BLUE JASMINE
Ao
contrário de alguns, que acham que os filmes de Woody Allen rodados fora dos
EUA são destituídos de interesse, com uma ou outra excepção, eu acho que quase
todas as obras deste cineasta são particularmente interessantes, ainda que
obviamente nem todas por igual. Mas concordo que Woody Allen se sente muito
mais à vontade em Nova Iorque do que nas cidades europeias que o convidam a ir
ali rodar um opus da sua filmografia. Woody Allen respira o ar de Nova Iorque,
sobretudo o smog de Manhattan, e ali ele é de uma certeza quase infalível.
“Blue Jasmine” marca o regresso de Woody Allen a casa, depois de andanças por
Londres, Barcelona, Paris e Roma, e afirma-se desde logo como um dos melhores
títulos da sua obra mais recente. Há mesmo um aspecto que me parece relevante e
que por isso merece ser sublinhado. Neste seu último trabalho, Woody Allen
toma-se mais a sério, ou pelo menos leva mais a sério personagens e situações,
reflectindo não só questões pessoais, como ambientes sociais muito precisos. Ou
seja: as personagens de “Blue Jasmine” continuam a ter os seus problemas
pessoais muito concretos, amores e desamores, frustrações e esperanças, traumas
e falta de dinheiro, grandes empregos ou trabalhos menores, grandes casas ou
pequenos apartamentos, amantes de ocasião ou grandes amores, mas tudo isso se
integra num tempo e espaço determinados, que lhe conferem um outro significado.
Este é um filme do nosso tempo. Fala da América de 2012/13, mas também nos diz
respeito a nós, europeus, mais precisamente, no nosso caso, portugueses. Todos
estamos envolvidos no mesmo clima e nas mesmas circunstâncias políticas,
económicas, sociais. Mais directamente: este é um filme que aborda personagens
em crise, num tempo de crise.
Woody
Allen já havia criado uma obra-prima a recriar o tempo da Grande Depressão, dos
anos 30 do século XX, em “Rosa Púrpura do Cairo”. Digamos que este “Blue
Jasmine” é o duplo, adaptado a estes anos que vivemos agora. Há questões que se
sobrepõem entre as duas crises, há outras que se alteram consideravelmente. Em
tudo, Woody Allen parece estar certo no seu diagnóstico.
Jeannette Francis
(Cate
Blanchett), que gosta mais de ser conhecida por “Jasmine”, porque dá mais
estilo à mulher, foi casada com Harold "Hal" Francis
(Alec
Baldwin), levando uma vida de classe A-alta, sobretudo à custa das trafulhices
financeiras do esposo, que é descoberto, e passam ambos rapidamente à penúria
pelo arresto de bens desviados pelo Estado. Da 5ª Avenida de Nova Iorque,
Jasmine é obrigada a mudar-se para um bairro económico de São Francisco, para o
modesto apartamento da irmã por afinidade, Ginger (Sally Hawkins), que a recebe
de braços abertos, na sua inocência e generosidade. Mas Jasmine vem muito
traumatizada pela despromoção social, dificilmente aceita trabalhar num
consultório de dentista, dificilmente se vê a dormir e habitar naquela casa
apertada para as suas ambições, dificilmente aceita esta nova realidade em que
caiu. Muitos comentadores falam de uma nova versão de Blanche Dubois, a
protagonista de "Eléctrico Chamado Desejo", de Tennessee Williams, e
há obviamente muitos pontos de contacto, sobretudo no comportamento de ambas,
hipersensíveis à dolorosa realidade que as rodeia, roçando mesmo o quadro
clínico da patologia.
Para lá
deste magnífico enquadramento social que o realizador nos oferece de forma
subtil e discreta, como quem nem sequer fala nisso, existem ainda personagens brilhantemente
desenhadas por Woody Allen e magnificamente corporizadas por um elenco
brilhante. Todos os actores são de primeira água, mas Cate Blanchett é aqui de
um outro oceano. O seu trabalho é absolutamente espantoso, na forma quase
imperceptível como nos vai oferecendo o desenvolver da sua figura, como vai
discretamente acentuando certos tiques, como faz esbarrar a sua arrogância e
altivez com o dramático do dia-a-dia em São Francisco. Como se empenha em
arranjar um novo bom casamento que a salve do descalabro em que se precipitou,
como inventa o impossível para tornar possível a sua megalomania. Mas,
simultaneamente, vem ao de cima o lado humanista de Woody Allen que, não se
furtando a apresentar o lado negro de Jasmine, não a deixa afundar-se num estereótipo
de egoísmo e malvadez. Absolutamente fascinante é o termo. O que se estende a
todo o filme, que voga numa toada de drama, entrecortada por sorrisos sóbrios
que o tornam invulgarmente sugestivo. Tudo isto ao som de “Blue Moon”.
Não
tenho muitas dúvidas em dizer que o Oscar de Melhor Actriz de 2013 está desde
já atribuído, e “Blue Jasmine” é igualmente um sério candidato a muitas outras
estatuetas.
BLUE JASMINE
Título original: Blue Jasmine
Realização: Woody Allen (EUA, 2013);
Argumento: Woody Allen; Produção: Letty Aronson, Helen Robin, Jack Rollins,
Leroy Schecter, Adam B. Stern, Stephen Tenenbaum, Edward Walson; Fotografia
(cor): Javier Aguirresarobe; Montagem: Alisa Lepselter; Casting: Patricia
Kerrigan DiCerto, Juliet Taylor; Design de produção: Santo Loquasto; Direcção
artística: Michael E. Goldman, Doug Huszti; Decoração: Kris Boxell, Regina
Graves; Guarda-roupa: Suzy Benzinger; Maquilhagem: Gretchen Davis, Yvette
Rivas; Direcção de produção: Debbie Brubaker, Marcelo Gandola, Helen Robi; Assistentes
de realização: Sarah Fairchild, Ted Leonard, John M. Morse, Danielle Rigby,
Brad Robinson; Departamento de arte: David Hendrickson, Kelli Lundy, Joel
Morgante; Som: Brian Copenhagen, Brendan Jamieson O'Brien, Adam Sanchez, Nelson
Stoll, Thomas Varga, David Wahnon; Efeitos Visuais: Jake Braver; Companhia de
produção: Perdido Productions; Intérpretes:
Cate Blanchett (“Jasmine” Francis), Alec Baldwin (Harold "Hal"
Francis), Bobby Cannavale (Chili), Louis C.K. (Al), Andrew Dice Clay (Augie),
Sally Hawkins (Ginger), Peter Sarsgaard (Dwight Westlake), Michael Stuhlbarg
(Dr. Flicker), Tammy Blanchard (Jane), Max Casella (Eddie), Alden Ehrenreich
(Danny Francis), Joy Carlin, Richard Cont, Glen Caspillo, Charlie Tahan, Annie
McNamara, Daniel Jenks, Max Rutherford, Kathy Tong, Ted Neustadt, Andrew Long,
Lauren Allan, John Harrington Bland, Leslie Lyles, Glenn Fleshler, Brynn
Thayer, Christopher Rubin, Emily Bergl, Barbara Garrick, Ali Fedotowsky, Dean
Farwood, Conor Kellicut, Colin Thomson, Val Diamond, Joe Bellan, Catherine
MacNeal, Irit Levi, Diane Amos, Shannon Finn, Tom Kemp, Emily Hsu, Maurice
Sonnenberg, Martin Cantu, Daniel Hepner, Al Palagonia, etc. Duração: 98 minutos; Distribuição em
Portugal: Pris Audiovisuais; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em
Portugal 12 de Setembro de 2013.
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