PLANO NACIONAL DE CINEMA:
UM INÉDITO EM REPOSIÇÃO
Os
jornais de hoje anunciam com grande ênfase a criação de um Plano Nacional de
Cinema, apresentado em Lisboa, na passada sexta-feira, e que vai arrancar numa
primeira fase em 23 escolas de todo o país. A ideia é boa, mas já tinha sido
concretizada há muitos anos atrás, na época em que o Eng. Roberto Carneiro foi
Ministro da Educação e me havia confiado a direcção de um grupo de trabalho
para a introdução do Cinema e do Audiovisual no Ensino. Estávamos em 1991, a concretização do
projecto durou somente ano e meio, porque o ministro entretanto mudou e, com a chegada
de Manuela Ferreira Leite a esse ministério, tudo se alterou, abortando por
completo esta iniciativa.
Ora
se esta nova acção não é inédita, deve pelo menos ser saudada, nesta “reposição”
de 2012. Com algumas ressalvas: uma das condições que então coloquei ao Senhor
Ministro Roberto Carneiro para aceitar presidir ao grupo de trabalho, foi que a
iniciativa não se restringisse a algumas “escolas piloto”. Sou totalmente
contra iniciativas elitistas, que não pretendem mais nada do que mostrar que em
Portugal também existe o que na realidade não existe. 23 escolas em todo o país
é simplesmente ridículo. É mandar areia para os olhos dos desprevenidos. Depois
enviar uns quantos DVDs para estas escolas e esperar que professores e alunos
estejam preparados para os aproveitar é algo que só muito remotamente funciona,
e sempre na perspectiva de existir nessas escola uma alma caridosa que goste de
cinema e saiba aproveitar a dádiva. No tempo de Roberto Caneiro, cada um dos 24
filmes postos à disposição em VHS (ainda não existiam DVDs) eram acompanhados
por brochuras informativas, críticas, pedagógicas. Foram enviadas, anexadas aos
VHS, para 500 escolas do País (as que estavam apetrechadas com material técnico
e humano para poderem aproveitar o que lhes era oferecido), e lançadas acções
de formação para professores, no Continente (em Tróia), na Madeira e nos
Açores, como forma de os familiarizar com as ferramentas que eram postas ao seu
dispor.
Tempos
depois apresentei uma comunicação sobre esta iniciativa, durante os "Encontros
de Cinema", na Sala de Estudos Cinematográficos da Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra, texto incluído posteriormente no meu livro “Memória
das Sombras”, que passo a transcrever. A iniciativa mereceu, igualmente, em
1996, uma chamada ao “Forum du Cinéma Européen”, durante as “Journées du Cinéma
de l'Union Européene”, em Estrasburgo, onde expus o que então tinha sido feio
em Portugal. Essa apresentação segue em anexo, transcrita do mesmo livro.
CINEMA
E AUDIOVISUAL EM PORTUGAL: QUE FORMAÇÃO?
Quando
se fala de Formação ao nível do Cinema e do Audiovisual, é importante
distinguir duas vertentes e ambas absolutamente indispensáveis e urgentes: a
mais óbvia é a que procura a Formação de quadros técnicos, que vão desde o
realizador ou o argumentista até ao electricista ou ao director de fotografia,
do produtor ou da anotadora até ao director de som ou ao montador. Mas existe
um outro tipo de Formação, não tão evidente, mas igulamente imperiosa: a
Formação do público em geral. Se do primeiro desses vectores de Formação parece
não existirem dúvidas quanto à sua necessidade, já o mesmo se não dirá em
relação ao segundo.
Não
sei se será por se sentir efectivamente a necessidade de existir um Cinema
Nacional e um Audiovisual Português, a verdade é que existem em Portugal uma
Escola Superior de Cinema em Lisboa, um Curso Superior de Tecnologia da
Comunicação Audiovisual, no Porto, e ainda, em várias cidades portuguesas,
algumas Escolas Secundárias Especializadas de Ensino Artístico, consideradas
técnico profissionais, como a António Arroio e a Soares dos Reis. Universidades
e escolas privadas têm aparecido igualmente a oferecer Cursos nestas áreas,
como os recém criados Cursos de Cinema em 16 e 35 mm, Televisão, Cinema de
Animação e Criação e Produção de Publicidade, promovidos pela Universidade
Moderna, ou os Cursos Profissionais da ETIC, entre outras... É evidente que,
tanto para governantes, como para particulares, estes Cursos são não só úteis,
como rentáveis, basta ver o montante das propinas exigidas. De outra maneira
não se perceberia tamanho interesse na sua criação e proliferação. É evidente
que é necessário abastecer o mercado dos quatro canais de televisão, das
produtoras particulares, das empresas de publicidade, dos produtores de Cinema,
dos departamentos de audiovisuais de escolas e municípios, de empresas em geral
e do marketing político em particular. Mas será que o mercado comporta tamanha
oferta? E será que essa oferta preenche os requisitos básicos mínimos exigíveis
para um bom desempenho futuro? Muitas são as dúvidas que este surto de formação
especializada nos coloca. Mas uma realidade ressalta: há efectivamente muita
oferta nesta área específica.
Já
o mesmo não se dirá da formação do cidadão em termos de fruidor do fenómeno Cinematográfico
em particular, e Audiovisual em geral. Se hoje em dia é impensável não ensinar
todo o cidadão português a ler e escrever, não para fazer de todos eles
escritores da estirpe de Camilo, Eça, Vergílio Ferreira ou Agustina, mas apenas
para lhes possibilitar o prazer futuro de usufruir da sua leitura, em relação
ao Audiovisual quase nada se fez, e muito menos se faz.
Com
esse sentido específico, e a nível do administração central, conheço apenas uma
iniciativa, à qual estive ligado, no tempo do então Ministro da Educação, Eng.
Roberto Carneiro, e do seu Secretário de Estado da Reforma Educativa, Dr. Pedro
D'Orey da Cunha. Em princípios de 1991, iniciou-se uma acção tendente a
implantar o ensino do Cinema e do Audiovisual a todos os níveis do ensino em
Portugal. Não se pode dizer que antes desta iniciativa não tivessem existido já
no nosso País vários esboços de sensibilização para o Cinema e o Audiovisual. A
todos os níveis do ensino, desde o primeiro ciclo do Básico até ao Secundário,
mesmo até nas Universidades, vários esforços se empreenderam, quase sempre
movidos pela carolice de apaixonados professores cinéfilos que procuravam
transmitir aos alunos o seu amor pela chamada "Sétima Arte". Mas a
verdade é que a vontade política que desencadeasse um esforço central,
sistemático, coerente e organizado para integrar o Cinema e o Audiovisual no
plano curricular do ensino português nunca tinha sido observada com a mesma
ambição.
