domingo, junho 18, 2006

TODA A NUDEZ SERÁ CASTIGADA
de Nelson Rodrigues
(nos palcos de São Paulo)

encenação de 1965

"Herculano, você me interessou de cara. Te confesso. Talvez porque havia uma morta. Uma morta entre nós dois. E a ferida no seio. Eu não sou como as outras. Eu mesma não me entendo. Aos seis, sete anos, eu vi um cavalo, um cavalo de corrida. Senti então que não há ninguém mais nu do que certos cavalos". - Geni

"Se você contar, se disser que eu, eu. Tenho um filho, de dezoito anos. Um menino que nunca, nunca. Quando a mãe morreu quis se matar, cortando os pulsos. E meu filho não aceita o ato sexual. Mesmo no casamento. Não aceita. No dia do enterro, do enterro da minha mulher - quando voltamos do cemitério - ele se trancou comigo, no quarto. Quis que eu jurasse que nunca mais teria outra mulher. Nem casando, nem sem casar". - Herculano

"O ser humano é louco! E ninguém vê isso, porque só os profetas enxergam o óbvio". - Patrício

" (...) há entre nós e a loucura um limite que é quase nada!". - Herculano

"Assim como se nasce poeta, ou judeu, ou agrimensor - se nasceu prostituta!". - Herculano

"Herculano, quem te fala é uma morta. Eu morri. Me matei". - Geni


encenação de 2006,
com Leonardo Miggiorin (Serginho) e Claudia Bertazzi (Geni).

Na conhecida Rua Augusta, numa das transversais da Avenida Paulista, bem no centro de São Paulo, no Teatro do mesmo nome, Augusta, uma nova encenação da “tragédia carioca” de Nelson Rodrigues, “Toda a Nudez será Castigada”, uma comédia de costumes e de humor negro, que foi escrita por encomenda de Fernanda Montenegro. Quando leu a peça, uma história de amor e traição vivida por Geni, uma prostituta, e o industrial Herculano, que o dramaturgo brasileiro considerou uma "obsessão em três actos", Fernanda Montenegro começou por protestar, dizendo que esta não era uma “comédia”. Conta-se que Nelson Rodrigues terá tentado convencer Montenegro: "Mas isto é a comédia humana, minha flor!". A actriz não se satisfez com as explicações do dramaturgo e recusou a peça, alegando gravidez. Digamos que se trata realmente de uma comédia de humor corrosivo, onde se abordam temas graves e vícios tradicionais das famílias convencionais. È no interior numa destas famílias, onde acaba de falecer a matriarca, que iremos encontrar Herculano, o marido, um homem puritano que só tinha tido uma mulher na vida, e que promete a Serginho, o filho, que nunca mais conhecerá outra, depois do passamento da esposa.
Mas Patrício, o irmão de Herculano, que vive à custa deste, quer tê-lo bem na mão, afastado de toda a possibilidade de um funesto suicídio, que lhe retirasse a mesada. Para tanto coloca-lhe na frente uma fotografia de Geni, uma “cantora de inferninho”, integralmente prostituta e mulher irrecusável. Depois de uma bebedeira monumental, Herculano cai na armadilha, entra no bordel, onde encontra Geni e passa a noite com ela. O que o leva a um arrependimento profundo, quando descobre o desespero do filho, entretanto preso e violado na cadeia por um “Bandido Boliviano” que deixa rasto na história. Geni entretanto afirma-se apaixonada por Herculano, promete casar-se com ela, mas para que tudo isto resultar, precisa de afastar Serginho e colocá-lo em viagem. Acontece que o amor como vem, vai, Geni apaixona-se por Serginho e atraiçoa Herculano, e ambos preparam uma vingança com a cumplicidade de Patrício. Todos contra Herculano é o lema. Depois de uma moral impoluta, de um puritanismo que chega a arrepiar, eis que ascende a completa imoralidade. Afinal o “Bandido Boliviano” joga a cartada definitiva e nada ficará como antes. Nesta sociedade de um falso moralismo e de uma decência muito indecente, basta uma fagulha (Géni é uma fagulha e tanto!) para incendiar o rastilho.
Diálogos magníficos, enredo bem construído, critica social acérrima, excelente desenho de personagens, humor de uma acidez e mordacidade invulgar fazem desta peça (e de muitas outras) de Nelson Rodrigues, uma obra invulgar na dramaturgia brasileira. Há quem diga que é obra de um profundo pessimismo. “O mais pessimista de todos os seus trabalhos para o teatro.” E exlica: “Há obsessão nos firmes propósitos das personagens, criando um clima denso para a peça. E há obsessão no ritmo opressivo dos acontecimentos e na força contrastante das paixões. Geni quer dignidade através de uma paixão, antes que morra do câncer que receia e, ao mesmo tempo, deseja. Herculano descobre sua hipersexualidade e quer justificá-la através do projeto de redimir uma prostituta. Patrício vive para a vingança, afinal nunca se conformou com a "avareza" do irmão. Serginho divide-se entre a paixão incestuosa pela mãe já falecida e uma homossexualidade ainda não assumida.” Mas há quem tenha opinião diferente: "Em Toda Nudez será Castigada”, Nelson Rodrigues repete um de seus temas perenes, a crença no amor eterno como um baluarte contra os desgostos da vida. Mas acredita também na fatalidade do amor: porque oferece uma espécie de salvação, o amor pode se transformar numa busca desesperada, obsessiva, mórbida, levando ao suicídio ou homicídio". - David George


imagens do filme de Arnaldo jabor (1973)

