REBECCA (1940)
No verão de 1939, David O. Selznick foi
buscar Alfred Hitchcock a Inglaterra e ofereceu-lhe trabalho em Hollywood.
Hitchcock era
na altura o mais famoso realizador inglês, já com alguns grandes sucessos de
público e de crítica, e compreende-se que um produtor como Selznick tenha
apostado tudo neste britânico, já um pouco gordo e sempre bonacheirão, que
criava uma fama de grande cineasta e de um apuradíssimo criador de atmosferas
de suspense.
Para iniciar essa colaboração, o produtor
ofereceu ao realizador a oportunidade de adaptar ao cinema, depois da tentativa
de Titanic, o romance de uma escritora então muito popular, Daphne Du Maurier,
“Rebecca”. Curiosamente a oferta caiu como ouro sobre azul, pois Hitchcock já
pensava, ainda em Inglaterra, adaptar este romance que tinha todos os
condimentos para se integrar harmoniosamente nos temas e nas preocupações do
cineasta.
Rebecca irá assombrar todos os minutos que
dura o filme, mas é uma presença invisível que se torna mais presente do que
muitas reais. Por todo o lado se insinua a forte presença desta mulher que é
descrita como muito bela, elegante, poderosa, absorvente. Tudo está marcado por
Rebecca, desde a roupa ao quarto fechado, da sua sedução e fascínio aos mais
intrigantes segredos que lentamente se irão descobrindo à medida que o filme
decorre. Se Rebecca é um nome constante, da segunda senhora Winter nunca iremos
saber sequer o nome próprio, emparedada entre Rebecca e Manderley. Se Rebecca é
uma presença obsidiante, Manderey impõe-se igualmente de forma obsessiva.
A juntar a estas individualidades de
personalidade dominadora (sim Manderley é uma das personagens do filme), há
ainda uma ama, Mrs. Danvers (a inesquecível Judith Anderson), que tudo fará
para igualmente se tornar uma presença, no mínimo obsessiva, a rondar o patológico.
Ela vive sob o domínio de Rebecca, a sua senhora, seguramente o seu amor,
concretizado ou não, disposta a perseverar a imagem da sua referência maior,
particularmente insatisfeita com a vinda de uma nova mulher a ocupar o lugar
daquela que para ela é insubstituível. Discretamente, de forma insidiosa, fará
a vida negra à segunda Mrs. Winter.
“Rebecca” é assim esta história de um
triangulo emocional entre Maxim e as suas duas mulheres, com uma curiosidade
extra, que a censura dos EUA introduziu no argumento: no romance de Daphne Du
Maurier tinha sido Maxim De Winter a assassinar a primeira mulher. No filme,
por imposição do Código Heys, que não permitia que um criminoso ficasse impune
no final de um filme, Hitchcock introduziu algumas alterações à história, que,
longe de tornarem a intriga mais “moral”, desafiam o espectador para outras
áreas de interpretação.
Vindo de Inglaterra, com uma história inglesa
debaixo do braço, Alfred Hitchcock, de colaboração com Selznick que lhe deu
(quase) inteira liberdade de escolha, optou por um elenco principal onde só
Joan Fontaine era naturalizada norte-americana (apesar de ter nascido em
Tóquio, de pai inglês). Laurence Olivier, George Sanders, Judith Anderson,
entre outros, eram ingleses.
Rodado na Califórnia, entre 8 de Setembro e 20 de Novembro de 1939, “Rebecca”, teve interiores captados nos Selznick International Studios, em Culver City, e exteriores em Big Sur, Point Lobos State Natural Reserve e Palos Verdes. Não sendo dos filmes de que o autor mais gosta, “Rebecca” terá sido um dos seus maiores sucessos, não só na altura da sua estreia (ganhou o Oscar de Melhor Filme, mas não o de Melhor Realizador, o que Hitch nunca alcançou, a não ser um Oscar honorário pela contribuição do seu trabalho total), como até hoje, sendo dos filmes que maior receita acumularam, entre todos os dirigidos a preto e branco pelo mestre do suspense.
Título original: Rebecca
Realização: Alfred Hitchcock (EUA, 1940); Argumento: Robert E. Sherwood, Joan Harrison, Philip MacDonald, Michael Hogan, segundo romance de Daphne Du Maurier; Produção: David O. Selznick; Música: Franz Waxman; Fotografia (p/b): George Barnes; Montagem: W. Donn Hayes; Direcção artística: Lyle R. Wheeler, William Cameron Menzies; Maquilhagem: Monte Westmore; Assistentes de realização: Edmond F. Bernoudy, D. Ross Lederman, Eric Stacey; Departamento de arte: Howard Bristol, Joseph B. Platt, Dorothea Holt; Som: Jack Noyes, Arthur Johns; Efeitos especiais: Jack Cosgrove; Efeitos visuais: Albert Simpson; Companhia de produção: Selznick International Pictures; Intérpretes: Laurence Olivier ('Maxim' de Winter), Joan Fontaine (Mrs. de Winter), George Sanders (Jack Favell), Judith Anderson (Mrs. Danvers), Nigel Bruce (Major Giles Lacy), Reginald Denny (Frank Crawley), C. Aubrey Smith (Coronel Julyan), Gladys Cooper (Beatrice Lacy) Florence Bates (Mrs. Van Hopper), Melville Cooper (Coroner), Leo G. Carroll (Dr. Baker), Leonard Carey, Lumsden Hare, Edward Fielding, hilip Winter, Forrester Harvey, Alfred Hitchcock (homem do lado de fora de uma cabine telefónica), etc. Duração: 130 minutos; Distribuição em Portugal: inexistente; Distribuição internacional: ABC (Espanha); Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 7 de Janeiro de 1941; Cópia original em inglês, com legendas em espanhol.
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