Professores
do Ensino Básico e do Secundário mostrando filmes "históricos" para
melhor esclarecer aspectos da disciplina de História que leccionavam, são …às
centenas os exemplos que o passado recente encerra. O mesmo se poderá dizer de
professores de Português ou de Literatura Portuguesa que se serviam de
adaptações cinematográficas de obras literárias para melhor sublinharem
questões literárias ou até linguísticas. Muitas vezes fui convidado para
acompanhar a "Manhã Submersa" por essas escolas do País, algumas delas com a saudosa presença de
Vergílio Ferreira a meu lado, para, cada um de per si, falarmos da experiência
comum. E quantos professores de Música não se serviram de "Amadeus"
para abordar o fenómeno da criação artística musical? E quantos professores não
mostraram "A Floresta Esmeralda" para mobilizar os seus alunos para
discussões sobre ecologia e defesa do ambiente?
Os
exemplos podiam multiplicar-se, recolhidos desde as camadas mais jovens aos
alunos universitários, desde os desenhos animados de Walt Disney, eleitos para
justificar reflexões sobre certos temas inscritos nos contos de fadas, até
obras de uma maior complexidade, apresentadas como testemunhos de uma
determinada cultura nacional ou regional. Estariam estas iniciativas erradas?
Muito pelo contrário. Um dos fascínios do Cinema é a multiplicidade de leituras
que cada obra pode ter e o aproveitamento interdisciplinar de qualquer filme é
não só legítimo como desejável, demonstrando que a Arte não existe isolada, mas
indissociavelmente ligada a tudo. Mas, e o Cinema? Muito raros terão sido os
professores que se preocuparam em mostrar filmes aos seus alunos com a única
ambição de lhes falar de Cinema, da sua linguagem específica, da sua história,
dos aspectos estéticos, éticos, sociológicos, económicos, industriais ou
técnicos que o próprio Cinema (e o Audiovisual, por extensão) coloca.
E
se falarmos do Cinema e do Audiovisual como meros auxiliares de ensino, sem se
recorrer já a obras de ficção, mas sim ao documentário e à série educativa,
então muito haveria a referir. Praticamente desde os anos 60 que esta prática
se desenvolve entre nós com alguma sequência lógica, através de organismos
estatais, como o IMAVE e o posterior ITE (Instituto de Tecnologia Educativa), a
Direcção Geral de Educação de Adultos, a Tele-Escola e a subsequente EEBM
(Estrutura do Ensino Básico Mediatizado), a Universidade Aberta, entre muitos
outros. Ensinar Biologia ou Zoologia, História ou Literatura servindo-se de
apoios audiovisuais não será ainda hoje uma prática corrente em todas as nossas
escolas, mas é, mesmo assim, algo de absolutamente normal. No entanto, vários
estudos que recorrem a elementos estatísticos, efectuados recentemente,
nalgumas regiões portuguesas, nomeadamene como consequência de trabalhos de
mestrado a que tive acesso, mostram que afinal são muito menos do que seria de
supor as escolas e os professores que utilizaram sistematicamente o audiovisual
no ensino. Mas, mesmo assim, essa prática existe e assume já uma certa
importância, ainda que muito menor do que aquela que efectivamente deveria pressupor.
Mas,
e a formação destinada especificamente ao ensino do Cinema e do Audiovisual?
A
primeira intenção desse esforço desenvolvido nos anos de Roberto Carneiro à
frente do Ministério da Educação foi chamar a atenção para o Cinema e o
Audiovisual, não como meios privilegiados para difundir conhecimentos, mas como
meta de conhecimento a atingir. Ou seja: o Cinema e o Audiovisual não podem
continuar a ser usados unicamente como meios transmissores de conhecimentos,
mas têm de ser olhados como meios de expressão que necessitam de ser ensinados
e aprendidos como se ensina e aprende a ler um romance, uma sinfonia ou um
quadro. Há que sublinhar devidamente este aspecto que julgamos ser o elemento
decisivamente novo nessa iniciativa que presentemente se encontra mais ou menos
esquecida.
Numa
época em que a informação é essencial ao conhecimento e em que este se assume
como o cerne de toda a estrutura das sociedades modernas, numa época em que
quase toda a informação se transmite por
meios audiovisuais, é absolutamente imprescindível incentivar o ensino do
Audiovisual para se terem artistas e técnicos cada vez mais competentes, mas
sobretudo para se poder ter "consumidores de imagens e de sons" cada
vez mais atentos, mais críticos, mais
despertos para as informações que lhes chegam de todo o lado.
Em
plena década de 90 parece-nos desnecessário enfatizar a importância crescente
do Cinema e do Audiovisual nos mais variados domínios da vida moderna. A imagem
impôs-se como meio de comunicação por excelência a todos os níveis do
quotidiano e escusado será justificar com exemplos esta verificaçãoo que cada
um pode retirar por si próprio, olhando à sua volta. Uma recente obra de Alvin
Toffler, "Os Novos Poderes", apenas vem sistematizar o que já se
suspeitava: o conhecimento é o novo poder que rege as sociedades, e o
conhecimento adquire-se hoje em dia sobretudo através de meios audiovisuais.
Numa sociedade assim organizada, com natural propensão para absolutizar esta
tendência, é indispensável preparar os jovens, não para um futuro que se
adivinha, mas para um presente que se consolida hora a hora.
Se,
porém, a imagem impera no nosso quotidiano, a verdade é que muito poucos
estarão aptos a absorvê-la em todos os seus significados. Tal como a palavra
escrita, a imagem necessita de ser decifrada, descodificada, analisada,
compreendida, para melhor se poder retirar dela toda a mensagem, para melhor
usufruir o seu prazer, para melhor nos precavermos contra as suas ciladas. É
urgente exercitar os jovens no seu manuseamento. Nenhum outro local será, à partida, mais indicado
do que a Escola.
