segunda-feira, julho 06, 2009

FESTIVAL DE TEATRO DE ALMADA, 1

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AS CRIADAS, de Jean Genet
Abriu mais uma edição do magnífico Festival de Teatro de Almada (desta feita na sua 26ª edição), com uma encenação de Luc Bondy, da célebre peça de Jean Genet, “As Criadas”, numa produção da Volksbühne (em co-produção com Wiener Festwochen). Explique-se antes de mais que a Volksbühne am Rosa-Luxemburg-Platz é não só um espaço teatral, como uma companhia e uma escola de teatro. “Construído entre 1913 e 1914, o edifício da Volksbühne – literalmente: “teatro do povo”, situado na praça Rosa-Luxemburgo – veio responder aos anseios da associação Freie Volksbühne (Teatro do Povo Livre), a qual procurava, desde 1890, um espaço onde se praticasse um teatro pedagógico, mas de qualidade, para as classes trabalhadoras.”
A Volksbühne situa-se em Berlim Leste, no território alemão que até 1989 era conhecido por República Democrática Alemã. Foi sempre uma companhia de vanguarda, de teatro político, tendo sido dirigida por homens como Max Reinhardt ou Erwin Piscator, alguns dos nomes maiores do teatro alemão do século XX. Nos anos 70, Benno Besson, discípulo de Bertolt Brecht, marcou o seu rumo, mas desde 1992 é Frank Castorf, um encenador nascido em 1951, que a dirige e a transformou “numa das companhias mais inovadoras das artes performativas de hoje, atitude reflectida na atenção dada à música rock e pop e ao novo cinema e, ainda, na abertura à desconstrução assumida pela performance (inaugura mesmo uma nova sala em Berlim – o Prater –, extensão acentuadamente experimental da Volksbühne).”
“Les Bonnes”, editada em 1947, tem sido uma obra particularmente motivadora de encenações polémicas. Em Portugal, ficou lendária a ritualista encenação de Victor Garcia, apresentada em 1972, no Teatro Experimental de Cascais, com Eunice Muñoz, Glicínia Quartin e Lurdes Norberto. Trata-se de uma óbvia e metafórica abordagem da luta de classes, colocando Genet em cena duas criadas e uma “senhora” que exacerbam situações de interdependência classista. As criadas, na ausência da patroa, mimam o comportamento desta, desenvolvendo uma complexa relação de amor-ódio, que acaba por resultar numa tentativa de assassinato e/ou suicídio, que leva o espectador a interrogar-se sobre o que finalmente agita o mais íntimo de cada um de nós, na sua relação com o outro.
Uma leitura mais redutora poderá falar essencialmente da subterrânea luta do senhor e do escravo, numa sociedade estratificada em classes, mas esta versão de Luc Bondy é muito mais complexa, levando o caso do campo estritamente político para o psicanalítico, cruzando luta de classes com sexualidade, bondage, atracção e repulsa, e outras perspectivas. As criadas são irmãs, ambas afrontam a patroa, ambas se amam e se confrontam entre si, ambas se abraçam e chocam, ambas dominam e são dominadas. Com sofrimento e prazer, também.
Esta produção estreou em Junho de 2008, no Festival de Viena, com interpretações excepcionais de Edith Clever (Madame), Caroline Peters (Claire) e Sophie Rois (Solange). Edith Clever já a conhecia de filmes de Syberberg (de quem foi mulher), é uma das grandes divas do palco e do cinema alemães. Caroline Peters e Sophie Róis, não as conhecia e são duas admiráveis actrizes que povoam o drama de energia, ternura, vigor, ódio, amor, sensualidade durante duas intensas horas de representação fulgurante. Deve dizer-se que a cenografia de Bert Neumann é notável; muito bons e eficazes os figurinos de Tabea Braun; brilhante (e essencial à atmosfera criada) o desenho de luz de Dominique Bruguère. A encenação de Luc Bondy é particularmente interessante em vários aspectos. É de uma eficácia total, rigorosa, inventiva, intimamente brutal, mas irónica, sem procurar nunca chamar gratuitamente a atenção para qualquer efeito. Entrega o palco às actrizes e ao texto, e serve aquelas e este de forma exemplar. Um espectáculo perfeito, que ficará na memória dos espectadores, como ficou, no ano passado, a encenação de Peter Zadek, de Peer Gynt, pelo fantástico Berliner Ensemble.

1 comentário:

Ado disse...

Excelente momento de teatro! A tensão dessas relações entre criadas e madame e também entre irmãs foi trabalhada de uma forma que a tornava quase palpável. Impressionou-me particularmente a prestação da actriz que fazia de Solange - Sophie Rois.