OS 7 DE CHICAGO
A América tem destas coisas: podemos estar
muito zangados com uma metade, mas há sempre a outra metade a compensar e
surpreender-nos. “Os 7 de Chicago”, de Aaron Sorkin, aí está para nos
reconciliar com o lado menos podre da maçã, para nos fazer ver que a América é
um país de contradições, onde é sempre possível recuperar a dignidade e que é
quase sempre pela arte que lá vamos. Quer seja na literatura, na música, no
teatro, nas artes plásticas, … no cinema.
Aaron Sorkin é um dos meninos bonitos de
Hollywood, quer como argumentista, como dramaturgo, como realizador igualmente.
Nascido num subúrbio de Nova Iorque (1961), formado na universidade de Syracuse,
em teatro, começa a carreira como actor, mas rapidamente percebe que a sua
vocação é a escrita. Assina algumas peças de sucesso, como "Hidden in This
Picture", mas é sobretudo com “Uma Questão de Honra” (1992), que atinge uma
certa consagração nos palcos. Passa depois ao cinema, notabilizando-se como o
argumentista de série de televisão de antologia, como “Os Homens do Presidente”
(1999), “Sports Night” (1998) ou “Newsroom” (2012-2014). No cinema colabora na versão
final de “A Lista de Schindler” (1993) e assina os argumentos de “Uma Noite com
o Presidente” (1995), “Má Fé” (1993), “Inimigo de Estado” (1998), “O Rochedo”
(1996), “Bagagem Explosiva” (1997), “Jogos de Poder” (2007), “A Rede Social”
(2010), Moneyball, Jogada de Risco” (2011), “Steve Jobs” (2015), “Jogos da Alta
Roda” (2017) e, finalmente, “Os 7 de Chicago”. Os dois últimos são realizados
por si.
O filme explica e julgo que com grande
precisão de factos, ainda que obviamente com um lado ficcionista que sempre se
impõe, como as coisas aconteceram. Estamos em pleno período eleitoral na Convenção
Democrata. O país vive angustiado com a Guerra do Vietname e com as medidas
anunciadas pelo presidente Lyndon B. Johnson, recrutando mais e mais militares
para o conflito. A juventude está revoltada e organiza várias marchas de
protesto que irão confluir nas ruas e parques de Chicago. A convenção decorre
no International Amphitheatre e a multidão dirige-se para lá. A polícia
corta-lhe o acesso, em frente ao Conrad Hilton Hotel, onde os candidatos democratas
à presidência e suas campanhas estavam sediados, e surgem os confrontos ali e em
vários locais da cidade. Há cargas violentas, feridos, presos. Conta-se que no comício
do Grant Park, na quarta-feira, 28 de Agosto de 1968, se reuniram mais de 15
mil manifestantes. Foram 5 dias e 5 noites de tumultos. Acusações de parte a
parte. Polícia e manifestantes tanto são ora vítimas, como carrascos. As
autoridades, na impossibilidade de prenderem todos, “elegeram” os “Chicago
Seven” (originalmente Chicago Eight, ou Conspiracy Eight) que se iriam sentar
nas cadeiras de réus: Abbie Hoffman, Jerry Rubin, David Dellinger, Tom Hayden,
Rennie Davis, John Froines e Lee Weiner, todos acusados de conspiração,
incitação à revolta e outras incriminações relacionadas a protestos
contraculturais e contra a Guerra do Vietname. O oitavo era Bobby Seale, dirigente
dos Black Panters, que, acusado de desacatos durante o julgamento, seria
obrigado a abandonar a sala de julgamento e viria a ser condenado a quatro anos
de prisão.
Acontece que este caso ocorreu durante
eleições nos EUA. Estava no poder Lyndon B. Johnson que viria a ser substituído
pelo republicano Nixon, com as respectivas trocas noutros cargos. O de procurador-geral
do presidente, inicialmente um democrata, Ramsey Clark, depois um republicano, John
Mitchell, com tudo o que a rivalidade política e os pontos de vista divergentes
impõem. O democrata teria uma opinião mais cordata, mais favorável aos
manifestantes, os republicanos foram muito mais violentos nas acusações, desculparam
as cargas policiais, o julgamento prolongou-se por meses, concluiu por condenações,
a que se seguiram apelações e reversões, alguns dos sete acusados foram
finalmente condenados, embora todas as condenações tenham sido, anos depois, revertidas.
Com base nestes dados, Aaron Sorkin escreveu
um argumento que é sobretudo um filme de tribunal, que se acompanha com
interesse redobrado, dada a tensão mantida e o desempenho de um vasto grupo de
actores, todos eles excelentes. As peripécias do julgamento, a irreverência dos
réus, a inteligência e a ironia do diálogo, a boa arquitetura narrativa, tudo
isso se conjuga para a criação de uma obra notável, de coragem política
(sobretudo em tempos de Trump na presidência) mas igualmente de dramatismo
social. Erguer uma tal obra não terá sido muito fácil nos tempos actuais, por
isso se compreende que surjam no genérico entre produtores e produtores
associados e executivos, 44 nomes e 11 casas produtoras. Um esforço financeiro
avultado certamente, mas sobretudo uma forma de multiplicar por muitos a responsabilidade
de apresentar ao público uma tal obra. Note-se que alguns actores se encontram
entre os produtores, caso por exemplo de Sacha Baron Cohen, o que transforma
esta película numa espécie de manifesto que tem objectivamente muito de actual.
Não por acaso surge nas vésperas da mais importante eleição que se realiza nos
EUA desde há muito.
A reconstituição de época é notável e todo o
enquadramento técnico, da fotografia à banda sonora, passando pela montagem
merecem os mais rasgados elogios. Um filme do ano, seguramente.
