terça-feira, agosto 12, 2008

JOGOS OLIMPICOS, ABERTURA

PEQUIM, 2008
A cerimónia da abertura oficial dos Jogos Olímpicos de Pequim merece certamente alguma reflexão. A primeira, e seguramente uma conclusão óbvia para quem não for cego, é que se tratou de um espectáculo “único”, pela grandeza, pela beleza, pelo significado. Zhang Yimou o encenador deste espectáculo inesquecível, é um dos maiores cineastas vivos, o homem, que nos deu já algumas obras admiráveis, como “Milho Vermelho” (1987), “Esposas e Concubinas” (1991), “A História de Qiu Ju” (1992), “Viver” (1994), “A Tríade de Xangai” (1995), “O Caminho para Casa” (1999), “Nenhum a Menos” (1999), “Herói” (2002), “O Segredo dos Punhais Voadores” (2004), “Caminho Solitário” (2005) ou “A Maldição da Flor Dourada” (2006). Obras que repensam a história da China do século XX, que criticam asperamente a época da dita “Revolução Cultural”, mas que igualmente recuperam a tradição milenar de uma cultura e de uma civilização sui generis.
O seu trabalho, na noite do dia 8 de Agosto de 2008, em Pequim, foi uma demonstração notável de talento, imaginação, mestria técnica, sábia utilização da tecnologia ao serviço de uma ideia e do seu desenvolvimento e, sobretudo, de sensibilidade, de bom gosto, na articulação de aspectos culturais, históricos, poéticos num todo que se queria espectacular, mas onde os valores do “espectáculo” não sufocassem o requinte de certas minúcias de sabor muito oriental. Foi uma verdadeira lição de História da China, mas sobretudo uma lição da força de um povo, da sua história, da sua milenar sensibilidade.
Há uma assinatura óbvia por detrás deste espectáculo, que vai desde o início fulgurante de milhares de músicos e figurantes a evoluírem de forma síncrona até ao voo do atleta olímpico que dá uma volta ao estádio até acender a chama, segundo técnicas que são constantes em filmes seus, como por exemplo “O Segredo dos Punhais Voadores”. Há uma mais que visível marca de Zhang Yimou em todo este espectáculo que esperemos venha a ser editado em DVD para que o possamos desfrutar em toda a sua grandeza.
Ora bem, a orquestração de milhares de figurantes a funcionarem como um único elemento e a fazerem-se ouvir como uma única voz, não acredito que possa conseguir-se sem ter por detrás de si um estado autoritário, mesmo ditatorial. A China, na sua actual situação politica, é uma força emergente com uma capacidade de iniciativa espantosa, a fase de modernização por que passa é inegável e projecta-se a uma velocidade imparável. Mas não se deve esquecer que congrega em si algumas das virtudes de dois regimes, é certo, mas o pior dos defeitos de uma ditadura comunista e do capitalismo mais selvagem. Um espectáculo como o que vimos e nos deslumbrou a todos, ainda por cima imaginado e encenado por um dos mais destacados críticos de alguns aspectos mais gritantes do comunismo chinês, nunca seria possível numa sociedade onde o indivíduo fosse olhado como algo mais do que um número. O que não nos impede de achar esta realização humana brilhante (se não, que dizer das pirâmides ou das catedrais, para só citar dois exemplos?), mas não nos deve fazer esquecer o trabalho escravo e a exploração ignóbil que lhe estarão por detrás. Possivelmente não por detrás dos figurantes que ali vimos (e que se calhar correspondem a minorias privilegiadas do regime), mas seguramente por detrás dos milhões de operários que diariamente se vergam a um trabalho sem regalias nem pausas. Obviamente por detrás de uma total falta de liberdade de opinião (relembre-se Tiananmen!). Certamente na ausência de toda a liberdade política e religiosa (veja-se o caso do Tibete!) e sindical. Neste aspecto, não gostaria de ver os trabalhadores daqui com o ritmo de trabalho dos trabalhadores de lá. Gostaria de ver, sim, a reacção dos sindicatos daqui. Os mesmos que defendem o comunismo de lá. Enfim, questões de economia global que nada tem a ver com o bem-estar dos povos e com ideologias, mas sim com a defesa de prorrogativas individuais e de clãs, quer eles sejam de Ocidente ou Oriente, de capitalismo ou comunismo.
Mas há mais lições a retirar: será que alguns ocidentais como o presidente George W. Bush terão alguma credibilidade para falarem em “democracia” e “liberdades”? Não estarão eles ao mesmo nível do presidente chinês? Não estarão todos eles a defender posições conquistadas de poder económico? Não será tudo uma treta, essa coisa “das liberdades”, quando o que está realmente em causa não é nada mais do que petróleo, dólares e vias de passagem e escoamento? O que derrota e desilude qualquer bem intencionado que não esteja vendido a uma qualquer ideologia profundamente deturpada na prática pelo jogo do “capital”, é que existam tantos idiotas de um lado e do outro a tentarem defender o indefensável, a procurarem justificar agressões e guerras, terrorismos e boicotes assassinos quer venham de um lado ou do outro. É realmente terrível virarmo-nos para um lado e para o outro e não ver nada de seguro, de autêntico, a que nos agarrarmos. Agarremo-nos então ao que de belo a arte nos vai proporcionando e ao que faz ainda um certo orgulho dos povos: os chineses sentiram-se, sentem-se, sentir-se-ão orgulhosos e felizes do espectáculo que estão a oferecer ao mundo. Assim seja. Que as dores por que passam no seu dia a dia tenham alguma compensação de quando em vez, mesmo que essa compensação possa ser aproveitada politicamente pelo sistema. Na verdade, os Jogos Olímpicos podem ser uma boa altura para o regime ser empurrado para algumas reformas, o que será sempre louvável. De resto, o povo sofrerá menos quando se sentir orgulhoso de algo que seja genuinamente seu. Não acredito na teoria do quanto pior melhor que só tem dado (quase sempre) maus resultados ao longo da História. As revoluções sangrentas que depõem tiranos quase nunca fazem mais do que substituir uma ditadura por outra. Vejam-se os exemplos na História. Muitas transformações graduais, “reformistas”, dizem alguns em tom depreciativo, quase sempre acabam bem melhor. Vejam o caso português, uma reforma com um “empurrãozinho” que ajudou. Se os Jogos Olímpicos de 2008 forem um empurrãozinho para o povo chinês já não valeram apenas pelos “records” e as medalhas olímpicas.
( imagens retiradas do site oficial dos Jogos Olimpicos)













