ERENDIA! SIM, AVÓ
Gabriel Garcia Marquez escreveu, em 1972, um
conto a que deu o nome de “A Incrível e Triste História da Cândida Erêndia e da
sua Avó Desalmada”. Com base nesse conto, Rita Lello e o colectivo de “A
Barraca” criaram um espectáculo chamado “Erêndia! Sim, Avó”. Estreou agora e
vai estar no Cinearte até 30 de Julho.
Quando se assiste a um espectáculo qualquer,
à saída já sabemos se gostámos ou não. É a reação primeira. Gostei. Bastante.
Depois, com maior atenção vamos procurar saber por que gostámos ou não.
A história é simples: Erêndia, uma menina
adolescente, com cerca de 14 anos, vive com a sua avó, que trata de forma
desvelada. A tudo diz “Sim, Avó”. Na primeira cena, vemo-la a dar banho à
baleia da avó. Depois, trata de tudo na casa, vai-se deitar e, descuidada,
deixa que uma vela pegue fogo à casa. Salvam-se ambas, mas a avó contabiliza os
prejuízos. Um milhão de pesos, que a neta terá de pagar ao longo de oito anos,
que lhe vão sair do corpo. A avó “desalmada” calcula tudo: cerca de 60 a 70
homens lhe terão de passar por cima do corpo, diariamente, a uma média de 50
pesos cada. Assim acontece. A avó estabelece-se à porta da tenda e vai
cobrando. A miúda vai sofrendo e dizendo “Sim, Avó”. Uma história destas não
pode acabar bem. É para ver o que acontece que se assiste à peça.
Mas não se iludam. Uma história destas não é também
tão linear assim. Não se trata só da exploração de uma menor pela velha baleia
desalmada da avó. Pode pensar-se em algum país, ou países que contraíram
pesadas dívidas e que são obrigados a prostituírem-se para pagar o que devem
aos seus credores. Não me parece uma leitura excessiva.
Falemos agora rapidamente do espectáculo. Uma
excelente encenação de Rita Lello, inventiva, com magníficas soluções cénicas,
servida por um elenco muito coeso, onde sobressaem duas mulheres: obviamente a
extraordinária Maria do Céu Guerra, que compõe uma personagem de antologia, ao
criar a figura descomunal da avó desalmada, entre o odioso e o divertido, e a
jovem Sofia Rio Frio, uma quase estreante, que se mostra uma corajosa e
talentosa revelação.
Uma das conclusões a tirar é que “A Barraca”
consegue erguer um universo que tem muito de Garcia Marquez e do seu realismo
mágico. A peça consegue grande densidade e coerência, a que assacamos apenas
duas observações. Por vezes fica muito agarrada à escrita de Garcia Marquez,
pecando por alguma literatura a mais; em certos momentos da primeira parte
sente-se que o ritmo emperra nalgumas mudanças de cena, que são “tapadas” por
canções latino-americanas, cantadas ao vivo. Um pouco mais de ritmo e “era
brasa”.