Curiosamente,
porém, quando se fala de ensino do Cinema e do Audiovisual, no que hoje em dia
se pensa de imediato é no ensino tecnológico - colocar nas mãos dos jovens
câmaras de video e partir com eles "à descoberta do mundo". Esta
tendência é também ela preocupante. Por várias razões. A primeira das quais
porque se deixa pressupor que a linguagem Audiovisual não tem segredos, que
cada um é senhor de filmar e gravar imagens e sons a seu belo prazer, sem uma
assimilação gradual que a aprendizagem e a exercitação da sensibilidade
pressupõem. O resultado dessas experiências balbuciantes e desconexas, em lugar
de entusiasmar os utentes, abrem-lhes as mais negras perspectivas, e não raro
criam as mais traumáticas frustrações.
Pouco
importa saber carregar nos botões da câmara se não se sabe orientar a
objectiva. Pode ser particularmente contraproducente colocar câmaras de vídeo
nas mãos de quem nada mais sabe do que captar imagens. Se a escrita literária
pressupõe um tempo de aprendizagem e de experimentação ao nível do consumo da
obra literária, é inconsciência manifesta ignorar-se toda a aprendizagem de uma
linguagem, de uma história, de uma estética ligadas ao Cinema e ao Audiovisual.
A
orientação a adoptar por quem de direito, neste caso pelo Ministério da
Educação deveria, portanto, não descuidar a formação de técnicos e de artistas
competentes e inspirados, mas estar atento sobretudo a uma sensibilização
genérica para os valores veículados pelo Cinema e o Audiovisual, preparando o
aluno para ser, primeiramente um bom espectador, exigente e crítico, e depois,
se for caso disso, fornecer-lhe as possibilidades para ele dar o salto qualitativo para a área da criatividade.
Julgo
neste caso ser interessante recordar o que se tentou realizar nessa época no
ministério de Roberto Carneiro, quando este formou um grupo especialmente
vocacionado para estudar e implementar o ensino do Cinema e do Audiovisual a
todos os níveis do ensino português.
Tendo
em conta a estrutura da Reforma Educativa, sobretudo no referente ao Ensino
Artístico, e sabendo-se da impossibilidade de, de um momento para o outro, se
implementar o estudo do Cinema e do Audiovisual a todos os níveis do ensino,
elegeu-se uma fórmula julgada realista, progressiva e harmoniosa, que
permitisse rentabilizar os recursos existentes por forma a, de ano para ano, se
optimizar esta experiência. Assim, seleccionou-se como área preferêncial imediata, beneficiada desde
o primeiro ano (1991), os 2º e 3º ciclos do Ensino Básico. Nada se procurou
fazer de forma desarticulada e irresponsável. Com o apoio da Direcção Geral do
Ensino Básico e Secundário (DGEBS), do Gabinete de Educação Tecnológica,
Artística e Profissional (GETAP), da Direcção Geral da Extensão Educativa, do
Instituto de Inovação Educacional e da própria Secretaria de Estado da Reforma
Educativa tentou primeiramente estabelecer-se um mapa de recursos das escolas
portuguesas.
Enviou-se
um inquérito a todas elas, procurando saber quais os estabelecimentos de ensino
apetrechados com televisões e vídeos e que, além disso, possuíssem nos seus
quadros professores interessados em dinamizar uma experiência como aquela de
que se anunciavam os contornos. As respostas, trabalhadas estatisticamente,
concluiram que, de um total de pouco mais de mil escolas, em Portugal
Continental, Madeira e Açores, cerca de
quinhentas estavam aptas e interessadas em aderir ao projecto. Foi em função
desse número que posteriormente se pensaram todas as acções subsequentes. Se
nem toda a população estudantil estava abrangida, conseguira-se no entanto fugir
à tentação de criar "escolas-pilotos" que permitem afirmar que certas
reformas se instituiram no tecido educativo português, sem que todavia elas
ultrapassem o âmbito de meia dúzia de eleitos bafejados pela sorte. Com a
solução encontrada, estava em princípio assegurada a integral rentabilização
dos meios utilizados e, simultaneamente, esconjurado o perigo de experiências
laboratoriais mais ou menos inconsequentes.
Por isso nos parece louvável que o primeiro
esforço do Ministério da Educação se tenha orientado para os 2º e 3º ciclos do
Ensino Básico, virando-se essencialmente para uma sensibilização, não elitista,
mas verdadeiramente democrática, da quase totalidade dos jovens que frequentam
aqueles níveis pedagógicos, e cujas idades vão dos 10 aos 14 ou 15 anos,
período particularmente importante para a criação e uma boa receptividade para
com um outro Audiovisual e um Cinema diferente daquele que acriticamente
consomem no seu dia a dia, através das poucas salas de Cinema que restam no
parque cinematográfico nacional, dos écrans da televisão, ou ainda, e
sobretudo, da gravosa situação de aluguer de videocassetes com filmes
pré-gravados numa rede de video-clubes que propõe, na sua generalidade,
produtos da pior qualidade, de fácil apelo à violência e ao sexo, que negam
qualquer esforço de inteligência e anulam a sensibilidade e os valores.
Através
da edição em cassete vídeo de um conjunto representativo de filmes que ocupam
um lugar de relevo na história da cinematografia mundial, filmes esses
acompanhados de monografias especialmente concebidas por críticos cinematográficos portugueses,
pretendeu-se sobretudo criar o gosto pelo bom Cinema, introduzir noções de
linguagem e de estética cinematográfica, abordar alguns aspectos da história do
Cinema mundial e problematizar uma realidade complexa que era quase totalmente
ignorada até então pelos poderes públicos.
Numa
primeira fase, que se estendeu de Maio de 1991 até aos primeiros dias de 1992,
dezoito títulos foram distribuídos pelas escolas, sendo talvez interessante
enunciá-los e retirar algumas ilações da sua escolha (já que as razões da mesma
nos parecem particularmente evidentes).
Foram
eles:
1. A CANÇÃO DE LISBOA, de Cottinelli Telmo;
2.
SERENATA A CHUVA, de Gene Kelly e
Stanley Donen;
3.
ADEUS,RAPAZES, de Louis Malle;
4. A DESAPARECIDA, de John Ford;
5.
2001,UMA ODISSEIA NO ESPAÇO, de Stanley Kubrick;
6.
PAMPLINAS MAQUINISTA,de Buster Keaton e Clyde Bruckman
7.
OS SAPATOS VERMELHOS, de Michael Powel e Emeric
Pressburger;
8.