“Toda Nudez Será Castigada” no cinema
Em 1973, o realizador Arnaldo Jabor (Eu Te Amo) adaptou ao cinema esta história de um viúvo puritano que se apaixona por uma prostituta, o que desencadeia uma tragédia em sua família. Entre os actores contavam-se Paulo Porto (Herculano), Darlene Glória (Geni), Paulo Sacks (Serginho), Paulo César Pereio (Patrício), Isabel Ribeiro (Tia), Hugo Carvana (comissário), Orlando Bonfim, Henriqueta Brieba, Elza Gomes, Sérgio Mamberti. A música era de Astor Piazzolla, a fotografia de Lauro Escorel, e o filme, segundo recordo, excelente, tendo ganho mesmo o Urso de Prata no Festival de Berlim, e dois Kikitos de Ouro, no Festival de Gramado, nas categorias de Melhor Filme e Melhor Atriz (Darlene Glória). Recebeu ainda uma menção especial para a trilha sonora.
“Toda Nudez Será Castigada”, conta-se, gerou uma situação insólita na época da sua estreia no Brasil, tendo sido um grande sucesso público e representado oficialmente o Brasil no Festival de Berlim. Entretanto, no auge da ditadura militar, o general António Bandeira, chefe do serviço de censura, viu o filme no cinema e achou-o imoral, ordenando a sua proibição. Assim o Brasil era representado por um filme que era proibido no país e, possivelmente, só foi novamente liberado em virtude de ter sido premiado no exterior.
Esta peça de Nelson Rodrigues foi encenada pela primeira vez em 1965, no Teatro Serrador(rj), com direção de Ziembinski, e Cleyde Yaconis no papel principal, tendo depois disso sido encenada diversas vezes, tornando-se um clássico absoluto.
25 anos depois da morte de Nelson Rodrigues (21 de Dezembro de 1980, no mesmo dia em que ganhou o totobola local!), o grupo Armazém Cia. de Teatro, do Rio de Janeiro, comemorava os seus 18 anos de existência com a montagem da peça “Toda Nudez Será Castigada”, no Centro Cultural do Banco do Brasil, numa homenagem a Nelson Rodrigues, com interpretação de Thales Coutinho, Patrícia Selonk, Fabiano Medeiros, entre outros. Paulo de Moraes e Maurício Arruda Mendonça, responsáveis pelo espectáculo, afirmaram em 2005: "Nelson Rodrigues é o maior génio da dramaturgia brasileira e isso justifica qualquer montagem".
Agora surgiu numa nova versão, uma montagem do diretor Josemir Kowalick que tentou suavizar o texto dramático de Nelson Rodrigues, inserindo momebntos de canto a dança como elementos do contexto da obra. Um casal de bailarinos de tango faz as ligações de cenas, pontuando a trajectória dos personagens. No elenco que apenas se pode considerar globalmente sofrível, sobressaem Leonardo Miggiorin (Serginho) e Claudia Bertazzi (Geni). Alexandre Contini, Cybeli de Thonet, Edney Veiga, Elisa Forsthofer, Fabio Capozzi, Joao Lima Junior, Neli Rodrigues, Nicolau Fares, Olayr Coan, Simone Guerra e Tiago Real nada acrescentam em particular a esta encenação sem grande brilho, que tenta adocicar o negrume de Nelson Rodrigues com passos de dança que se escusavam bem. Mas rever Nelson Rodrigues é sempre bom, sobretudo em su sitio: no Brasil. Dá vontade de rever o filme de Jabor.

Sobre Nelson Rodrigues e “Toda a Nudez Será Castigada” pode ver:
http://www.opalco.com.br/foco.cfm?persona=autores&controle=8
http://www.opalco.com.br/foco.cfm?persona=textos&controle=86
http://www.jornalismo.ufsc.br/nelson_rodrigues/toda_nudez.htm
http://www.telacritica.org/Nudez.htm
http://www.apetesp.org.br/campanha/todanudezseracastigada/

2 comentários:

anauel disse...

Permita-me uma correcção...

Hugo Carvana não fez o papel do Boliviano, mas sim o do delegado de polícia na hilariante cena passada na delegacia.

Saudações!

Lauro António disse...

Tem toda a razão. Já rectifiquei. Imagine que retirei os dados de uma obra brasileira sobre os filmes de Jabor. Um abraço.