segunda-feira, novembro 02, 2020

CINEMA: OS 7 DE CHICAGO

 

OS 7 DE CHICAGO

A América tem destas coisas: podemos estar muito zangados com uma metade, mas há sempre a outra metade a compensar e surpreender-nos. “Os 7 de Chicago”, de Aaron Sorkin, aí está para nos reconciliar com o lado menos podre da maçã, para nos fazer ver que a América é um país de contradições, onde é sempre possível recuperar a dignidade e que é quase sempre pela arte que lá vamos. Quer seja na literatura, na música, no teatro, nas artes plásticas, … no cinema.

Aaron Sorkin é um dos meninos bonitos de Hollywood, quer como argumentista, como dramaturgo, como realizador igualmente. Nascido num subúrbio de Nova Iorque (1961), formado na universidade de Syracuse, em teatro, começa a carreira como actor, mas rapidamente percebe que a sua vocação é a escrita. Assina algumas peças de sucesso, como "Hidden in This Picture", mas é sobretudo com “Uma Questão de Honra” (1992), que atinge uma certa consagração nos palcos. Passa depois ao cinema, notabilizando-se como o argumentista de série de televisão de antologia, como “Os Homens do Presidente” (1999), “Sports Night” (1998) ou “Newsroom” (2012-2014). No cinema colabora na versão final de “A Lista de Schindler” (1993) e assina os argumentos de “Uma Noite com o Presidente” (1995), “Má Fé” (1993), “Inimigo de Estado” (1998), “O Rochedo” (1996), “Bagagem Explosiva” (1997), “Jogos de Poder” (2007), “A Rede Social” (2010), Moneyball, Jogada de Risco” (2011), “Steve Jobs” (2015), “Jogos da Alta Roda” (2017) e, finalmente, “Os 7 de Chicago”. Os dois últimos são realizados por si.


“Os 7 de Chicago” arrisca-se a ser, desde já, um dos grandes candidatos aos Oscars de 2021. Aliás, a pandemia, e o reforço esperado da importância do
streaming, parecem colocar a Netfix em alto grau de probabilidade de ser uma das grandes vencedoras da próxima noite de atribuição de Oscars. Não só com este filme, mas com outros que se anunciam com igual possibilidade de figurarem na lista final dos nomeados e dos vencedores. Mas fiquemo-nos por agora neste “Os 7 de Chicago” que se baseia num caso verídico, ocorrido em Chicago, por ocasião da Convenção Nacional Democrata de 1968.

O filme explica e julgo que com grande precisão de factos, ainda que obviamente com um lado ficcionista que sempre se impõe, como as coisas aconteceram. Estamos em pleno período eleitoral na Convenção Democrata. O país vive angustiado com a Guerra do Vietname e com as medidas anunciadas pelo presidente Lyndon B. Johnson, recrutando mais e mais militares para o conflito. A juventude está revoltada e organiza várias marchas de protesto que irão confluir nas ruas e parques de Chicago. A convenção decorre no International Amphitheatre e a multidão dirige-se para lá. A polícia corta-lhe o acesso, em frente ao Conrad Hilton Hotel, onde os candidatos democratas à presidência e suas campanhas estavam sediados, e surgem os confrontos ali e em vários locais da cidade. Há cargas violentas, feridos, presos. Conta-se que no comício do Grant Park, na quarta-feira, 28 de Agosto de 1968, se reuniram mais de 15 mil manifestantes. Foram 5 dias e 5 noites de tumultos. Acusações de parte a parte. Polícia e manifestantes tanto são ora vítimas, como carrascos. As autoridades, na impossibilidade de prenderem todos, “elegeram” os “Chicago Seven” (originalmente Chicago Eight, ou Conspiracy Eight) que se iriam sentar nas cadeiras de réus: Abbie Hoffman, Jerry Rubin, David Dellinger, Tom Hayden, Rennie Davis, John Froines e Lee Weiner, todos acusados de conspiração, incitação à revolta e outras incriminações relacionadas a protestos contraculturais e contra a Guerra do Vietname. O oitavo era Bobby Seale, dirigente dos Black Panters, que, acusado de desacatos durante o julgamento, seria obrigado a abandonar a sala de julgamento e viria a ser condenado a quatro anos de prisão.  



