sexta-feira, janeiro 14, 2022

CINEMA: O PODER DO CÃO

 


O PODER DO CÃO


“The Power Of The Dog”, de Jane Campion, parte do romance homónimo do norte-americano Thomas Savage, publicado em 1967, mas é inteiramente rodado na Nova Zelândia, numa região onde se encontram as paisagens desoladas de Dunedin, Otago ou Oamaru, que a realizadora faz passar pelo estado de Montana, quando corre a década de1920, o que realmente acontece na obra de Savage.

Jane Campion aventura-se assim pelos terrenos do western, ela que é conhecida principalmente por “O Piano”, mas que tem no seu activo filmes como “Sweetie” (1989), “Um Anjo à Minha Mesa” (1990), “Retrato de Uma Senhora” (1996), “Fumo Sagrado” (1999), “In the Cut - Atracção Perigosa” (2003) ou o seu último trabalho em cinema, “Bright Star - Estrela Cintilante” (2009). Pois é verdade que Campion parte à conquista das grandes planícies e das imensas montanhas, mas “The Power Of The Dog” não partilha da grande aventura nos espaços exteriores, mas concentra-se numa interioridade que é explorada das formas mais invulgares e com resultados brilhantes e igualmente bastante perturbadores. Aliás se há adjetivo que se posso adaptar a esta obra é inquietante. No mínimo. No entanto, não existem aqui nem grandes rasgos de aventura nem tragédias tonitruantes, mas apenas tensão entre personagens. Faz lembrar certas experiências químicas: colocam-se vários líquidos num mesmo recipiente espera-se pelo resultado. Aqui colocam-se várias personagens num mesmo espaço desolado e analisam-se as reações.  

Numa paisagem inóspita, seca, céu azul toldado de nuvens, terra castanha e gado, vacas e cavalos, uma casa senhorial perdida no cimo de uma ligeira colina, dois irmãos inseparáveis, mas de feitios contrastantes, Phil e George Burbank (Benedict Cumberbatch e Jesse Plemons, respetivamente). Não serão bem Abel e Caim, mas os feitios afastam-se em muito. Phil é arrogante, viril e machista, virulento e tenso nas relações, arranca túbaros ao gado bovino com um canivete e uma frieza evidente. Toma banho nú na natureza, cavalga incessantemente e olha com desprezo seres que ele considera inferiores, obviamente. George é sensível, discreto, delicado, resolve casar com uma viúva, Rose Gordon (Kirsten Dunst), que traz consigo o filho, Peter (Kodi Smit-McPhee), precisamente um adolescente frágil e de apurada sensibilidade, roçando a feminilidade. Phil desconfia das intenções de Rose, e não aceita nada bem Peter. Se as coisas eram tensas, pioram. “The Power Of The Dog” vai acompanhando a rigidez das relações na vastidão da paisagem já de si dura e austera. A intimidade de uma família é o centro de análise, sem passar por qualquer estereotipo, vamos assistindo a alguns volte faces inesperados, mostrando que a natureza humana é muito mais complexa do que se pode supor a uma primeira vista.

Relações humanas bisturizadas, num clima de violência latente, onde por vezes afloram fantasmas sexuais que nada nos leva a supor concretizarem-se, mas que deixam lastro na narrativa.

Se a realização é sóbria, mas de um rigor formal e um vigor indesmentíveis, com uma fotografia magnifica e uma banda sonora inspirada, que dizer igualmente da representação de um grupo de actores admirável? Benedict Cumberbatch é um Phil Burbank nervosa, vigoroso, meio desequilibrado, mas sempre credível e ameaçador. O irmão é o magnifico e discreto Jesse Plemons num trabalho secreto, mas inesquecível. A sua mulher, Rose Gordon, é a brilhante Kirsten Dunst (ambos são casados na realidade), que se transfigura de “Maria Antonieta” para este retrato sombrio de uma viúva em busca de sobrevivência. Kodi Smit-McPhee é o Peter Gordon, uma revelação extraordinária. Os prémios, entre os quais os Oscars, avizinham-se.



O PODER DO CÃO

Título original: The Power of the Dog

Realização: Jane Campion (Nova Zelândia, Austrália, 2021); Argumento: Jane Campion, segundo romance de Thomas Savage; Produção: Jane Campion, Iain Canning, Roger Frappier, Rose Garnett, Simon Gillis, Phil Jones, Andrew Marshall, Tanya Seghatchian, Libby Sharpe, Emile Sherman, Chloe Smith, John Woodward; Música: Jonny Greenwood; Fotografia (cor): Ari Wegner; Montagem: Peter Sciberras; Casting: Nikki Barrett, Tina Cleary, Carmen Cuba, Nina Gold Design de produção: Grant Major; Direcção de artística: Matt Austin, Nick Connor, George Hamilton, Mark Robins; Decoração: Gareth Edwards, Amber Richards; Guarda-roupa: Kirsty Cameron; Maquilhagem: Sarah Bernard, Deirdre Cowley, Amanda Finlay, Kelly Mitchell, Claire Rutledge, Noriko Watanabe; Direcção de Produção: Victoria Boult, Colleen Clarke, Steven Eddy, Moira Grant, Karl Stieglbauer; Assistentes de realização: Renata Blaich, Matt Johnston, Phil Jones, Louise Spraggon, Claire Van Beek; Departamento de arte: Liam Beck, Sarah Cathie, Phil Clark, Rachael  Cooper, Sarah Dunn, W. Therese Eberhard, Michelle Freeman, Daniel Koene, Rachael McMahon, Ethan Montgomery-Williams, Jenny Morgan, Lia Neilson, etc.; Som: Dave Whitehead, Wick Boraso, Leah Katz, Robert Mackenzie, Mario Vaccaro, Sandy Wakefield, etc.; Efeitos especiais: Casey Belsham, Tanya Bidois, Brendon Durey, Richard Schuler; Efeitos Visuais: Jayce Attewell, Jason Hawkins, Andrew Hellen, Alison Ingram, Mark A. Millar, Eloise Miscamble, Bryn Morrow, Murray Smallwood; Companhias de produção: See-Saw Filmsrightstar, Max Films International, BBC Films, Cross City Films, New Zealand Film Commission; Intérpretes: Benedict Cumberbatch (Phil Burbank), Geneviève Lemon (Mrs Lewis), Jesse Plemons (George Burbank), Kodi Smit-McPhee (Peter Gordon), Kenneth Radley (Barkeep), Kirsten Dunst (Rose Gordon), Sean Keenan (Sven), George Mason (Cricket), Ramontay McConnell (Theo), David Denis (Angelo), Cohen Holloway (Bobby), Max Mata (Juan), Josh Owen (Lee), Alistair Sewell (Jock), Eddie Campbell (Stan), Alice Englert (Buster), Bryony Skillington (Queenie), Jacque Drew (Jeanie), etc. Duração: 126 minutos; Distribuição em Portugal: Netflix; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 1 de Dezembro de 2021.