sábado, dezembro 04, 2010

ENTREVISTA NO JORNAL "I"

:
LAURO ANTÓNIO:
"O cinema é como a maionese.
Umas vezes sai bem,
outras vezes não"
    

Foto de Nelson D'Aires
Sábado, 4 de Dezembro de 2010
Entrevista com Lauro António
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por Luís Leal Miranda

Com 50 anos de carreira, Lauro António é um dos maiores provadores de maionese. Assinala-se também os 30 anos de "Manhã Submersa" a sua maior investida no mundo dos molhos

Afastado da imprensa por vontade própria, o homem que Herman José deixou para a posteridade como Lauro Dérmio está reformado do ensino mas não deixou de ensinar cinema - através de workshops ou pequenos cursos. Quem quiser ler um dos mais antigos críticos portugueses pode fazê-lo no blogue "Lauro António Apresenta". Ali, continua a defesa do bom cinema mantendo o conselho do velho amigo Lauro Dérmio, "always watch good movies".

Os críticos de cinema são todos realizadores frustrados?

Nunca senti essa frustração. Escrever sobre cinema ajuda-me a compreender os filmes, a perceber o que gosto ou não de cinema - de certa maneira, foi a minha escola. Para além disso, sou do tempo de uma legião de cineastas que começaram por ser críticos como o Godard ou o Truffaut. Era um percurso normal daquela época: o João César Monteiro, o Fernando Lopes ou o António Pedro Vasconcelos começaram como críticos.

Quando estreou "Manhã Submersa", como foi mudar para o outro lado da trincheira?

O "Manhã Submersa" não foi muito criticado porque estreou primeiro em Cannes, onde foi muito bem recebido - e cá em Portugal gosta-se muito do que é bom lá fora. No filme seguinte já levei pancada de meia noite.

E como lidava com isso?

Às vezes é doloroso, quando se sente que é injusto. Mas é uma sensação engraçada. Fiz um filme chamado "Vestido de Cor de Fogo" que não foi tão bem recebido assim. Na altura fiquei magoado mas agora vejo que nem tudo correu bem ali. O cinema é um pouco como uma maionese: nós metemos para lá todos os ingredientes, juntamos aquilo tudo da mesma maneira e às vezes sai bem outras vezes não. Nunca sai da mesma maneira. Hoje ao ver "Manhã Submersa" reconheço que é melhor que o "Vestido Cor de Fogo", mas fi-lo com o mesmo entusiasmo.

Nunca teve problemas por dizer mal de realizadores portugueses?

Uma vez, ainda durante o Estado Novo, disse mal de um realizador - não vou dizer o nome - que me meteu em sarilhos. Era um tipo de quem até gostava mas um dia fez um filme com uma lente caríssima, daquelas polifacetadas, e filmou uma história que era só aviões a passar. Acusei-o de novo riquismo num texto e ele pôs-me em tribunal por difamação. Para além disso disse que era um perigoso comunista e tinha propaganda em casa. Estava na tropa quando apareceu a PIDE em casa e me revirou aquilo tudo à procura de panfletos. Estiveram lá um dia todo a vasculhar, a ver com muita atenção livros de autores que parecessem russos.

E como terminou esse caso?

Fui a tribunal com uma série de testemunhas, outros críticos, realizadores, para me defenderem. Nesse dia ele não apareceu - pôs um atestado de doença ou qualquer coisa do género. A data do julgamento seguinte era 25 de Abril de 1974. Não houve julgamento, como é óbvio. No dia seguinte vou ao tribunal e descubro que ele me tinha perdoado.

Mesmo depois desse caso, nunca teve um cuidado especial em criticar filmes portugueses?

Não, nada disso. Sempre tive cuidado em relação a todos os filmes porque também os faço. Às vezes até posso ser mais acintoso, mas tenho o cuidado de pensar "se eu lesse isto, o que sentiria?". Mas ainda assim desanco de alto a baixo em coisas horríveis que têm aparecido por aí: o "Second Life", o "Crime do Padre Amaro", o "Amália" que são abaixo de cão. Mas não é por serem portugueses, é pelo desprezo tão grande que têm pelo espectador.

Lembra-se de quando começou a interessar-se por cinema?