SUPER-HOMEM, O FILME, de Richard Donner;
9. A ESTRADA, de Frederico Fellini;
10.O
BARÃO AVENTUREIRO, de Josef Von Baky;
11.A
ROSA PURPURA DO CAIRO, de Woody Allen;
12.DERSU
UZALA, A ÁGUIA DA ESTEPE, de Akira
Kurosawa;
13.CLUBE
DOS POETAS MORTOS, de Peter Weir;
14.DOIDO
COM JUIZO, de Frank Capra;
15.ENCONTROS
IMEDIATOS DO 3º GRAU (EDIÇÃO ESPECIAL), de Steven Spielberg;
16.JERRY
8 3/4, de Jerry Lewis;
17.CINEMA
PARAISO, de Giuseppe Tornatore;
18.ANIKI-BÓBÓ,
de Manoel de Oliveira;
A
estes títulos, mais seis se lhe acrescentaram, em fins de 1992, o que prolonga
a lista até aos 24 filmes editados:
19.ESPERANÇA
E GLÓRIA, de John Boorman;
20.
HENRIQUE V, de Laurence Olivier;
21.
O PAI TIRANO, de António Lopes Ribeiro;
22.
O ÚLTIMO IMPERADOR, de Bernardo Bertolucci;
23.
AGUIRRE,O AVENTUREIRO, de Werner Herzog;
24. CYRANO DE BERGERAC, de Jean-Paul Rappeneau;
Facilmente
se podem tirar algumas conclusões mais ou menos óbvias. Procurou-se documentar
aspectos vários da história do Cinema, do mudo até à actualidade. Por décadas,
foram editados:
Dos
anos 20 - 1 filme
Dos
anos 30 - 2 filmes
Dos
anos 40 - 5 filmes
Dos
anos 50 - 3 filmes
Dos
anos 60 - 2 filmes
Dos
anos 70 - 4 filmes
Dos
anos 80 - 6 filmes
Dos
anos 90 - 1 filme
Também
se pretendeu não privilegiar excessivamente qualquer Cinematografia, muito
embora a americana se encontre necessariamente mais representada:
Alemanha/RFA
- 2 filmes
EUA
- 9 filmes
França
- 2 filmes
Inglaterra
- 4 filmes
Itália
- 3 filmes
Portugal
- 3 filmes
URSS/Japão
- 1 filme
Por
géneros, e numa classificação objectivamente redutora, foram editados:
Aventuras
- 5 filmes
Comédias
- 6 filmes
Dramas
- 9 filmes
Ficção-científica
- 2 filmes
Musicais
- 2 filmes
Refira-se
ainda que a escolha destes filmes teve em vista a sua qualidade e
representatividade histórica e estética indiscutíveis, sendo obras exemplares
no conjunto da filmografia de um autor, de um género, de um actor, de um
técnico reputado ou de uma Cinematografia, mas também o facto de poderem ser
facilmente assimilados pelos jovens a que primeiramente se dirigem, quer por
alguns deles terem crianças como protagonistas (o que facilita as
identificações), quer por serem obras acessíveis e sugestivas.
Recorde-se
ainda que todos os títulos seleccionados estão classificados pela Direcção
Geral dos Espectáculos ou para "maiores de 6 anos" ou para
"maiores de 12 anos", de forma a os mesmo não poderem de maneira
alguma molestar o equilíbrio dos alunos.
Como
já salientámos anteriormente, a edição de cada filme (integrados numa colecção
que tinha por designação genérica "Os Filmes na Escola") foi sempre
acompanhada por uma brochura de 16 ou 24 páginas, impressa e ilustrada, escrita
especialmente por um crítico cinematográfico português, convidado para o efeito
(João Lopes, Jorge Leitão Ramos, Manuel Cintra Ferreira, Manuel S. Fonseca e
Lauro António foram alguns dos autores representados). De uma forma que se
queria clara e rigorosa, foram facultados elementos e informações sobre:
1.
Ficha técnica e artística do filme.
2.
Biofilmografia do realizador.
3.
Notas julgadas úteis sobre actores e técnicos.
4.
Resumo do argumento.
5.
Análise crítica da obra.
6.
Elementos que permitam integrar o filme no tempo e local que o originaram.
7.
Pistas sobre um possível aproveitamento interdisciplinar.
8.
Bibliografia sumária.
9.
Videografia complementar.
10.Anexos
vários (declarações de autores, citações de críticas, excertos de entrevistas,
etc.).
Teria
todo o interesse que estas obras pudessem ser vistas e comentadas em aulas
plenamente integradas na actividade curricular dos alunos, mas inicialmente, e
no que diz respeito aos 2º e 3 º ciclo do Ensino Básico, esta actividade
circunscreveu-se, na sua maior parte, a acções extra curriculares, se bem que
acompanhadas pelos professores. Clubes de Cinema e Clubes de Vídeo, orientados
pelos alunos, com o apoio dos professores, proliferaram um pouco por todo o
lado, com resultados desiguais certamente, mas invariavelmente positivos.
Muitas escolas adquiriram outros títulos para complementar os editados pelo
M.E. e vários Clubes de Cinema abriram as suas portas aos encarregados de
educação, mesmo nalguns casos à população "civil" que quisesse
comparecer às suas sessões, o que estreitou os laços de convívio entre a Escola
e o meio social envolvente.
Como
actividade curricular regular, as sessões deveriam ter a duração de duas horas
ou duas horas e meia, para poderem compreender a exibição integral do filme,
seu comentário e debate posterior, sensibilizando-se os alunos para os valores
do Cinema, ainda que, nestas idades, sem uma excessiva preocupação sistemática.
Não se deve sobretudo transformar uma actividade lúdica num novo pesadelo
curricular. Ver Cinema deve entender-se como o prazer de desfrutar uma obra de
arte ou um entretenimento de fundo cultural, nunca como uma nova fonte de
preocupações escolares. Podem e devem mostrar-se os clássicos como algo que
diverte, que ensina, que ajuda a compreender certos problemas do dia a dia, que
reflete aspectos marcantes de determinada época e que nos ajuda a distinguir e
valorizar o Belo e o Bem, não como normas fixas e imutáveis, mas como ideais a
atingir, que os artistas (neste caso realizadores, argumentistas, actores,
técnicos...) sempre perseguem. É evidente que o facto destes filmes deverem ser
apresentados como obras que valem por si só, que devem ser apreciadas e
estudadas por si mesmas, não quer dizer que não possam ser aproveitadas por
professores de outras áreas
curriculares, numa saudável convergência interdisciplinar. Um filme é,
primeirmente, uma obra de arte e um espectáculo, mas pode ser uma excepcional
fonte de conhecimentos sobre vários temas e também uma base possível para
despoletar um frutuoso debate sobre uma imensidão de assuntos. Pegue-se num
exemplo: O Pai Tirano dará preciosos elementos sobre a cidade de Lisboa na
década de 40, o Chiado já desaparecido, a arquitectura, os usos e costumes, os
meios de comunicação, a linguagem, os espectáculos de teatro amador, a querela
Teatro versus Cinematógrafo, o tipo de humor, a influência dos actores de
"revista" na Comédia Cinematográfica portuguesa...
