sábado, outubro 27, 2018

SOBRE O BRASIL

O OVO DA SERPENTE
Foi Ingmar Bergman quem realizou um filme primoroso sobre a ascensão do nazismo na Alemanha. Chamava-se “O Ovo da Serpente”. “Cabaret”, de Bob Fosse, é outro excelente exemplo do mesmo tema. Há dezenas de outros filmes que nos ajudaram a compreender como Hitler chegou ao poder, inicialmente de forma legal, através de eleições livres.
Hitler tornou-se o primeiro Führer und Reichskanzler (Chefe e Chanceler do Reino), em 1934. Mas a sua ascensão iniciou-se em 1919, quando aderiu ao partido Deutsche Arbeiterpartei (DAP - Partido dos Trabalhadores Alemães), que um ano depois, seria o Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei - NSDAP (Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, ou Partido Nazi). Depois foi sempre a somar. Nas eleições de 1928, os nazis tiveram apenas 12 lugares no Reichstag. Mas, após a crise de 29, em 1930, já contavam 107 deputados e, em novas eleições, em 1932, eram o maior partido alemão com 230 lugares. Apesar disso, Hindenburg, o chanceler na época, recusou-se a dar todo o poder a Hitler. Mas este, através de conspirações e arranjos políticos, conseguiu chegar ao poder absoluto em 1934. Antes, na noite de 27 de fevereiro de 1933, o incêndio no Reichstag, atribuído aos comunistas, muito terá contribuído para consolidar as posições extremistas de Hitler. Mas não só. A Alemanha, saída dos “loucos anos 20”, oferecia um conjunto de circunstâncias muito férteis para o aparecimento de uma ditadura, implantada por força da vontade da maioria do povo, humilhado com as condições impostos internacionalmente pelo tratado de Versalhes (1919) aos derrotados da I Guerra Mundial. O descontentamento popular baseava-se num clima de grande instabilidade social, a crise de 1929, a falta de emprego, a agitação política provocado por partidos e grupúsculos de esquerda e extrema esquerda, o medo da revolução comunista e do caos anarquista, tudo isso ajudou a criar um clima propenso ao aparecimento de uma força autoritária que impusesse ordem e respeito no seio da sociedade germânica. Vamos mesmo mais longe, os excessos dos “anos loucos” ao nível dos costumes, das artes e de um certo deboche moral ajudaram à festa.
O incêndio do Reichstag, quer tenha sido ou não obra de comunistas, caiu como “sopa no mel” das aspirações de Hitler. Milhares de comunistas, socialistas, anarquistas foram enviados para o campo de concentração de Dachau. Os nazis aproveitaram a onda e dizimaram tudo o que ostentava ainda algum resquício de democracia. Foram proibidos todos os partidos, excepto obviamente Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, que passou a ser “partido único”, por decreto de 14 de Julho de 1933 que rezava assim: “Aquele que tentar manter ou formar um novo partido será punido com trabalhos forçados por três anos ou com prisão de seis meses a três anos, se a ação não estiver sujeita a penalidade maior, em conformidade com outros regulamentos. ” Perfeito. Podia começar a limpeza étnica, a perseguição a judeus, ciganos, negros, eslavos, gays, comunistas, socialistas, democratas em geral. Os campos de extermínio estavam ao virar da esquina e Hitler era ovacionado por milhões por onde passava (é bom não esquecer isto, veja-se “O Triunfo da Vontade”, de Leni Riefenstahl).
Obviamente que no final da guerra, mesmo os vizinhos dos campos de extermínio juraram a pés juntos que não sabiam de nada, que nunca ouviram falar em torturas e que Hitler, bem Hitler quem seria? Uns obedeciam a ordens que ninguém dava, outros quando iam às grandes manifestações era porque jogava o Bayern.
Não sei o que mais abomino, se ditadores que se impuseram por golpes de estado ou guerras civis se por eleição popular. Obviamente que os segundos jogam (de início) de acordo com as regras democráticas e estão, por isso, legitimados por quem acredita na democracia. Eu acredito. É um regime péssimo, mas todos os outros são muito piores.
Mas eu prezo muito a liberdade, por isso custa-me a acreditar que existam milhões que, em nome do que quer que seja, troquem a liberdade pela ditadura. Eu sei que o exercício da liberdade é difícil. É muito mais fácil ter alguém que nos diga qual o caminho, que nos coloque vendas nos olhos e nos obrigue a ir por aí (“Não, não vou por aí”, bem dizia José Régio num poema belíssimo). A liberdade obriga a escolhas sistemáticas, a um olhar crítico, a pensar, a optar por A ou B.
Mais simples é entregarmo-nos aos desígnios do Senhor, qualquer que ele seja, desde que tenha autoridade, autoridade essa que é sempre imposta pelo medo. Por isso se compreende que quando cai um regime fascista haja tantos eleitores seduzidos por um arauto comunista. Ambos oferecem um chefe forte, mesmo que de sinal contrário.
O que acontece agora no Brasil pode ser mais um exemplo medonho deste estado de espírito. Compreendo que a escolha entre os dois candidatos seja difícil. O PT de Lula tem muita responsabilidade sobre o que está a acontecer. O PT tem mais responsabilidades porque ludibriou os brasileiros que estavam com Lula numa percentagem de 80%. Mas a verdade também é que o PT não fez nem mais nem menos que todos os outros partidos brasileiros até aí. A política do Brasil sempre esteve baseada na corrupção. Era um dado aceito por (quase) todos. As dezenas de pequenos partidos que existiam (e existem) mais não serviam do que para serem comprados. As grandes empresas sempre estiveram ligadas ao poder. Nada disto era novidade, quando a direita resolveu puxar o tapete a Lula e ao PT. Depois estes responderam na mesma moeda e foi o que se viu: (quase) toda a gente foi parar à cadeia. E daí emergiu a figura de Bolsonaro, esgrimindo a luta contra a corrupção, o elogio da segurança com armas para todos, o racismo, de negros a índios, a misoginia, a ameaça à liberdade da comunicação social, o dedo apontado a todos os adversários políticos.

