quarta-feira, julho 26, 2006

“MODIGLIANI”

Nada conheço de Mick Davis. Sei que escreveu vários filmes e realizou dois, “Modigliani” é o segundo. Quem viu, e não deixará de recordar o Modigliano de Gérard Philipe, sob as ordens de Jacques Becker, não pode deixar de avançar para uma nova biografia do pintor com alguma desconfiança e um alto valor de comparação. Mas apagadas as luzes, acende-se o ecrã, e vê-se em grande plano um rosto de mulher, espantosa de expressão, que se nos dirige: “O que é o amor, sabe? Já o sentiu tão profundamente, ao ponto de se saber condenada ao inferno? Eu já o senti!” Arranque forte, dramático e uma mulher (Elsa Zylberstein), de olhar dorido e de rara beleza, a confrontar-nos com algo de irrecusável, um “amor louco”, de perdição, funesto. Ele deu tudo, até a vida por uma homem, que amou até ao desespero. Um amor daqueles que vale a pena sentir, nem que seja uma vez na vida. E vem daí o “flash back”, esse regresso ao passado, para um ou dois anos antes, e o filme entra na sua girândola de maneirismos, de um ultra-romantismo que ás vezes quase chega a ser simpático, de um ultra-decadentismo que eleva à última potência a figura mítica do “artista incompreendido e maldito”, que nos atira para um barroquismo de composição que raras vezes é suportável, e que impõe um estilo de representação gongórico e retórico: Andy Garcia é um dos produtores e dificilmente pode ser mais cabotino, deixado à solta por um realizador que não teve mão nele. Modigliani vai fazendo suceder poses, gestos, movimentos, tiques que o colocam sempre a “posar” para a eternidade e a compor a figura que se enquadra bem na tela.
Paris, 1919, artistas plásticos e escritores, galeristas e acompanhantes, à volta da mesa: Pablo Picasso, Maurice Utrillo, Max Jacob, Jean Cocteau, Zborowski, Soutine, Diego Rivera, Moise Kisling, Gertrude Stein, Renoir, Claude Monet, Berthe Weill ou Frida Kahlo, para lá de Amedeo Modigliani e do grande amor da sua vida, Jeanne Hébuterne. O Grande Salão dos Artistas, e o seu concurso, com 5 mil francos de prémio. A rivalidade entre Picasso e Modigliani, o vinho, a droga, os amores impetuosos, a frivolidade dos anos 20, as mansardas de Montparnasse, a vida boémia, os cafés, os restaurantes, as tabernas, a pintura, o “deus” Renoir e o reconhecimento do talento, e do sucesso: um palacete, vários carros, mulheres, um final de vida feliz, “mas pouco vinho”, para chegar a velho. A lição de Picasso, contra os excessos de Mody. Uma biografia redutora de um período de dois a três anos dos mais frenéticos da arte ocidental. Há momentos por vezes de algum encanto, raríssimos (Modigliani pintando Jeanine Hebuterne, no quadro em que ele finalmente lhe desenha os olhos, porque “lhe penetrou a alma”; a compita entre vários génios a conceberem os quadros que irão figurar na Exposição: pena a banda sonora de “vídeo clip” manhoso; a abertura e o fecho com uma fabulosa Elsa Zylberstein (valerá a pena sofrer duas horas para assistir ao início e ao fim desta obra?). Mas a generalidade é penosa.

MODIGLIANI (MODIGLIANI), de Mick Davis (EUA, 2004); com Andy Garcia, Elsa Zylberstein, Omid Djalili, Eva Herzigova, Udo Kier, Hippolyte Girardot, etc. 127 min; M / 12 anos.

1 comentário:

Claudia Sousa Dias disse...

Mais uma sugestão para passar no cine clube, em Famalidog!

Estou com muita vontade de ver...


CSD