Estas
actividades curriculares ou extra curriculares deverão ser, sempre que
possível, complementarizadas pelos alunos, com deslocações a salas de Cinema,
devidamente acompanhados pelos professores. Em muitas cidades de Portugal
existem salas de Cinema dependentes dos
Municípios. É possível estabelecer protocolos entre as Câmaras e as
Escolas, de forma a viabilizar estas sessões que podem estender-se até visitas
guiadas às cabines de projecção, antes ou depois do filme ser exibido, e até
durante a sua projecção. Em Lisboa, seria interessante organizarem-se
igualmente visitas guiadas à Cinemateca
Portuguesa, aos estúdios da Tóbis e da Lisboa Filmes, aos Estúdios da RTP-1 e
2, da SIC e da TVI, a cenários de filmagens, etc. Por experiência própria
podemos adiantar alguns excelentes resultados conseguidos com a colaboração de
Escolas, Municípios e Festivais de Cinema (Festival Cinema de Portalegre, FestiViana - Festival
Internacional de Cinema de Viana do Castelo, "A Festa do Cinema", no
Teatro de São Luiz, "Os Filmes do Padrão", no Padrão dos
Descobrimentos, as duas últimas realizadas com o apoio do Pelouro da Cultura da
Câmara Municipal de Lisboa).
O
Cinema deve ser visto em salas de Cinema e a visão de um filme em vídeo deve
ser entendida como um simples sucedâneo que não se substitui ao próprio Cinema.
Mas, quando se não podem ver Picasso's, Miguel Angelo's ou Da Vinci's ao
natural, as reproduções dessas obras podem abrir o apetite para se ir mais
longe. Foi com essa intenção que se estruturou este plano de sensibilização
para o Cinema e o Audiovisual, jogando com as armas que nos são colocadas nas
mãos. Porque o vídeo, por muitas desvantagens que apresente, também oferece
algumas vantagens que, em termos de ensino, se não devem negligenciar. A
facilidade de manuseamento, a possibilidade de rever certas sequências, os
condicionalismos económicos e tecnológicos do filme (cópias em película, mesmo
em 16 milímetros,
são muitíssimo mais caras que uma cassete,e ter um projector de Cinema não é a
mesma coisa que ter um gravador de video...), tudo isso são aspectos que tornam
o vídeo particularmente acessível e funcional em termos de escola, sobretudo
num País de reduzidos recursos económicos como é o nosso.
Outro
problema que se colocou neste período de arranque foi o da falta de professores
qualificados para iniciarem esta sensibilização ao Cinema e ao Audiovisual. Não
quer dizer que, integrados no ensino, não se encontrem muitos apaixonados da
sétima arte e técnicos abalizados do audiviosual. Mas eles encontram-se no
ensino por outras razões
e são poucos comparados com as necessidades. Era por isso urgente
estabelecer um plano de formação de professores a vários níveis. A médio e
longo alcance é absolutamente necessário formar professores dentro da
especialidade. A curto prazo era imprescindível encontrar professores
previamente motivados para esta acção. Para isso se realizaram três acções de
formação, entre Maio de 1991 e Janeiro de 1992, em Troia (para professores de
Portugal continental), no Funchal (para os da Madeira) e em Ponta Delgada (para
os dos Açores). Estas acções foram obviamente breves e pouco aprofundadas,
funcionando sobretudo como plataforma organizativa, planeamento de esquemas
conjuntos, por forma a definir um espírito comum para todo o espaço pedagógico
nacional, fazendo apelo às contribuições individuais de cada professor, com a
sua experiência própria.
Entre
os docentes que se ofereceram voluntariamente para desempenhar estas novas
funções e outros, indicados para o efeito pelos conselhos directivos das
escolas, reuniram-se cerca de 550 elementos, vindos das áreas mais díspares (as
estatísticas dizem que Educação Visual, História, Filosofia, Letras, mas também
Trabalhos Manuais, Matemática ou Ciências foram as áreas que forneceram mais
voluntários), tendo em comum o interesse pelo Cinema e o Audiovisual (uns mais
ligados ao Cinema, outros ao Vídeo, os primeiros mais "humanistas" e
"estéticos", os segundos mais "técnicos" e
"práticos").
Nessas
acções foram explicadas as intenções gerais, facultados elementos
bibliográficos, selecções de textos essenciais, dando-se pistas para futuros
aprofundamentos pessoais e personalizados das matérias. Foram também
analisadas, em grupos mais ou menos restritos, as primeiras seis cassetes
editadas com filmes, mostrando-se diferentes formas de aproveitamento das
fichas publicadas, confrontando-se situações e experiências diversas e daí se
retirando ensinamentos para o posterior desempenho das funções de um
dinamizador Cinematográfico.
Mas
era necessário ser muito mais ambicioso e organizar verdadeiros cursos de
formação para pequenos grupos de professores, reunidos por zonas (Norte,
Centro, Sul, Madeira, Açores, ou mesmo regiões mais circunscritas, reduzidas a
distritos ou concelhos, o que permitiria um melhor aproveitamento), e
usufruindo de possibilidades compatíveis com a carga horária e os conhecimentos
curriculares indispensáveis à sua missão. Isso mesmo se tentou por essa altura,
com a criação de cursos de formação de professores para estas áreas, integrados
no Projecto Foco, cursos que forneciam aos docentes conhecimentos históricos,
estéticos, técnicos e artísticos sobre o Cinema e o Audiovisual suficientes
para o cabal desempenho da sua actividade.
Mas,
se estes cursos de formação podiam permitir, de certa forma, reciclar alguns
dos professores actuais e colocá-los com possibilidades de actuarem com alguma
eficácia, não resolveriam o problema de base que permanecia inalterável. São
necessários professores devidamente apetrechados e isso só se consegue através
da Universidade. Tanto mais que há outras carências para os demais níveis do
ensino, como o Secundário, o Técnico-profissional, o Profissional, o
Universitário.