Adoro o Brasil que tão bem conheci entre 1980 e 2010. Terra fértil e linda, cheia de gente boa, talentosa em todos os campos. Temo pelo que possa acontecer a essa gente, mesmo a muitos que vão votar no desconhecido só porque querem mudar. Mas depois não digam que não sabiam de nada. Bolsonaro não podia ser mais directo, nem menos ambíguo.  


AINDA O BRASIL
Um país com quase 210 milhões de habitantes só consegue arranjar dois candidatos (finais) a Presidente da República como Bolsonaro e Haddad? Estranho. Interessante tentar perceber como se chegou aqui. Vejamos: Bolsonaro representa uma parte muito significativa do Brasil que está farto de toda a política que viveu até agora, farto dos partidos de “arco governativo”, que foram corruptos, que conduziram o país nos últimos anos a uma situação insustentável a vários níveis. Do outro lado, Haddad é o representante de um Presidente que está na cadeia e que muitos brasileiros pensam que iria comandar o Brasil por detrás das grades (antes de ter sido amnistiado, possivelmente). A escolha não é brilhante, portanto. Tanto mais que Haddad é objectivamente um candidato medíocre, não tem carisma, não se independentizou suficientemente em relação a Lula, não tem voz própria, e nem sequer tem voz física para se impor, não tem força no seu discurso, todo o contrário de Bolsonaro. Parece que ambas as candidaturas se notabilizaram (e irmanaram) apenas pela difusão de “fake news” tão na moda. Pelo menos é o que consta.
Como chegámos aqui? Como é possível que num país tão grande e tão poderoso como este não se encontre meia dúzia de justos democratas, credíveis e carismáticos, tanto faz que fossem de centro direita ou de centro esquerda, para surgirem a disputar o primeiro lugar. Isso só quer dizer que quem tem as mãos limpas não as quer sujar. O que dá bem ideia da situação a que se chegou.
Se julgamos que essa situação é o grau zero da política, podemos ter alguma razão. Mas existe uma ameaça abaixo deste grau zero. Ganhe quem ganhar no domingo, o que acontecerá segunda feira? Ou mais adiante, no início do ano, quando o Presidente eleito tomar posse. Raras vezes se viu um país tão dividido e com tamanho ódio de parte a parte. As guerras civis começam assim, e se tal não acontecer, como se deseja ardentemente, pelos menos os confrontos, mais ou menos armados, não serão de excluir. De parte a parte, quem perder não se quer render, nem aceitar os resultados como definitivos. Os dados estão lançados e fazem-se votos para que prevaleça o bom senso e se aguarde o mais serenamente possível o que o futuro nos trará. 
A verdade é que no caso destas eleições, tudo o que poderia correr mal, correu mal, ou pior ainda. Acreditemos que a partir de agora o que se pensa vir a correr mal, possa afinal correr melhor do que o esperado. O Brasil não merece o que lhe está a acontecer, muito embora sejam os seus habitantes a escolheram o futuro. 
Como chegámos aqui? Como é possível que num país tão grande e tão poderoso como este não se encontre meia dúzia de justos democratas, credíveis e carismáticos, tanto faz que fossem de centro direita ou de centro esquerda, para surgirem a disputar o primeiro lugar. Isso só quer dizer que quem tem as mãos limpas não as quer sujar. O que dá bem ideia da situação a que se chegou.
Se julgamos que essa situação é o grau zero da política, podemos ter alguma razão. Mas existe uma ameaça abaixo deste grau zero. Ganhe quem ganhar no domingo, o que acontecerá segunda feira? Ou mais adiante, no início do ano, quando o Presidente eleito tomar posse. Raras vezes se viu um país tão dividido e com tamanho ódio de parte a parte. As guerras civis começam assim, e se tal não acontecer, como se deseja ardentemente, pelos menos os confrontos, mais ou menos armados, não serão de excluir. De parte a parte, quem perder não se quer render, nem aceitar os resultados como definitivos. Os dados estão lançados e fazem-se votos para que prevaleça o bom senso e se aguarde o que o futuro nos trará.  
A verdade é que no caso destas eleições, todo o que poderia correr mal, correu mal, ou pior ainda. Acreditemos que a partir de agora o que se pensa vir a correr mal, possa afinal correr melhor do que o esperado. O Brasil não merece o que lhe está a acontecer, muito embora sejam os seus habitantes a escolheram o futuro. Acredito bastante que haverá muitos que escolham o exílio. Se “Deus é brasileiro” era bom que desse acordo de si nesta altura. 

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