quarta-feira, novembro 04, 2020

CINEMA: REBECCA (1940)

 

REBECCA (1940)

No verão de 1939, David O. Selznick foi buscar Alfred Hitchcock a Inglaterra e ofereceu-lhe trabalho em Hollywood. Hitchcock era na altura o mais famoso realizador inglês, já com alguns grandes sucessos de público e de crítica, e compreende-se que um produtor como Selznick tenha apostado tudo neste britânico, já um pouco gordo e sempre bonacheirão, que criava uma fama de grande cineasta e de um apuradíssimo criador de atmosferas de suspense.

Para iniciar essa colaboração, o produtor ofereceu ao realizador a oportunidade de adaptar ao cinema, depois da tentativa de Titanic, o romance de uma escritora então muito popular, Daphne Du Maurier, “Rebecca”. Curiosamente a oferta caiu como ouro sobre azul, pois Hitchcock já pensava, ainda em Inglaterra, adaptar este romance que tinha todos os condimentos para se integrar harmoniosamente nos temas e nas preocupações do cineasta.


“Rebecca” é uma história fabulosa, um melodrama sentimental que assenta num clima fantástico, povoado de segredos e de mistérios, com um crime a pairar no horizonte e uma ambiguidade de situações invulgar. Esta “picturization” do romance de Daphne Du Maurier, como aparece escrito no genérico inicial, começa com uma voz off, e a câmara a percorrer o caminho que conduz a Marderley, ouvindo-se
"Last night I dreamt I went to Manderley again". Mas a acção inicia-se com uma cena fortíssima, na costa de Monte Carlo, com Maxim de Winter (Laurence Olivier) à beira de um penhasco sobre o mar em fúria, quando é surpreendido por uma mulher, que mais tarde será Mrs. de Winter (Joan Fontaine), que lhe grita para parar. Seria que Maxim se preparava para se suicidar? A verdade é que do encontro resulta uma paixão relâmpago entre os dois, casam e ele regressa com ela a Manderley, uma mansão enorme onde estivera casado com a primeira Mrs. Winter, de seu nome Rebecca.

Rebecca irá assombrar todos os minutos que dura o filme, mas é uma presença invisível que se torna mais presente do que muitas reais. Por todo o lado se insinua a forte presença desta mulher que é descrita como muito bela, elegante, poderosa, absorvente. Tudo está marcado por Rebecca, desde a roupa ao quarto fechado, da sua sedução e fascínio aos mais intrigantes segredos que lentamente se irão descobrindo à medida que o filme decorre. Se Rebecca é um nome constante, da segunda senhora Winter nunca iremos saber sequer o nome próprio, emparedada entre Rebecca e Manderley. Se Rebecca é uma presença obsidiante, Manderey impõe-se igualmente de forma obsessiva.

A juntar a estas individualidades de personalidade dominadora (sim Manderley é uma das personagens do filme), há ainda uma ama, Mrs. Danvers (a inesquecível Judith Anderson), que tudo fará para igualmente se tornar uma presença, no mínimo obsessiva, a rondar o patológico. Ela vive sob o domínio de Rebecca, a sua senhora, seguramente o seu amor, concretizado ou não, disposta a perseverar a imagem da sua referência maior, particularmente insatisfeita com a vinda de uma nova mulher a ocupar o lugar daquela que para ela é insubstituível. Discretamente, de forma insidiosa, fará a vida negra à segunda Mrs. Winter. 


“Rebecca” é assim esta história de um triangulo emocional entre Maxim e as suas duas mulheres, com uma curiosidade extra, que a censura dos EUA introduziu no argumento: no romance de Daphne Du Maurier tinha sido Maxim De Winter a assassinar a primeira mulher. No filme, por imposição do Código Heys, que não permitia que um criminoso ficasse impune no final de um filme, Hitchcock introduziu algumas alterações à história, que, longe de tornarem a intriga mais “moral”, desafiam o espectador para outras áreas de interpretação.

Vindo de Inglaterra, com uma história inglesa debaixo do braço, Alfred Hitchcock, de colaboração com Selznick que lhe deu (quase) inteira liberdade de escolha, optou por um elenco principal onde só Joan Fontaine era naturalizada norte-americana (apesar de ter nascido em Tóquio, de pai inglês). Laurence Olivier, George Sanders, Judith Anderson, entre outros, eram ingleses.

Rodado na Califórnia, entre 8 de Setembro e 20 de Novembro de 1939, “Rebecca”, teve interiores captados nos Selznick International Studios, em Culver City, e exteriores em Big Sur, Point Lobos State Natural Reserve e Palos Verdes. Não sendo dos filmes de que o autor mais gosta, “Rebecca” terá sido um dos seus maiores sucessos, não só na altura da sua estreia (ganhou o Oscar de Melhor Filme, mas não o de Melhor Realizador, o que Hitch nunca alcançou, a não ser um Oscar honorário pela contribuição do seu trabalho total), como até hoje, sendo dos filmes que maior receita acumularam, entre todos os dirigidos a preto e branco pelo mestre do suspense.

REBECCA

Título original: Rebecca

Realização: Alfred Hitchcock (EUA, 1940); Argumento: Robert E. Sherwood, Joan Harrison, Philip MacDonald, Michael Hogan, segundo romance de Daphne Du Maurier; Produção: David O. Selznick; Música: Franz Waxman; Fotografia (p/b): George Barnes; Montagem: W. Donn Hayes; Direcção artística: Lyle R. Wheeler, William Cameron Menzies; Maquilhagem: Monte Westmore; Assistentes de realização: Edmond F. Bernoudy, D. Ross Lederman, Eric Stacey; Departamento de arte: Howard Bristol, Joseph B. Platt, Dorothea Holt; Som: Jack Noyes, Arthur Johns; Efeitos especiais: Jack Cosgrove; Efeitos visuais: Albert Simpson; Companhia de produção: Selznick International Pictures; Intérpretes: Laurence Olivier ('Maxim' de Winter), Joan Fontaine (Mrs. de Winter), George Sanders (Jack Favell), Judith Anderson (Mrs. Danvers), Nigel Bruce (Major Giles Lacy), Reginald Denny (Frank Crawley), C. Aubrey Smith (Coronel Julyan), Gladys Cooper (Beatrice Lacy) Florence Bates (Mrs. Van Hopper), Melville Cooper (Coroner), Leo G. Carroll (Dr. Baker), Leonard Carey, Lumsden Hare, Edward Fielding, hilip Winter, Forrester Harvey, Alfred Hitchcock (homem do lado de fora de uma cabine telefónica), etc. Duração: 130 minutos; Distribuição em Portugal: inexistente; Distribuição internacional: ABC (Espanha); Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 7 de Janeiro de 1941; Cópia original em inglês, com legendas em espanhol.

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