Para
isso seria indispensável a criação de cadeiras de História, Estética e
Sociologia do Cinema e do Audiovisual nas Universidades portuguesas. Cremos que
as Faculdades de Letras e de Belas Artes serão as mais indicadas para
comportarem estas cadeiras. Das Faculdades de Letras sai o maior contigente que
abastece a docência nacional; nas Escolas Superiores de Belas Artes
encontram-se as maiores afinidades. Todos os professores que saíssem dessas
Faculdades, desde que tivessem frequentado as cadeiras (de opção?) ligadas ao
Cinema e ao Audiovisual poderiam leccionar estas matérias, conjuntamente ou
não, com as do seu curso.
Quer
isto dizer que um professor de História ou de Educação Visual, para além de
leccionar História e Educação Visual poderia ainda ministrar Cinema e
Audiovisual, desde que tivesse frequentado com sucesso na Universidade as
cadeiras correspondentes. Para lá destes professores saídos das Universidades e
que dariam indiscriminadamente as disciplinas teóricas do secundário, do
técnico profissional e do profissional, seria necessário cativar técnicos de
reconhecida competência, e se possível com formação universitária, para
leccionarem disciplinas de prioritária inspiração tecnológica. Uma das naturais
fontes de recrutamento seriam os alunos formados pela Escola Superior de Cinema
ou do Curso de Tecnologia da Comunicação Audio Visual do Porto, mas
infelizmente estes nem sequer se podem candidatar à carreira de professores!...
E
chegamos, assim, ao cume da pirâmide, ao ensino universitário. Para aí
leccionarem, numa primeira fase, dar-se-ia prioridade à contratação de
ensaístas e críticos, realizadores e técnicos de Cinema, com cursos
universitários, o que, de alguma forma, conciliaria a bagagem técnico-
artística com os rudimentos pedagógicos requeridos. Seriam escolhidas
personalidades com obra de reconhecido valor artístico para garantirem
credibilidade às cadeiras. De entre os melhores alunos, seriam posteriormente seleccionados
assistentes e professores, estabelecendo-se deste modo uma cadeia que
asseguraria o normal funcionamento de todos os níveis do ensino do Cinema e do
Audiovisual em Portugal.
Outra
das tarefas empreendidas pelo Grupo Trabalho de Cinema e Audiovisual nomeado
pelo M.E. foi a elaboração de legislação especial, tendente a integrar
oficialmente no ensino uma formação técnico-artística na área do Cinema e do
Audiovisual. Ou seja: criar os mecanismos legais que permitissem fazer
funcionar muito do que para trás ficou enunciado. Desta maneira, os professores
que outrora, por custos e risco próprios, exercitavam os seus alunos em
matérias deste tipo, tidas por vezes por heréticas, contariam desde já com o
beneplácito da legislação a defendê-los dessa acusação de heresia, que não raro
os perseguia. O Cinema e o Audiovisual, logo que promulgada a legislação
necessária, deixam de ser aqueles instrumentos diabólicos que desviavam os
alunos do regular aproveitamento escolar, para fazerem parte integrante de um
todo curricular onde ocupam um lugar por direito próprio conquistado
Nessa
legislação, para lá do ensino básico, cuja estrutura aqui se esboçava,
contemplam-se ainda o ensino secundário e o universitário. No secundário
preparam-se os alunos (com idades que
vão dos 15 aos 17 anos, correspontes aos 10º, 11º e 12º anos) para
entrarem nas universidades ou administram-se conhecimentos que lhes permitam o
ingresso na vida activa. Ramificam-se assim as matérias curriculares, consoante
a via escolhida pelo aluno. Se este opta pela Universidade, terá à sua
disposição uma cadeira anual de opção que iria sistematizar os conhecimentos
adquiridos até aí, abrindo-lhe novas perspectivas que lhe permitirão um interesse renovado pelo Cinema e o
Audiovisual, agora segundo critérios mais rigorosos.
O
aluno já tomou contacto com muitos clássicos da história do Cinema, que foi
vendo e discutindo, cada um de per si, ao longo dos dois ciclos finais do
básico. Está, portanto, na altura ideal para integrar esses conhecimentos numa
planificada Iniciação à Linguagem do Cinema e do Audiovisual, numa História do
Cinema Mundial e do Cinema Português ou numa Evolução Estética e Sociológica do
Cinema e do Audiovisual.
Interessante
seria, assim, no 10º ano, existir uma disciplina de Iniciação à Linguagem do
Cinema e do Audiovisual, no 11º, uma História do Cinema Mundial e do Cinema
Português, e, no 12º, uma Evolução Estética e Sociológica do Cinema e do
Audiovisual, acompanhada já de alguns pequenos exercícios de prática
Audiovisual. Cada aula semanal teria de ter, no máximo, 3 horas de duração,
para permitir ver e discutir filmes,
programas de televisão, vídeos, etc. No ensino oficial, e no ensino privado,
correspondendo ao secundário, existem duas opções para uma carreira virada para
um ingresso rápido na vida activa, as escolas técnico-profissionais e as
escolas profissionais. É um ensino que
procura conciliar o curriculum tradicional (a chamada "Formação
geral", com disciplinas de Português, Introdução à Filosofia, Línguas
Estrangeiras, etc.) com uma forte componente técnica, garantida por várias
disciplinas da área profissional escolhida (de "Formação específica"
e de "Formação técnica", respectivamente), e que, em termos de grau
académico, equivale ao nível 3 na Europa comunitária.
A
Reforma do Ensino Artístico, no que diz respeito ao Cinema e ao Audiovisual,
estava apenas a começar no nosso País, dado que muito pouco se tinha feito até
agora. Mas tudo pareceu emperrar daí para cá. Estamos por isso muito atrasados,
se compararmos com outros países da Europa e da América, mas o facto tem também
as suas vantagens: o pouco que há feito deixa o terreno quase virgem para os
esforços que há que promover e acelerar. Saiba-se aproveitar o tempo perdido,
para, sobre ele, se ganhar o futuro.
"Encontros
de Cinema", Sala de Estudos Cinematográficos da Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra, 26 de Outubro de 1996
CINEMA E AUDIOVISUAL NA EUROPA:
QUE FORMAÇÃO?
Minhas
Senhoras e meus Senhores,
Antes
de mais, o agradecimento à organização deste Forum du Cinéma Européen,
particularmente à direcção destas Journées du Cinéma de l'Union Européene, por
me convidar a estar aqui, apresentando uma comunicação integrada no atelier que
aborda as questões da Formação.
