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O PRISIONEIRO DA SEGUNDA AVENIDA
ESTREOU EM CAMPOLIDE
E pronto. Aconteceu. Estrearam. Obviamente que estive na estreia, e gostei. Podem dizer: pudera, a mulher traduz, o filho encena, a nora interpreta e ainda andam por lá amigos. Pois é verdade, mas acho que consigo ser imparcial.
Não tinha visto nada até à estreia. Conhecia Neil Simon, com ele me estreei eu no teatro, como assistente de encenação do saudoso Artur Ramos, numa peça chamada “A Guerra do Espanador” (The Odd Couple), com um elenco de luxo, Raul Solnado, Armando Cortez, Barroso Lopes, e alguns mais. Neil Simon é um dramaturgo excelente, misturando humor, crítica social, dramatismo, e sabendo muito bem, sobretudo, penetrar na alma humana. É um bom retratista da América, e isso mesmo se pode ver nesta comédia amarga que se estreou no Sport Lisboa e Campolide, “O Prisioneiro da Segunda Avenida”. Onde se fala de crise nos EUA, de desemprego e de desespero, de corrupção e gatunagem, e daquelas coisas todas do costume que normalmente acompanham as crises, depois de as provocarem. A peça é de 1971, o que prova que as crises existem há muito (mas algumas são mais profundas que outras) e deu um filme quatro anos depois, relativamente interessante, assinado por Melvin Frank, com excelentes desempenhos de Jack Lemmon e Anne Bancroft. Lembro-me que se estreou no desaparecido Berna, e que o fui ver na estreia, ainda como crítico de cinema diário, na companhia do meu pai. Acho que foi a última vez que fui ao cinema sozinho com o meu pai. Ficou registada a efeméride.
Agora, a peça estreia, com muito boa tradução de Maria Eduarda Colares, e uma inventiva encenação. Mas convém contextualizar: Sport Lisboa e Campolide não tem uma sala de teatro, tem um ginásio com piso de cimento, onde a marcha do bairro ensaia. O Frederico andou por lá a fazer um filme sobre a marcha deste ano e afeiçoou-se ao bairro e às pessoas. O inverso também parece ter acontecido e lá veio a ideia de transformar o ginásio num palco, com cadeiras a circular a cena e a casa de Mel e Edna a ser invadida diariamente por oitenta turistas que pagam 5 euros para ver as desgraças do casal em momento de crise. Ele foi despedido, não sabe como o dizer à mulher, e entra em depressão. Com 51 anos, não consegue emprego (pelo ordenado que lhe pagavam arranjam 2 de 25 a quem pagam metade) e acaba por ser Edna a ir ao combate e arranjar emprego, onde tem a mesma desdita e entra em depressão. Mas nem tudo acaba mal, descansem.
A companhia não teve um tuste de subsídio, arranjou-se com a prata da casa e a prata da casa dos amigos, improvisou sistemas cénicos, pintou o chão, limpou varreu e depois de duas semanas de intensos ensaios, estreou. Temia o pior. Puro amadorismo amarrado por cordas e boa vontade. Nada disso. Não é seguramente um espectáculo genial, mas é obra recomendável e afaga o ego de quem a ele se entregou de alma e coração (não tinham mesmo mais nada para entregar, que por ali, logo se vê, são todos pindéricos). Mas também há talento. E muito. Isso descobre-se à primeira vista, mesmo por baixo das imperfeições.
A encenação e a forma de resolver o espaço disponível, da responsabilidade de Frederico Corado, é muito meritória, tem coisas muito boas, vê-se que com outros meios, outro galo cantaria. Mas este já acorda de madrugada com um bom som.
Paulo César, que conhecia, sobretudo, da revista, aguenta bem a composição de Mel, Nuanceado, podia, aqui e ali, ser um pouco mais comedido (nomeadamente no início do segundo acto), mas globalmente resulta bem. Cátia Garcia, a Edna, consegue disfarçar a sua juventude para este papel e tem bonitos momentos de entrega e de interioridade. Carlos Martins tem ainda um pequeno trabalho.
Com tão poucos meios e tão rudimentares, pode dizer-se que “O Prisioneiro da Segunda Avenida” ultrapassa em muito as expectativas e aí está a desafiar uma visita. Vai ver que se sente bem, sentado no interior da sala de estar de Mel e Edna, a saborear com humor e alguma amargura os dramas e os banhos de água fria deste casal que depositou grandes esperanças na “american way of life” e… ficou um pouco baralhado com o resultado. Mas talvez o campo de férias resulte e se safem. Como a companhia. Boa sorte para todos.
Para mais informações veja no FB em “O Prisioneiro da Segunda Avenida”.