REGRESSO
A CASA
Harold Pinter é um autor fascinante
que surge em Inglaterra lá pelos anos 50 e 60 do século XX e que aparece a acompanhar
os “angry young men”, mas deles se afasta nalguns aspectos, enquanto noutros
faz parelha sem nunca se assumir. Mas há muito nas suas obras, pelo menos
nalgumas, em que o espírito “kitchen sink drama” é visível, como alguma preocupação
de um realismo social. Mas, se se aproxima por vezes, logo se afasta desse
realismo, experimentando uma toada que roça
o teatro do absurdo. “O Regresso a Casa”, escrita em 1964, é a terceira peça
longa de Harold Pinter e, para muitos, “debaixo da aparente banalidade do
visível, a sua obra mais complexa”.
O cenário é único e fala-nos de uma modesta
casa de um bairro operário do Norte de Londres. Ao centro, um cadeirão, símbolo
do poder, onde se senta o pai, reformado, ex-talhante, empunhando a sua bengala. À sua volta, dois filhos, um que quer
ser boxeur, outro que não se movimenta mal nas águas da prostituição. Há ainda
um velho tio, que se acha o mais competente taxista da região. Um outro irmão,
Teddy, que emigrou para os EUA, onde ensina filosofia numa universidade, regressa,
nesse dia, a casa com a mulher, Ruth. Vem passar uns dias, apresentar a mulher,
e pensa voltar rápido aos EUA.
Deve acrescentar-se que nesta casa
onde coexistem quatro homens sem mulher, desde que a mãe dos rapazes partiu,
nunca se chega a perceber muito bem quando e porquê, a presença de Ruth
perturba a harmonia reinante (se é que essa harmonia existia). O que se sabe é
que Ruth recusa regressar aos EUA com o marido, acede às investidas do
proxeneta, seduz o aspirante a boxeur e destrona o pai de família, ocupando o cadeirão
no centro do palco. Aceita e adopta o machismo instituído ou, pelo contrário, subverte
a ordem das coisas e serve-se do seu sexo para estabelecer uma nova ordem (ou
desordem)? Harol Pinter é perito nestas frias análises de conquista de poder
através do sexo (veja-se o excelente argumento de “O Criado”, de Joseph Losey,
com que esta peça mantem curiosas afinidades).
Sobre “O Regresso a Casa”, diz Jorge
Silva Melo, que encena com rigor e interpreta o tio com um particular brilho
nos olhos, que o "encanta trabalhar o teatro exacto de Harold Pinter, os
silêncios, o humor, a crueldade, que o encanta a maneira que tem de fazer falar
o mais simples objecto, como aqui faz com um copo de água, por exemplo. Que o encanta,
igualmente, trabalhar com o João Perry, tal como o encantam estes actores,
exactos."
Ora é também na interpretação que este
“Regresso a Casa” oferece outro dos vários motivos de regozijo para o
espectador. João Perry, que regressa aos palcos, Rúben Gomes, Maria João Pinho,
Elmano Sancho, João Pedro Mamede e o próprio Jorge Silva Melo, são excelentes,
sendo de realçar a magnífica dupla Perry-Silva Melo, que relembra o jogo de
relógio que existia entre Jack Lemon e Walter Mathau. É um prazer vê-los, assim
como a todos os outros, mas, no meu caso pessoal, é um prazer rever amigos em
plena forma. O cenário e os figurinos de Rita Lopes Alves ajustam-se na
perfeição, luz e som cumprem e “O Regresso a Casa” merece um regresso ao Teatro
Nacional D. Maria II.
O
REGRESSO A CASA de Harold Pinter; tradução: Pedro Marques; encenação: Jorge
Silva Melo; cenografia e figurinos: Rita Lopes Alves; luz: Pedro Domingos; fotografias:
Jorge Gonçalves; construção de cenário: Thomas Kahrel; assistência: Leonor
Carpinteiro e Nuno Gonçalo Rodrigues; produção executiva: João Meireles; Intérpretes:
João Perry, Rúben Gomes, Maria João
Pinho, Elmano Sancho, João Pedro Mamede e Jorge Silva Melo; co-produção: TNDM
II, TNSJ, Artistas Unidos. M/16 anos.
1 comentário:
fiquei com vontade de ver.
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