Uma
comunicação que deliberadamente foge um pouco a alguns dos temas propostos, e
talvez até caminhe no sentido contrário a algumas teorias dominantes, ao tentar
acentuar uma componente por vezes algo esquecida, mas que julgo estar na base
de todas as demais questões que irão aqui ser debatidas, desde a formação
efectiva dos profissionais até aos problemas da produção e da distribuição,
desde a fidelização de um público europeu para o Cinema dos seus países até à valorização
do potencial criativo destas cinematografias.
Sem
uma formação de base, a ministrar desde logo na escola, creio ser impossível
alterar a actual situação que acentua um evidente divórcio das grandes massas
populares do Cinema Europeu, e coloca o público de quase todo o mundo na
dependência de narrativas e códigos de escrita de inspiração norte americana.
Convém frisar que nada tenho contra o cinema norte-americano, que aprendi a
amar desde muito novo, mas devo dizer também que tenho tudo a favor de modos
diversos de imaginar e pensar o Cinema.
Quando
se fala de formação ao nível do Cinema e do Audiovisual, é importante
distinguir duas vertentes, ambas absolutamente indispensáveis e urgentes de
cumprir: a mais óbvia é a que procura a Formação de quadros técnicos, que vão
desde o realizador ao argumentista, do electricista ao director de fotografia,
do produtor à anotadora, do director de som ao montador, obviamente todos eles
com necessidades e níveis curriculares diferenciados. É sabido que o Cinema e o
Audiovisual continuam a enfeitiçar a imaginação dos jovens de todas as
latitudes, e que são aos milhares os candidatos que anualmente concorrem a
vagas nas mais diversas escolas, institutos e universidades que abrem as portas
de variados cursos onde a linguagem específica da imagem e do som coexistem.
Longe
estão os tempos em que o "Cinematógrafo" era olhado com desprezo pela
"inteligência", que nele via apenas um divertimento de feira. Mas,
por muito modificados que os tempos estejam, a verdade é que continua a haver
por essa Europa fora países onde o Cinema só consegue entrar no campus
universitário envolto nas roupagens aparentemente mais credíveis de cursos
denominados de comunicação social, de belas artes, de artes visuais, mesmo de
psicologia e áreas afins ou ainda sob outras designações que comportam
indesculpáveis alibis culturais. Não são muitos os países que abertamente
ofereçam cursos de Cinema e Audiovisual, e ainda mais raros os que os dotem de
licenciaturas condignas, quer no campo da criatividade pura, quer no da exegése
crítica. O cinema é oriundo de uma cultura popular e por isso mesmo menorizado.
O nível de bacharelato parece ser o que melhor corporiza ainda essa menoridade
de tratamento que se sente um pouco por quase todo o lado. E, no entanto, hoje
em dia, a comunicação Audiovisual é indiscutivelmente aquela que maior impacto
provoca nos media, e a que curiosamente mais procurada é por políticos de todos
os quadrantes que cedo se aperceberam das suas virtualidades e também dos seus
limites e permissividade, por vezes explorados despudoramente.
À
medida que a tecnologia se torna mais complexa, que o Cinema se cruza com o
multimedia, que a ficção envereda pelos terrenos da realidade virtual, pela
utilização do computador e da imagem digitalizada, à medida que o hipermedia se
implanta e conquista espaço vital, o Cinema, e todo o Audiovisual por extensão,
requer uma maior especilização, com ramificações de saber que tendem a uma
exagerada compartimentação.
Assistimos
assim a um processo com duas componentes quase antagónicas: por um lado, o
Cinema profissional tende a uma especialização disforme: muitos técnicos,
recolhidos nos seus laboratórios de pesquisa, criam sequências virtuais que se
irão encaixar em obras de que por vezes desconhecem todo o enquadramento. Por
outro lado, o vídeo amador, o home vídeo, tende a uma cada vez maior facilidade
de manuseamento que leva o cidadão comum a pensar que nada mais precisa de
saber do que carregar no botão que qualquer empregado de uma loja de electrodomésticos
de um qualquer centro comercial lhe ensina a manejar com destreza.
Em
ambos os casos, os imperativos da indústria predominam: ou impondo obras onde a
sobrecarga de efeitos especiais tende a abafar o sopro de humanidade dos seus
protagonistas, procurando assim rentabilizar super produtos sem alma, mas
envoltos nos cada vez mais surpreendentes e espectaculares efeitos de
laboratório; ou criando uma falsa imagem de democratização na utilização do
Audiovisual, através do home video, para promover vendas igualmente
espectaculares de câmaras de vídeo e
apetrechos afins.
Na
nossa sociedade, as imagens bem pode dizer-se que circulam à velocidade da luz,
criando no espírito do candidato a profissional a vertigem da grande
especialização tecnológica, e no cidadão comum a voragem do registo muitas
vezes acrítico e insensível.
Este
estado de espírito justifica dedicar uma atenção muito especial a um outro tipo
de formação, não tão evidente como a do profissional, mas igualmente imperiosa:
a formação do público em geral. Se da formação dos profissionais não parecem
restar dúvidas quanto à sua necessidade, já o mesmo se não dirá em relação à
formação do cidadão comum, aquele que mais não pretende ou procura senão ser um
fruidor atento e apaixonado de uma forma de arte que tem a sua linguagem
específica, os seus códigos, os seus insuspeitados perigos. Assiste-se, na
Europa e no mundo, a um debate angustiado sobre o futuro da televisão,
sobretudo sobre os excessos que a privatização de canais acarretou, sobre o
recrudescimento da violência quotidiana, de que ela poderá ser uma das causas,
sobre a exploração imoral do espectador, simultaneamente emissor e receptor de
dramas e de farsas que em seu redor se constroem, em nome de uma qualquer
interactividade por vezes despudorada. Mas quase nada se faz para desenvolver
no espectador anónimo, longe da qualquer paternalismo moralista ou estético, a
capacidade crítica, a sensibilidade, o gosto pela tolerância por narrativas
diversas, por culturas variadas, por diferenciações individuais ou colectivas.
