NOME DE CÓDIGO:
PAULETTE
Setembro de 1974. Estávamos em plena euforia
revolucionária. Eu dirigia a programação do Estúdio Apolo 70. Pouco tempo
antes, tinha ido a Paris escolher alguns filmes para estrear na sala que era
explorada comercialmente por Filmes Lusomundo. Entre os vários títulos
visionados e comprados estavam “Chove sobre Santiago”, “Angela” e “La Fiancée
du Pirate”. Era este último, uma realização de Nelly Kaplan, que se estreava em
Lisboa, precisamente no dia 12 de Setembro. Um filme “insolente e feroz”, como
muita crítica o classificou nessa altura, e que tinha como figura central uma
jovem actriz que por essa época fazia furor no cinema francês, sobretudo nos
primeiros filmes de Claude Chabrol (“Um Vinho Difícil”, “Pedido de Divórcio”,
“As Boas Mulheres”…): Bernardette Lafont.
Nascida a 26 de Outubro de 1938, em Nîmes, França,
Bernardette lançara-se no cinema com uns radiosos 20 anos e quando protagonizou
“A Noiva do Pirata” rondava os trinta e aprimorara a arte da rebeldia e o
talento da fotogenia. Ela era um espanto a revolucionar a pequena aldeia de
Tellier, onde resolvera instalar a prostituição por conta própria e com ela
fazer rebentar os maus costumes de uma sociedade puritana e hipócrita que lhe
matara o único ser que ela amava, um bode que lhe fazia companhia, após a morte
da mãe.
Depois disso, Bernardette Laffont não parou de trabalhar,
vai agora com 74 anos e quase duas centenas de filmes no activo. Um dos últimos
uma comédia divertida, “Paulette” (em português “Nome de Código: Paulette”),
dirigida por um recém-chegado ao cinema, depois de carreira feita em séries de
televisão, Jérôme Enrico. Foi o filme que abriu a 13ª Festa do Cinema Francês,
no cinema São Jorge, em Lisboa, jogando com um bom acolhimento da crítica
internacional e uma excepcional recepção de público que, só em França, na
estreia, fez mais de 500 mil espectadores. Números importantes, dada a crise
que se vive um pouco por todo o lado e dado ainda o facto de ser um filme
francês, uma produção relativamente barata, que fez frente aos grandes
blockbusters americanos.
E, apesar de não ser um filme excepcional
cinematograficamente falando, “Nome de Código: Paulette” diverte, faz pensar qb
nalguns problemas da nossa sociedade actual, mostra um realizador eficaz e
sóbrio, que conta uma história com desenvoltura e cria mesmo um certo clima e
mostra uma Bernardette Lafont com 73 anos, ainda insolente, ainda fotogénica, e
sempre iconoclasta.
Paulette é uma viúva que habita numa problemática zona
suburbana de Paris, sobrevive com reforma mínima, vasculha os caixotes do lixo
para arranjar um ramo de flores ou um candeeiro abandonado, janta com o retrato
do seu falecido marido do outro lado da mesa, gosta do seu copo de vinho, ainda
desperta os apetites do seu vizinho do lado, mas vê os seus móveis saírem pela
porta fora à ordem do juiz. Revoltada, e num momento de sorte, percebe como se
vende droga no bairro, haxixe, para ser mais preciso, e resolve ir oferecer os
seus préstimos ao chefe do gang para integrar o negócio. Depois descobre que
bolinhos com droga dentro são ainda mais apelativos e cria uma indústria
caseira.
Sobre o que vem a seguir mais não digo, para não tirar o
efeito de surpresa, mas nenhuma surpresa constituirá a exibição desse talento
nato que é o de Bernardette Lafont. Ela consegue ser horrenda no seu racismo
mais primário (diz ao neto: “Não me chames avó, porque és preto!”) e simultaneamente
enternecedora na forma como se transforma numa empreendedora de sucesso. Um bom
exemplo para os governantes que querem eficiência a toda a prova e não olham a
meios para conseguir resultados. Pelo paradoxo, “Paulette” critica a teoria,
expondo a prática. Para fugir à pobreza e manter um certo nível de vida, nada
melhor do que socorrer-se da economia paralela e enveredar pelo crime. A
receita está dada. Por Bernardette Lafont
e as suas três amigas, interpretadas por Carmen Maura, Dominique Lavanant e
Françoise Bertin, com saborosas participações.
NOME DE CÓDIGO:
PAULETTE
Titulo original:
Paulette
Realização: Jérôme Enrico (França, 2012); Argumento: Laurie Aubanel,
Jérôme Enrico, Bianca Olsen, Cyril Rambour; Produção: Alain Goldman; Montagem:
Antoine Vareille; Casting: Coralie Amedeo; Maquilhagem: Frédéric Zaid; Direcção
de produção: Sylvain Bouladoux, Abraham Goldblat, Cathy Lemeslif; Assistentes
de realização: César Chabrol, Julie-Anne Simon; Departamento de arte: Julien
Rondeau; Som: Jean-Luc Rault-Cheynet; Efeitos visuais: Thomas Duval; Companhias
de produção: Légende Films, Gaumont, France 2 Cinéma, Canal+, Ciné+;
Intérpretes: Bernadette Lafont (Paulette), Carmen Maura (Maria), Dominique
Lavanant (Lucienne), Françoise Bertin (Renée), André Penvern (Walter), Ismaël
Dramé (Léo), Jean-Baptiste Anoumon (Ousmane), Axelle Laffont (Agnès), Paco
Boublard (Vito), Mahamadou Coulibaly (Idriss), Kamel Laadaili, Aymen Saïdi,
Soufiane Guerrab, Samir Trabelsi, Alexandre Aubry, Pascal N'Zonzi, Lionnel Astier,
Mathias Melloul, Miglen Mirtchev, Philippe du Janerand, Schemci Lauth, Marc
Samuel, Brigitte Boucher, etc. Duração: 87 minutos; Classificação etária:
M/12anso; Distribuição em Portugal: Zon Audiovisuais; Data de estreia em
Portugal: 18 de Abril de 2013.
homenagem a Bernardette Lafont.
1 comentário:
é sempre um prazer passar aqui e aprender mais um pouco sobre os filmes e os actores, neste caso uma actriz.
e gosto muito do cartaz.
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