OS 7 DE CHICAGO
Título original: Título original: The
Trial of the Chicago 7
Realização: Aaron Sorkin (EUA,
2020); Argumento:Aaron Sorkin; Produção: Max Adler, Cary Anderson, Sacha Baron
Cohen, Gail Benefiel, Stuart M. Besser, Marc Butan, Dru Davis, Misook Doolittle,
Maurice Fadida, Stephanie Garvin, Mickey Gooch Jr., J. Todd Harris, Matt
Jackson, Anthony Katagas, Nancy Kirhoffer, Monica Levinson, Lauren Lohman, Laurie
MacDonald, Kristie Macosko Krieger, Steve Matzkin, Jan McAdoo, Evan Metropoulos,
Charles Miller, Jonathan Moore, Walter F. Parkes, Buddy Patrick, Marc Platt, Shivani
Rawat, Joseph P. Reidy, Kristina Rivera, Andrew C. Robinson, James Rodenhouse, Cody
Saintgnue, Emily Hunter Salveson, Sarah Schroeder-Matzkin, Thorsten Schumacher,
Nicole Alexandra Shipley, Ryan Donnell Smith, Debra Taweel, Tyler Thompson, Jared
Underwood, Nia Vazirani, Slava Vladimirov; etc. Música: Daniel Pemberton;
Fotografia (cor): Phedon Papamichael; Montagem: Alan Baumgarten; Casting:
Francine Maisler, Mickie Paskal, Jennifer Rudnicke; Design de produção: Shane
Valentino; Direcção artística: Nick Francone, Julia Heymans, Ernesto Solo; Decoração:
Andrew Baseman; Guarda-roupa: Susan Lyall; Maquilhagem: Tiffany Anderson, Budd
Bird, Karen Brody, Eadra Brown, Nathan J. Busch II, Stephanie Cannone, Christen
Edwards, David Grant, Vivian Guzman, Stacey Herbert, Troy Holbrook, Jon Jordan,
Stephen Kelley, Rochelle Kneisley-Fisher, Karen Koenig, Jamie Leodones, Justine
Losoya, Tarsha Marshall, Joanna McCarthy, Louise McCarthy, Amy Sue Nahhas,
Zsofia Otvos, Sunni-Ali Powell, Lillian Sakamaki, Ray Santoleri, KeLeen J.
Snowgren, Sarah Squire, 0Kacy Tatus, Pamela Turnmire, Gina Ussel, Catherine
Woods, Jackie Zarn, Anna Zenner, Nakoya Yancey; Direcção de Produção: David
Duque-Estrada, Charles Leslie, Charles Miller, Jonathan Shoemaker; Assistentes
de realização: Kyle Casper, Pablo Gambetta, T.J. Hallett, Rachel Jaros, Joseph
P. Reidy; Departamento de arte: Zach Doherty, Jennie Eps, Maxwell Fasen,
Michael Fleming, Jacqueline Frole, Steve Garcia, Ben Gojer, Chesney Gregorie,
Dylan E. Griffin, Samuel L. Kopels, Irene Krygowski, Leanne Macomber, Melissa
Manke, Lauren Nigri, Ari David Schwartz, David Soukup, Scott Taft, Charles E
Tiedje, Timothy W. Tiedje, Molly Welsh, etc. Som: Dan Kenyon, James B.
Appleton, Davi Aquino, Tim Edson, Casey Genton, Michael Hertlein, Jonathan
Klein, Jon Michaels, Adam Mohundro, Kevin Schultz, Ken Strain, Renee Tondelli,
Thomas Varga, etc. Efeitos especiais: Allison Cayo, Drew Jiritano, James
Klotsas, Carlton Nienhouse, Calvin Small; Efeitos visuais: Glenn Allen, Jasmine
Carruthers, Unggyu Choi, Nick Constandy, Eran Dinur, Richard Friedlander,
Daniel Gardiner, Mia Mallory Green, Austin Meyers, Yunsik Noh, Michelle
Polacinski, Mani Trump, Michael Wharton, Ben Zylberman; Companhias de produção:
Dreamworks Pictures, Amblin Partners, CAA Media Finance, Cross Creek Pictures,
Double Infinity Productions, MadRiver Pictures, Marc Platt Productions,
Paramount Pictures, Reliance Entertainment, Rocket Science, ShivHans Pictures; Intérpretes:
Eddie Redmayne (Tom Hayden), Alex Sharp (Rennie Davis), Sacha Baron Cohen (Abbie
Hoffman), Jeremy Strong (Jerry Rubin), John Carroll Lynch (David Dellinger), Yahya
Abdul-Mateen II (Bobby Seale), Mark Rylance (William Kunstler), Joseph
Gordon-Levitt (Richard Schultz), Ben Shenkman (Leonard Weinglass), J.C.
MacKenzie (Thomas Foran), Frank Langella (Juiz Julius Hoffman), Danny Flaherty
(John Froines), Noah Robbins (Lee Weiner), John Doman (John Mitchell), Michael
Keaton (Ramsey Clark), Kelvin Harrison Jr. (Fred Hampton), Caitlin FitzGerald, Brady
Jenness, Meghan Rafferty, Juliette Angelo, Brendan Burke, Tah von Allmen, Alan
Metoskie, John Gawlik, Kevin O'Donnell, Gavin Haag, Alice Kremelberg, Tiffany
Denise Hobbs, Steve Routman, Madison Nichols, John F. Carpenter, Larry Mitchell,
Wayne Duvall, Mike Geraghty, Michael Brunlieb, etc. Duração: 129 minutos;
Distribuição em Portugal: Netflix; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de
estreia em Portugal (Netflix): 16 de Outubro de 2020.
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