É
altura dos governos dos países europeus, dos seus ministérios da cultura e da
educação se debruçarem efectivamente sobre este dado preocupante, e descobrirem
de uma vez por todas que, ao lado, por exemplo, do ensino da língua e da
literatura nacionais, ao lado do ensino da música e das artes plásticas, é
necessário ensinar e apreender a ver e a amar o Cinema e o Audiovisual. Não
através de escolas piloto ou de experiências laboratoriais, mas de uma forma
efectivamente democrática, incluindo o ensino do Cinema e do Audiovisual no
curriculum das escolas básicas e secundárias. Não falamos da universidade, onde
essa atenção já existe, mas de etapas anteriores da educação, de jovens com
idades compreendidas entre os 9,10 anos e os 16, 17 anos. É neste período da
adolescência e juventude que a formação artística é mais necessária, pois é
nesta época que se forma ou deforma a sensibilidade, que se criam ou destroem
apetências, que se definem as grandes opções.
Não
será criando leis repressivas, roçando a censura, que se educa uma geração. É
educando-a desde a base, permitindo-lhe a opção por diferentes tipos de Cinema,
despertando-a para a evolução histórica e estética do Cinema, mostrando-lhe os
grandes clássicos, fomentando o gosto pela crítica e o debate franco,
desenvolvendo sensibilidades adormecidas, descobrindo vocações, que o Cinema e
Audiovisual poderão conquistar novos públicos e sobretudo públicos novos,
isentos de vícios e deturpações.
As
maravilhas das novas tecnologias só não serão monstros insensíveis se se
souberem submeter à fragilidade do rosto humano. Numa época em que a informação é
essencial ao conhecimento e em que este se assume como o cerne de toda a
estrutura das sociedades modernas, numa época em que quase toda a informação se transmite por meios
audiovisuais, é absolutamente imprescindível incentivar o ensino do Cinema e do
Audiovisual para se terem artistas e técnicos cada vez mais competentes e
solidários, mas também para se poder ter "consumidores de imagens e de
sons" cada vez mais atentos, mais críticos, mais despertos para as
informações que lhes chegam de todo o lado.
Em
plena década de 90 parece-nos desnecessário enfatizar a importância crescente
do Cinema e do Audiovisual nos mais variados domínios da vida moderna. A imagem
impôs-se como meio de comunicação por excelência a todos os níveis do
quotidiano e escusado será justificar com exemplos esta verificação, que cada
um pode retirar por si próprio, olhando à sua volta. Alvin Toffler, por
exemplo, apenas vem sistematizar o que já se suspeitava: o conhecimento é o
novo poder que rege as sociedades, e o conhecimento adquire-se hoje em dia
sobretudo através de meios audiovisuais. Numa sociedade assim organizada, com
natural propensão para absolutizar esta tendência, é indispensável preparar os
jovens, não para um futuro que se adivinha, mas para um presente que se consolida
hora a hora.
Se,
porém, a imagem impera no nosso quotidiano, a verdade é que muito poucos
estarão aptos a absorvê-la em todos os seus significados. Tal como a palavra
escrita, a imagem necessita de ser decifrada, descodificada, analisada,
compreendida, para melhor se poder retirar dela toda a mensagem, para melhor
usufruir o seu prazer, para melhor nos precavermos contra as suas ciladas. É
urgente exercitar os jovens no seu manuseamento. Nenhum outro local será, à partida, mais
indicado do que a Escola.
Curiosamente,
porém, quando se fala de ensino do Cinema e do Audiovisual, mesmo no que diz
respeito aos ensinos básicos e secundário, no que hoje em dia se pensa de
imediato é no ensino tecnológico - colocar nas mãos dos jovens câmaras de video
e partir com eles "à descoberta do mundo". Esta tendência é também
ela preocupante. Por várias razões. A primeira das quais porque se deixa
pressupor que a linguagem Audiovisual não tem segredos, que cada um é senhor de
filmar e gravar imagens e sons a seu belo prazer, sem uma assimilação gradual
que a aprendizagem e a exercitação da sensibilidade pressupõem. O resultado
dessas experiências balbuciantes e desconexas é que, em lugar de entusiasmar os
utentes, abrem-lhes as mais negras perspectivas, e não raro criam as mais
traumáticas frustrações.
Pouco
importa saber carregar nos botões da câmara se não se sabe orientar a
objectiva, enquadrar a imagem, tirar o melhor partido da luz e das sombras,
saber no fundo que nada acontece por acaso, ainda que a intuição seja um valor
a não menosprezar. Mas mesmo a intuição se prepara. Pode ser particularmente
contraproducente colocar câmaras de vídeo nas mãos de quem nada mais sabe do
que captar imagens. Se a escrita literária pressupõe um tempo de aprendizagem e
de experimentação ao nível do consumo da obra literária, é inconsciência
manifesta ignorar-se toda a aprendizagem de uma linguagem, de uma história, de
uma estética ligadas ao Cinema e ao Audiovisual.
A
orientação a adoptar por quem de direito, neste caso pelo Ministérios da
Educação e da Cultura, deveria, portanto, não descuidar a formação de técnicos
e de artistas competentes e inspirados, mas estar atento sobretudo a uma
sensibilização genérica para os valores veículados pelo Cinema e o Audiovisual,
preparando o aluno e o jovem para ser, primeiramente um bom espectador,
sensível, exigente e crítico, e depois, se for caso disso, fornecer-lhe as
possibilidades para ele dar o salto
qualitativo para a área da criatividade.
É
evidente que são multiplas as dificuldades, a começar pela escassa percentagem
de professores que neste momento existem, habilitados para ensinarem esta nova
disciplina. Mas se as dificuldades são muitas, imensas são as potêncialidades
do nosso tempo e das novas tecnologias. Investir na formação de professores
para o ensino básico e secundário é indispensável e, neste aspecto, a
Comunidade Europeia bem poderia organizar um programa comum, que partindo de um
corpo central não deixasse de ter em conta as especificidades de cada País e de
cada Cultura, para o implementar a nível Europeu. A utilização da Internet e
das "estradas da informação" poderia ser uma forma de rentabilizar
experiências e custos comuns.
Só
existirá um Cinema Europeu, ou melhor dizendo só existirão Cinematografias
Europeias, livres e diferentes, criando um público que as exija. Só se combate
a pornografia dos reality shows, dos talk shows de corações solitários, dos
concursos onde se vende a privacidade de cada um a troco de uma mão cheia de
ecus, se existir um público crítico e exigente. Só haverá mais e melhores
criativos, no campo do Cinema e do Audiovisual, se eles sentirem frente aos
grandes e pequenos écrans da sua arte uma massa de espectadores firmemente
disposta a exigir o exercício da inteligência.
Estrasburgo,
Forum Europeu de Cinema, 15 de Novembro de 1996
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