segunda-feira, abril 14, 2014

TEATRO: REGRESSO A CASA


REGRESSO A CASA

 
Harold Pinter é um autor fascinante que surge em Inglaterra lá pelos anos 50 e 60 do século XX e que aparece a acompanhar os “angry young men”, mas deles se afasta nalguns aspectos, enquanto noutros faz parelha sem nunca se assumir. Mas há muito nas suas obras, pelo menos nalgumas, em que o espírito “kitchen sink drama” é visível, como alguma preocupação de um realismo social. Mas, se se aproxima por vezes, logo se afasta desse realismo, experimentando  uma toada que roça o teatro do absurdo. “O Regresso a Casa”, escrita em 1964, é a terceira peça longa de Harold Pinter e, para muitos, “debaixo da aparente banalidade do visível, a sua obra mais complexa”.

O cenário é único e fala-nos de uma modesta casa de um bairro operário do Norte de Londres. Ao centro, um cadeirão, símbolo do poder, onde se senta o pai, reformado, ex-talhante, empunhando a sua bengala. À sua volta, dois filhos, um que quer ser boxeur, outro que não se movimenta mal nas águas da prostituição. Há ainda um velho tio, que se acha o mais competente taxista da região. Um outro irmão, Teddy, que emigrou para os EUA, onde ensina filosofia numa universidade, regressa, nesse dia, a casa com a mulher, Ruth. Vem passar uns dias, apresentar a mulher, e pensa voltar rápido aos EUA.

Deve acrescentar-se que nesta casa onde coexistem quatro homens sem mulher, desde que a mãe dos rapazes partiu, nunca se chega a perceber muito bem quando e porquê, a presença de Ruth perturba a harmonia reinante (se é que essa harmonia existia). O que se sabe é que Ruth recusa regressar aos EUA com o marido, acede às investidas do proxeneta, seduz o aspirante a boxeur e destrona o pai de família, ocupando o cadeirão no centro do palco. Aceita e adopta o machismo instituído ou, pelo contrário, subverte a ordem das coisas e serve-se do seu sexo para estabelecer uma nova ordem (ou desordem)? Harol Pinter é perito nestas frias análises de conquista de poder através do sexo (veja-se o excelente argumento de “O Criado”, de Joseph Losey, com que esta peça mantem curiosas afinidades).

Sobre “O Regresso a Casa”, diz Jorge Silva Melo, que encena com rigor e interpreta o tio com um particular brilho nos olhos, que o "encanta trabalhar o teatro exacto de Harold Pinter, os silêncios, o humor, a crueldade, que o encanta a maneira que tem de fazer falar o mais simples objecto, como aqui faz com um copo de água, por exemplo. Que o encanta, igualmente, trabalhar com o João Perry, tal como o encantam estes actores, exactos."

Ora é também na interpretação que este “Regresso a Casa” oferece outro dos vários motivos de regozijo para o espectador. João Perry, que regressa aos palcos, Rúben Gomes, Maria João Pinho, Elmano Sancho, João Pedro Mamede e o próprio Jorge Silva Melo, são excelentes, sendo de realçar a magnífica dupla Perry-Silva Melo, que relembra o jogo de relógio que existia entre Jack Lemon e Walter Mathau. É um prazer vê-los, assim como a todos os outros, mas, no meu caso pessoal, é um prazer rever amigos em plena forma. O cenário e os figurinos de Rita Lopes Alves ajustam-se na perfeição, luz e som cumprem e “O Regresso a Casa” merece um regresso ao Teatro Nacional D. Maria II.

O REGRESSO A CASA de Harold Pinter; tradução: Pedro Marques; encenação: Jorge Silva Melo; cenografia e figurinos: Rita Lopes Alves; luz: Pedro Domingos; fotografias: Jorge Gonçalves; construção de cenário: Thomas Kahrel; assistência: Leonor Carpinteiro e Nuno Gonçalo Rodrigues; produção executiva: João Meireles; Intérpretes:  João Perry, Rúben Gomes, Maria João Pinho, Elmano Sancho, João Pedro Mamede e Jorge Silva Melo; co-produção: TNDM II, TNSJ, Artistas Unidos. M/16 anos.