Acontece que este caso ocorreu durante eleições nos EUA. Estava no poder Lyndon B. Johnson que viria a ser substituído pelo republicano Nixon, com as respectivas trocas noutros cargos. O de procurador-geral do presidente, inicialmente um democrata, Ramsey Clark, depois um republicano, John Mitchell, com tudo o que a rivalidade política e os pontos de vista divergentes impõem. O democrata teria uma opinião mais cordata, mais favorável aos manifestantes, os republicanos foram muito mais violentos nas acusações, desculparam as cargas policiais, o julgamento prolongou-se por meses, concluiu por condenações, a que se seguiram apelações e reversões, alguns dos sete acusados foram finalmente condenados, embora todas as condenações tenham sido, anos depois, revertidas.

Com base nestes dados, Aaron Sorkin escreveu um argumento que é sobretudo um filme de tribunal, que se acompanha com interesse redobrado, dada a tensão mantida e o desempenho de um vasto grupo de actores, todos eles excelentes. As peripécias do julgamento, a irreverência dos réus, a inteligência e a ironia do diálogo, a boa arquitetura narrativa, tudo isso se conjuga para a criação de uma obra notável, de coragem política (sobretudo em tempos de Trump na presidência) mas igualmente de dramatismo social. Erguer uma tal obra não terá sido muito fácil nos tempos actuais, por isso se compreende que surjam no genérico entre produtores e produtores associados e executivos, 44 nomes e 11 casas produtoras. Um esforço financeiro avultado certamente, mas sobretudo uma forma de multiplicar por muitos a responsabilidade de apresentar ao público uma tal obra. Note-se que alguns actores se encontram entre os produtores, caso por exemplo de Sacha Baron Cohen, o que transforma esta película numa espécie de manifesto que tem objectivamente muito de actual. Não por acaso surge nas vésperas da mais importante eleição que se realiza nos EUA desde há muito.


O elenco é grandioso e brilhante: Eddie Redmayne, Alex Sharp, Sacha Baron Cohen, Jeremy Strong, John Carroll Lynch, Yahya Abdul-Mateen II, Mark Rylance, Joseph Gordon-Levitt, Ben Shenkman Frank Langella, Michael Keaton, entre muitos outros, impõem uma galeria de tipos que dificilmente se esquecem assim como o galvanizante final que relembra obviamente as derradeiras imagens de “O Clube dos Poetas Mortos”.

A reconstituição de época é notável e todo o enquadramento técnico, da fotografia à banda sonora, passando pela montagem merecem os mais rasgados elogios. Um filme do ano, seguramente.


 

