O REGRESSO DE JULIA MANN A PARATY
de Teolinda Gersão
O livro é apresentado como sendo “três novelas que se entrecruzam de modo surpreendente”. Para mim é um romance dividido em três capítulos, três monólogos interligados, sendo que os dois primeiros se cruzam (Freud pensa sobre Thomas Mann, Thomas Mann pensa sobre Freud) e o terceiro (Júlia Mann, enquanto mãe dos diferentes Mann) mistura o monólogo com uma memória descritiva.
Júlia Mann nascera no Brasil, em Paraty, filha de um negociante alemão e de uma meia portuguesa, meia indígena. Foi para a Alemanha com seis anos de idade, onde foi considerada depois uma mulher muito bonita e hostilizada pela sua ascendência tropical e uma evidente sensualidade, ambas mal vistas pela sociedade germânica da altura (de meados do século XIX a inícios do seguinte). Todo o romance, aliás, funciona entre o desejo e o interdito, o que o torna uma peça de um erotismo refreado muito sugestivo.
Teolinda Gersão interessou-se por estas personagens, estudou as suas vidas e obras, interrogou as ligações que poderiam existir entre elas, nomeadamente através das suas realizações literárias, preencheu os espaços invisíveis com a sua ficção e deu-nos um magnifico trabalho, admiravelmente escrito, num tecido narrativo que entrelaça o devaneio com a filosofia, a interpretação literária e a psicanálise, e devolve-nos retratos imaginados, com base em factos reais, que nos envolvem e magnetizam.
Parece que a descoberta das origens brasileiras de Júlia Mann tem causado nos últimos tempos furor no Brasil. Esta obra de Teolinda Gersão será seguramente muito bem recebida por terras de Santa Cruz, ainda por cima numa altura em que os direitos da mulher são tão escrutinados.
Sou amigo de Teolinda Gersão há longa data. Seu admirador constante. Já sonhei realizar filmes com bases em obras suas (um deles sobre “A Casa da Cabeça de Cavalo”). Mas acho que este foi o seu trabalho que mais me entusiasmou. Creio mesmo que é uma das mais empolgantes criações literárias dos últimos anos em Portugal. Obrigado Teolinda, pelo prazer da leitura, em dias e noites de confinamento.
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