3 comentários:

Anónimo disse...

Olá!

Adorei a cerimónia de Abertura.

Um Espectáculo apesar do enorme tempo de produção.

Força Portugal!

Ana Paula Sena disse...

As imagens são realmente magníficas! Do pouco que vi, foi um grande espectáculo, grandioso e extraordinariamente bem concebido.
No entanto, em relação ao modo como tudo terá sido concretizado, tenho também grandes reservas...
Para além do prazer suscitado pelo espectáculo em si, trata-se igualmente de um momento que incita à reflexão sobre o passado e o futuro que se prepara... (que a China prepara...)

Gostei muito de ler esta excelente análise crítica! Obrigada :)

Menina Marota disse...

Quando se tem dinheiro consegue-se tudo e contratar os melhores não foi difícil... e nisso a China não falhou...

Peço desculpa de não ver de uma forma tão colorida este e outros acontecimentos pelo mundo fora... e não dar o protagonismo à excelência do trabalho apresentado, porque sabe... depois de ver tanta tragédia pelo mundo fora, este e outros acontecimentos não me dizem muito.

Isto é efémero, mas a fome, a guerra, as violações dos direitos humanos e animais são cada vez maiores, em todo o Mundo.

Um certo desencanto confesso, apropria-se de mim, quando vejo estes acontecimentos. A minha natural alegria já não se eleva com tanta naturalidade como uma criança. É que eu perdi a inocência… e este aparato não consegue apagar da minha memória muita coisa que acontece ainda na China e no Mundo.

Mas como sou uma apreciadora de imagens belas, tal como o sou de um bom filme, as imagens que aqui partilha, são efectivamente de uma grande beleza.

Um abraço carinhoso