passava de um simples e ingénuo programa informático que iludiu meio mundo... Aqui está a mentira e a encenação que, apesar de tudo, não deixou de surpreender um público!
Artificial ou não, não é isso que se põe em causa. (Fica o filme como sugestão para quem não o viu)
Eu adorei o espectáculo, claro!
Grande Zhang Yimou!
E com isto, peço também as desculpas pela extensão... Foi sem querer!
Abraço.
Concordo contigo em cada sílaba. Essa mentalidade esquizofrênica que mencionas é a mesma que leva multidões anônimas e sem vontade própria a lincharem indivíduos inocentes e a fazerem tantas outras barbaridades sob a égide da justiça e movidos por "fantasmas" históricos já desbotados ou deslocados do seu verdadeiro lugar.
Excelente texto, meu caro Mr Movie. Tenho orgulho de te conhecer.
Beijo
m. mec. - Como sempre arguta. É um prazer esgrimar argumentos, bem o sabes.
h.magalhães - Atenção, Helder, o cinema chinês é, actualmente, dos melhores do mundo. E tenta competir com o americano até no plano do grande espectáculo.
Lori - o prazer é todo meu. Pena estares tão longe, senão o diálogo seria ainda mais frutuoso.
Quanto a isso estamos completamente de acordo, mas se para manter um estatuto elevado do seu cinema é
preciso reprimir e "clandestinizar" algumas boas obras, não sei se estou bem de acordo com a ideia... Mas isto já são divagações minhas... Ali, apenas referi o que ouvi no programa e que tinha total desconhecimento, tanto que, ainda me é um pouco dificil de acreditar em tanta censura.
E isto tudo a propósito de quê? Unicamente para sublinhar a ideia de que a China tem muitos outros problemas para se falar e não é nas críticas a um espectáculo tão perfeccionista como este que as más-línguas se vão sobrepor...
(Andei à procura e o programa que referi data de 13 de Janeiro de 2008. Está disponível para visualização online no site http://camaraclara.rtp.pt/ )
Um abraço,
HM
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