sábado, setembro 21, 2013

CINEMA: BLUE JASMINE


BLUE JASMINE

Ao contrário de alguns, que acham que os filmes de Woody Allen rodados fora dos EUA são destituídos de interesse, com uma ou outra excepção, eu acho que quase todas as obras deste cineasta são particularmente interessantes, ainda que obviamente nem todas por igual. Mas concordo que Woody Allen se sente muito mais à vontade em Nova Iorque do que nas cidades europeias que o convidam a ir ali rodar um opus da sua filmografia. Woody Allen respira o ar de Nova Iorque, sobretudo o smog de Manhattan, e ali ele é de uma certeza quase infalível. “Blue Jasmine” marca o regresso de Woody Allen a casa, depois de andanças por Londres, Barcelona, Paris e Roma, e afirma-se desde logo como um dos melhores títulos da sua obra mais recente. Há mesmo um aspecto que me parece relevante e que por isso merece ser sublinhado. Neste seu último trabalho, Woody Allen toma-se mais a sério, ou pelo menos leva mais a sério personagens e situações, reflectindo não só questões pessoais, como ambientes sociais muito precisos. Ou seja: as personagens de “Blue Jasmine” continuam a ter os seus problemas pessoais muito concretos, amores e desamores, frustrações e esperanças, traumas e falta de dinheiro, grandes empregos ou trabalhos menores, grandes casas ou pequenos apartamentos, amantes de ocasião ou grandes amores, mas tudo isso se integra num tempo e espaço determinados, que lhe conferem um outro significado. Este é um filme do nosso tempo. Fala da América de 2012/13, mas também nos diz respeito a nós, europeus, mais precisamente, no nosso caso, portugueses. Todos estamos envolvidos no mesmo clima e nas mesmas circunstâncias políticas, económicas, sociais. Mais directamente: este é um filme que aborda personagens em crise, num tempo de crise.


Woody Allen já havia criado uma obra-prima a recriar o tempo da Grande Depressão, dos anos 30 do século XX, em “Rosa Púrpura do Cairo”. Digamos que este “Blue Jasmine” é o duplo, adaptado a estes anos que vivemos agora. Há questões que se sobrepõem entre as duas crises, há outras que se alteram consideravelmente. Em tudo, Woody Allen parece estar certo no seu diagnóstico.
Jeannette Francis (Cate Blanchett), que gosta mais de ser conhecida por “Jasmine”, porque dá mais estilo à mulher, foi casada com Harold "Hal" Francis (Alec Baldwin), levando uma vida de classe A-alta, sobretudo à custa das trafulhices financeiras do esposo, que é descoberto, e passam ambos rapidamente à penúria pelo arresto de bens desviados pelo Estado. Da 5ª Avenida de Nova Iorque, Jasmine é obrigada a mudar-se para um bairro económico de São Francisco, para o modesto apartamento da irmã por afinidade, Ginger (Sally Hawkins), que a recebe de braços abertos, na sua inocência e generosidade. Mas Jasmine vem muito traumatizada pela despromoção social, dificilmente aceita trabalhar num consultório de dentista, dificilmente se vê a dormir e habitar naquela casa apertada para as suas ambições, dificilmente aceita esta nova realidade em que caiu. Muitos comentadores falam de uma nova versão de Blanche Dubois, a protagonista de "Eléctrico Chamado Desejo", de Tennessee Williams, e há obviamente muitos pontos de contacto, sobretudo no comportamento de ambas, hipersensíveis à dolorosa realidade que as rodeia, roçando mesmo o quadro clínico da patologia.


Para lá deste magnífico enquadramento social que o realizador nos oferece de forma subtil e discreta, como quem nem sequer fala nisso, existem ainda personagens brilhantemente desenhadas por Woody Allen e magnificamente corporizadas por um elenco brilhante. Todos os actores são de primeira água, mas Cate Blanchett é aqui de um outro oceano. O seu trabalho é absolutamente espantoso, na forma quase imperceptível como nos vai oferecendo o desenvolver da sua figura, como vai discretamente acentuando certos tiques, como faz esbarrar a sua arrogância e altivez com o dramático do dia-a-dia em São Francisco. Como se empenha em arranjar um novo bom casamento que a salve do descalabro em que se precipitou, como inventa o impossível para tornar possível a sua megalomania. Mas, simultaneamente, vem ao de cima o lado humanista de Woody Allen que, não se furtando a apresentar o lado negro de Jasmine, não a deixa afundar-se num estereótipo de egoísmo e malvadez. Absolutamente fascinante é o termo. O que se estende a todo o filme, que voga numa toada de drama, entrecortada por sorrisos sóbrios que o tornam invulgarmente sugestivo. Tudo isto ao som de “Blue Moon”.
Não tenho muitas dúvidas em dizer que o Oscar de Melhor Actriz de 2013 está desde já atribuído, e “Blue Jasmine” é igualmente um sério candidato a muitas outras estatuetas.

BLUE JASMINE
Título original: Blue Jasmine

Realização: Woody Allen (EUA, 2013); Argumento: Woody Allen; Produção: Letty Aronson, Helen Robin, Jack Rollins, Leroy Schecter, Adam B. Stern, Stephen Tenenbaum, Edward Walson; Fotografia (cor): Javier Aguirresarobe; Montagem: Alisa Lepselter; Casting: Patricia Kerrigan DiCerto, Juliet Taylor; Design de produção: Santo Loquasto; Direcção artística: Michael E. Goldman, Doug Huszti; Decoração: Kris Boxell, Regina Graves; Guarda-roupa: Suzy Benzinger; Maquilhagem: Gretchen Davis, Yvette Rivas; Direcção de produção: Debbie Brubaker, Marcelo Gandola, Helen Robi; Assistentes de realização: Sarah Fairchild, Ted Leonard, John M. Morse, Danielle Rigby, Brad Robinson; Departamento de arte: David Hendrickson, Kelli Lundy, Joel Morgante; Som: Brian Copenhagen, Brendan Jamieson O'Brien, Adam Sanchez, Nelson Stoll, Thomas Varga, David Wahnon; Efeitos Visuais: Jake Braver; Companhia de produção: Perdido Productions; Intérpretes: Cate Blanchett (“Jasmine” Francis), Alec Baldwin (Harold "Hal" Francis), Bobby Cannavale (Chili), Louis C.K. (Al), Andrew Dice Clay (Augie), Sally Hawkins (Ginger), Peter Sarsgaard (Dwight Westlake), Michael Stuhlbarg (Dr. Flicker), Tammy Blanchard (Jane), Max Casella (Eddie), Alden Ehrenreich (Danny Francis), Joy Carlin, Richard Cont, Glen Caspillo, Charlie Tahan, Annie McNamara, Daniel Jenks, Max Rutherford, Kathy Tong, Ted Neustadt, Andrew Long, Lauren Allan, John Harrington Bland, Leslie Lyles, Glenn Fleshler, Brynn Thayer, Christopher Rubin, Emily Bergl, Barbara Garrick, Ali Fedotowsky, Dean Farwood, Conor Kellicut, Colin Thomson, Val Diamond, Joe Bellan, Catherine MacNeal, Irit Levi, Diane Amos, Shannon Finn, Tom Kemp, Emily Hsu, Maurice Sonnenberg, Martin Cantu, Daniel Hepner, Al Palagonia, etc. Duração: 98 minutos; Distribuição em Portugal: Pris Audiovisuais; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal 12 de Setembro de 2013.

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