Praticamente desde que me conheço. Lembro-me de ser muito miúdo, com dois, três anos, ir ao cinema com os meus pais e ficar ao colo deles tardes inteiras. Nasci em Lisboa mas fui para Portalegre novo porque o meu pai era professor e foi colocado. Tinha uns 12 anos quando comecei a escrever pequenos textos sobre cinema.

Eram sobre o quê?

A maior parte das vezes eram declarações de amor a actrizes como Audrey Hepburn; também gostava muito da Sarita Montiel, uma actriz espanhola de musicais. Quando voltei a Lisboa comecei a escrever mais a sério nos jornais, mas nada disso era pago. Só comecei a receber quando fui para uma revista chamada "TV Guia".

Foi aí que começaram os problemas com a censura.

Fui corrido por causa de uma crítica que escrevi sobre um filme do [actor italiano] Totó, veja lá, "Polícias e Ladrões". O filme tinha umas referências sociais grandes que eu descrevi; e nisto um leitor escreveu para a revista a dizer que eu era um perigoso comunista. Lá fui chamado pelo chefe de redacção - isto era o início dos anos 60 - que me mandou embora.

Mas voltou à carga.

Em 1968 comecei a escrever no "Diário de Lisboa", isto numa altura em que os jornais não tinham crítica de cinema diária. Havia só uns senhores, uns jornalistas velhotes da casa, que andavam de cinema em cinema a sacar os programas. Os papéis tinham uns resumos do guião e eles retiravam isso para pôr no jornal. Entretanto o Eduardo Prado Coelho e eu fizemos uma proposta ao "Diário de Lisboa" para começar a escrever crítica diária.

Escreviam todos os dias?

Todos os dias, de uma maneira um bocado eufórica. Via o filme, ia para casa a correr, deixava a namorada pendurada enquanto fazia a crítica e depois deixava o texto pregado na porta com um pionés. De madrugada lá ia alguém do jornal buscar o texto.

Era fácil dizer mal?

Sim, até ao dia em que a associação que agrupava os cinemas escreveu uma carta a dizer: "Se esses senhores continuam a escrever aí nós retiramos a publicidade." Mas os tipos do "Diário de Lisboa" não se ficaram e em vez de aceitar a ameaça publicaram a carta na capa, acusando a associação dos cinema de tentativa de censura.

Consequência?

A imprensa transformou-nos em heróis nacionais. Depois de uma semana com este assunto na berlinda a ameaça foi retirada. Mais tarde outros jornais viriam a ter críticos de cinema todos os dias. Mas fomos os pioneiros a fazer crítica diária.

Tinham um poder enorme nessa altura. Não é verdade?

Sim, e vou dar-lhe um exemplo. Certa semana o Berna estreia um filme chamado "Soldado Azul" , uma história de um massacre de índios na América. Ora isto aconteceu durante a guerra do Vietname e o filme era uma alegoria a isso mesmo, um facto que veladamente eu descrevi na minha crítica. O filme não estava a ter muito sucesso mas de repente disparou. Nisto eu passo um dia pelo cinema e o porteiro vem falar comigo. Diz "oiça lá o senhor fez cá uma revolução, isto está cheio de gente com o ''Diário de Lisboa'' debaixo do braço para ver o seu filme sobre o Vietname". Lembro-me que passado uns tempos chega um filme do Arthur Penn chamado o "Pequeno Grande Homem" que era para ser estreado no Monumental e não aparece em sala. Nisto o distribuidor foi informado que o filme foi à censura e foi cortado - um filme de cowboys de aventuras, sem nada de político. O homem vai tentar saber o que se passou e descobre que lhe proibiram o filme porque, sim senhor, era um filme de cowboys, mas depois vinha o Lauro António dizer que era do Vietname e estava tudo lixado.

2 comentários:

Anónimo disse...

Olá, Dr. Lauro António
O Famafest morreu? Diga que é mentira o que li no orçamento municipal de Famalicão para 2011. Não haverá Famafest em 2011.
O Famafest passará a realizar-se de dois em dois anos. Como é que isto é possível? Como é que tiveram a coragem de sufocar até à morte um festival promissor, que tinha tudo para ser uma bandeira da cultura famalicense? Estou parvo da minha vida!!!

Abraço

Carlos Arménio de Vasoncellos
Vila Nova de Famalicão

Luis Eme disse...

aprende-se sempre a ler as suas palavras...