OS 7 DE CHICAGO

Título original: Título original: The Trial of the Chicago 7

Realização: Aaron Sorkin (EUA, 2020); Argumento:Aaron Sorkin; Produção: Max Adler, Cary Anderson, Sacha Baron Cohen, Gail Benefiel, Stuart M. Besser, Marc Butan, Dru Davis, Misook Doolittle, Maurice Fadida, Stephanie Garvin, Mickey Gooch Jr., J. Todd Harris, Matt Jackson, Anthony Katagas, Nancy Kirhoffer, Monica Levinson, Lauren Lohman, Laurie MacDonald, Kristie Macosko Krieger, Steve Matzkin, Jan McAdoo, Evan Metropoulos, Charles Miller, Jonathan Moore, Walter F. Parkes, Buddy Patrick, Marc Platt, Shivani Rawat, Joseph P. Reidy, Kristina Rivera, Andrew C. Robinson, James Rodenhouse, Cody Saintgnue, Emily Hunter Salveson, Sarah Schroeder-Matzkin, Thorsten Schumacher, Nicole Alexandra Shipley, Ryan Donnell Smith, Debra Taweel, Tyler Thompson, Jared Underwood, Nia Vazirani, Slava Vladimirov; etc. Música: Daniel Pemberton; Fotografia (cor): Phedon Papamichael; Montagem: Alan Baumgarten; Casting: Francine Maisler, Mickie Paskal, Jennifer Rudnicke; Design de produção: Shane Valentino; Direcção artística: Nick Francone, Julia Heymans, Ernesto Solo; Decoração: Andrew Baseman; Guarda-roupa: Susan Lyall; Maquilhagem: Tiffany Anderson, Budd Bird, Karen Brody, Eadra Brown, Nathan J. Busch II, Stephanie Cannone, Christen Edwards, David Grant, Vivian Guzman, Stacey Herbert, Troy Holbrook, Jon Jordan, Stephen Kelley, Rochelle Kneisley-Fisher, Karen Koenig, Jamie Leodones, Justine Losoya, Tarsha Marshall, Joanna McCarthy, Louise McCarthy, Amy Sue Nahhas, Zsofia Otvos, Sunni-Ali Powell, Lillian Sakamaki, Ray Santoleri, KeLeen J. Snowgren, Sarah Squire, 0Kacy Tatus, Pamela Turnmire, Gina Ussel, Catherine Woods, Jackie Zarn, Anna Zenner, Nakoya Yancey; Direcção de Produção: David Duque-Estrada, Charles Leslie, Charles Miller, Jonathan Shoemaker; Assistentes de realização: Kyle Casper, Pablo Gambetta, T.J. Hallett, Rachel Jaros, Joseph P. Reidy; Departamento de arte: Zach Doherty, Jennie Eps, Maxwell Fasen, Michael Fleming, Jacqueline Frole, Steve Garcia, Ben Gojer, Chesney Gregorie, Dylan E. Griffin, Samuel L. Kopels, Irene Krygowski, Leanne Macomber, Melissa Manke, Lauren Nigri, Ari David Schwartz, David Soukup, Scott Taft, Charles E Tiedje, Timothy W. Tiedje, Molly Welsh, etc. Som: Dan Kenyon, James B. Appleton, Davi Aquino, Tim Edson, Casey Genton, Michael Hertlein, Jonathan Klein, Jon Michaels, Adam Mohundro, Kevin Schultz, Ken Strain, Renee Tondelli, Thomas Varga, etc. Efeitos especiais: Allison Cayo, Drew Jiritano, James Klotsas, Carlton Nienhouse, Calvin Small; Efeitos visuais: Glenn Allen, Jasmine Carruthers, Unggyu Choi, Nick Constandy, Eran Dinur, Richard Friedlander, Daniel Gardiner, Mia Mallory Green, Austin Meyers, Yunsik Noh, Michelle Polacinski, Mani Trump, Michael Wharton, Ben Zylberman; Companhias de produção: Dreamworks Pictures, Amblin Partners, CAA Media Finance, Cross Creek Pictures, Double Infinity Productions, MadRiver Pictures, Marc Platt Productions, Paramount Pictures, Reliance Entertainment, Rocket Science, ShivHans Pictures; Intérpretes: Eddie Redmayne (Tom Hayden), Alex Sharp (Rennie Davis), Sacha Baron Cohen (Abbie Hoffman), Jeremy Strong (Jerry Rubin), John Carroll Lynch (David Dellinger), Yahya Abdul-Mateen II (Bobby Seale), Mark Rylance (William Kunstler), Joseph Gordon-Levitt (Richard Schultz), Ben Shenkman (Leonard Weinglass), J.C. MacKenzie (Thomas Foran), Frank Langella (Juiz Julius Hoffman), Danny Flaherty (John Froines), Noah Robbins (Lee Weiner), John Doman (John Mitchell), Michael Keaton (Ramsey Clark), Kelvin Harrison Jr. (Fred Hampton), Caitlin FitzGerald, Brady Jenness, Meghan Rafferty, Juliette Angelo, Brendan Burke, Tah von Allmen, Alan Metoskie, John Gawlik, Kevin O'Donnell, Gavin Haag, Alice Kremelberg, Tiffany Denise Hobbs, Steve Routman, Madison Nichols, John F. Carpenter, Larry Mitchell, Wayne Duvall, Mike Geraghty, Michael Brunlieb, etc. Duração: 129 minutos; Distribuição em Portugal: Netflix; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal (Netflix): 16 de Outubro de 2020.


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