ESTENDENDO O TAPETE VERMELHO
À MAIORIA LARANJA
E OUTROS APONTAMENTOS POLÍTICOS
Agora que se comemoram os 30 anos sobre a trágica morte de Sá Carneiro, o seu sonho político parece concretrizar-se: um presidente, um governo, uma maioria.
Pelo andar da carruagem, alguém tem dúvidas de que Cavaco Silva seja reeleito Presidente? Com quatro adversários, dois dos quais a brincar, todos a darem tareia no candidato da direita e a fazerem dele a vítima necessária, e alguns deles sem qualquer prestígio para o desafiarem, que esperam? Mas há mais: a proliferação de candidatos só mostra a divisão e a ineficácia desta votação. Muito votante se interroga: valerá a pena votar, quando a decisão já é conhecida?
A reeleição de um Presidente tem estado quase sempre garantida. Esta chegou a tremer quando se descobriu “escutas” no gabinete do futuro candidato. No afã de derrotarem o PS, que cometeu muitos erros, mas não tantos como os que se lhe apontam, CDS, PSD, BE, PCP juntaram-se para conseguirem o resultado esperado: vitória de Cavaco, dissolução da Assembleia, eleições com uma nova AD a triunfar em toda a linha. Nunca uma Frente Comum foi tão unida. A ver vamos o que o eleitorado dirá daqui a dois anos. Qual o grau de contentamento de certos sindicalistas, de milhares de professores, do funcionalismo público, do Serviço Nacional de Saúde, e por aí fora.
Não percebo como se pode ser tão cego que não se veja certas coisas que estão a acontecer no mundo (e que objectivamente se reflectem no nosso país). A saber: a crise que hoje o mundo atravessa não tem a ver com países isolados ou melhores ou piores governos (estes podem agravar ou atenuar a crise, nada mais). A crise é um fenómeno conjuntural global. O PCP tem razão em acusar o capitalismo de estar na origem desta crise. Mas perde toda a razão quando deliberadamente se esquece que um dos principais países capitalistas do mundo é a China.
Na verdade, foi a vergonhosa avidez dos capitalistas que se entretiveram a multiplicar dinheiro virtual e a brincar aos monopólios com o capital dos depositantes que provocou esta crise que nos afunda a todos. Já tinha sido assim em 1929. Já se sabe que o capital não tem sentimentos. O que se pode estranhar é que um país dito “comunista” entregue a sua massa de trabalhadores quase a custo zero e em condições de perfeita escravatura às multinacionais para ali produzirem muito mais barato o que nos países ditos industrializados (Europa, América, Canadá, Japão e poucos mais) fica obviamente mais caro, dadas as conquistas sociais de que dispõem os seus trabalhadores.
Por isso o desemprego sobe em flecha na Europa e nos EUA, acompanhando a subida em flecha dos lucros das multinacionais e dos bancos. Os trabalhadores portugueses, para dar um exemplo próximo, julgavam ter adquirido “certas regalias sociais” quando as conquistaram aos capitalistas ocidentais. Esqueceram-se que havia o outrora “terceiro mundo” e que este passou a chamar-se, nalguns casos, “economias emergentes”. China, Índia, países árabes, alguns centros em África, vários países da América Latina. Esqueceram-se que muitos povos se iriam revoltar contra essa condição de colonizados, mesmo depois de oficialmente descolonizados.
E a revolta surgiu, mas infelizmente quem a comandou não foram os descamisados, mas o capitalismo “emergente” nesses territórios que se aliou ao já antigo capitalismo para dividir em partes mais equitativas o bolo. Alguém mais beneficiou com esta troca? Uma certa burguesia burocrata e tecnocrata que prolifera na China, na Índia, e mais ninguém. Os trabalhadores da China e da Índia não lucram com o facto dos camaradas da Europa e da classe média portuguesa apertarem o cinto. Estamos a apertar o cinto para os comilões do costume, mais os que recentemente se vieram sentar à mesa, para desfrutarem de mais regalias.
A luta é, pois, contra o capitalismo selvagem que não olha a meios para alcançar os fins. Acontece que não há só um capitalismo “de direita”. Há também capitalistas ditos “de esquerda”, que é preciso igualmente combater. A exploração do homem pelo homem, que às vezes roça um servilismo feudal e abjecto, é essa que tem de ser contrariada. À direita ou à esquerda, que neste caso as etiquetas não querem dizer nada: eles andam todos misturados atrás do lucro fácil. As multinacionais, como o próprio nome anuncia, não têm nação, nem rosto humano.
Teria todo o gosto em perder parte das minhas (curtas, diga-se) regalias, se isso fosse impedir que alguém morresse à fome na China ou em África. Mas para engordar mais o capitalista americano sentado à mesma mesa com o capitalista chinês, não, obrigado.
O que nos leva a outro tema "momentoso": a actividade da Wikileaks, que julgo particularmente relevante, ao denunciar não tanto as adjectivações diplomáticas, como as corrupções escondidas. Acontece que, ao acusar certos países democráticos, a Leakpedia está igualmente a elogiá-los: afinal consegue-se penetrar nas suas engrenagens, o que não acontece com os países que vivem em monarquia absolutista ou em ditadura. Nem China, nem alguns países árabes ou africanos, nem Cuba (para citar alguns apenas) têm visto as suas malas diplomáticas devassadas. Segurança de sistemas nesses países ou parcialidade na difusão do material apreendido por parte da Wikileaks? Neste dilema, a primeira conclusão é grave, a segunda gravíssima. A liberdade de expressão tem de ser defendida, mas a honestidade de processos também.
Sem comentários:
Enviar um comentário