segunda-feira, julho 03, 2006

ACTRIZES QUE ME MARCARAM (I)
Perguntam-me muitas vezes qual, ou quais, a minha, ou as minhas actrizes preferidas. Resposta dificil, mas que permite relancear uma vida povoada por mulheres que me emocionaram, me comoveram, me apaixonaram, me revoltaram, me entristeceram ou alegraram, mas sobretudo que me fizeram "sentir". "Sentir" é viver, e saber que se está vivo. No cinema como na vida. Na vida como no cinema.
Entre as actrizes que marcaram a minha vida de espectador de cinema, mas também a vida-vidinha do dia a dia, está obviamnte Natalie Wood, em vários papeis e interpretações inesquecíveis, mas sobretudo como Wilma Dean Loomis, no fabuloso e dilacrerante "Esplendor da Relva". Aqui fica uma evocação-homenagem a Dean Loomis. Porquê esta, e não outra, para começar a série? Pois há sempre o acaso a marcar as nossa vidas e as decisições que tomamos e por vezes há razões que a razão desconhece. Será?
Minhas Senhoras e meus Senhores, Dean Loomis ou, se preferirem, Natalie Wood!

DEAN LOOMIS
(NATALIE WOOD)
EM “ESPLENDOR NA RELVA”

“… e agora, apesar de perdido, o esplendor na relva e o tempo de glória da flor, em vez de chorar, buscaremos força no que para trás deixámos.” - Wordsworth

Na linha de “A Leste do Paraíso”, “Esplendor na Relva”, segundo argumento do escritor William Inge, volta a abordar um tema que tem por base o conflito entre pais e filhos. A imagem do pai autoritário de Kazan volta a surgir no horizonte desta história dramática de desencontros da vida, provocados pelo muito amor que os pais devotam aos filhos, mas que expressam de forma viciada por moralidades caducas e hipócritas e educações tendenciosas. Todo o drama desta obra nasce não de ódios ou vinganças, mas de amores obsessivos que criam um clima de claustrofobia evidente, que conduz à infelicidade.
1928, em vésperas da grande crise económica nos EUA, numa zona do Sudoeste do Kansas. Wilma Dean Loomis (Natalie Wood) ama Bud Stamper (Warren Beatty) e tudo parece correr no melhor dos mundos. O seu amor é sincero e recíproco, as famílias, apesar de alguma diferença de estrato social, respeitam-se e olham com bons olhos o romance. Os pais de Deanne preocupam-se apenas com o facto da filha dar um mau passo por precipitação (Afirma a mãe: “As raparigas querem-se sérias para casar. Vocês já foram longe demais? Uma rapariga não sente o desejo. O teu pai nunca me tocou antes de casar, e mesmo depois, foi só porque tinha de ser: as mulheres não sentem prazer como os homens. O seu maior prazer é serem mães.”). Os pais de Bud vêem no horizonte um futuro promissor (O pai: “Seres capitão de equipa é um orgulho para mim. Quando me aleijei lá foi a minha carreira de atleta. Tu hás-de ir longe. Vou-te mandar para a Universidade, quatro anos em Yale.”). Ambos projectam nos filhos os seus fracassos. Ambos são produtos de uma educação repressiva (Um médico explica a Deanne: “Não podes culpar só os teus pais por tudo. Eles também tiveram pais.”). A escola prolonga a educação para a “virtude”, com análises excessivas do mito dos Cavaleiros da Távola Redonda, seus altos ideias, sua grande admiração pela mulher que queriam “pura”. Na Igreja, o pároco faz belos sermões sobre aqueles que não devem “buscar os tesouros na Terra, mas sim onde não existe corrupção.” A teia envolve todos mas sobretudo os mais jovens. Bud e Deanne sentem o desejo, mas não podem “macular” o seu corpo. É preferível violentar a alma e agir hipocritamente (O pai de Bud explica-lhe: “Tu precisas é de um outro tipo de raparigas. Há dois tipos de mulheres.”).
A irmã de Bud é a ovelha negra da família, rebelando-se contra a hipocrisia reinante. Entre murmúrios, os vizinhos falam de um aborto em Nova Iorque, ela quer ir estudar Arte para a Califórnia, bebe, fuma, enfeitiça os rapazes com que se cruza, vai para a cama com qualquer um, desde o garagista, que faz contrabando de álcool e é casado. Na foto de família ela destoa deliberadamente da harmonia do conjunto, provoca escândalos na festa de passagem do ano e acaba escorraçada pelo pai, que não tem olhos senão para o filho.


Entretanto, a harmonia quebra-se, a economia arruína-se de um dia para o outro. Com o grande “crash” de 1929, as ruas das cidades cobrem-se de cadáveres de empresários e gestores na falência que se precipitam dos arranha-céus. Bud aceita viajar até Yale, afasta-se de Deanne. Esta entra em colapso emocional, tenta o suicídio e vê-se prisioneira de uma casa de repouso, depois de gritar “que não é uma menina como deve ser, não quero ser séria, não tenho orgulho nenhum do que sou.” Esta tragédia americana acaba em mágoa e melancolia, tal como a “ode”, de Wordsworth que dá origem ao título: “… e agora, apesar de perdido, o esplendor na relva e o tempo de glória da flor, em vez de chorar, buscaremos força no que para trás deixámos.” Uma “ode” ao conformismo e à resignação que foi deixando pelo caminho sonhos e esperanças…
Kazan não é leve na crítica, nem doce na tonalidade desta obra convulsiva e tremenda, sobretudo se vista enquadrada na época em que foi concebida. Nos anos 50 de uma América onde predominava o melodrama onde os jovens detinham especial lugar, “Splendor in the Grass” ocupa destacado lugar, mercê mais uma vez do talento de Elia Kazan para abordar com justeza de tom e violência de propósitos as querelas familiares e os desajustes de gerações. Natalie Wood (sublime!) e Warren Beautty, novas descobertas de Kazan, explodem na tela, impondo futuras carreiras de reconhecido mérito, acompanhados por um grupo de actores igualmente notável, como Pat Hingle, Barbara Loden (então mulher de Elia Kazan), Zohra Lampert, Sandy Dennis, entre outros.


In “Elia Kazan”, vol. da Col. Cine Clube da Biblioteca Museu República e Resistência.


Sem comentários: