“O HOMEM DO TEMPO”
“Nesta vida de merda, há que fazer escolhas. Temos de deixar algo de lado.” Quem o diz, quase no final do filme, é Robert Spritzel (Michael Caine), dirigindo-se ao filho, David Spritz (Nicolas Cage). O pai está à beira da morte com um cancro terminal, faz “o enterro em vida”, entre amigos, e parece em paz com todos os que o rodeiam, quando parte no seu “enterro à chuva”. Foi um escritor famoso, ganhou o Pulitzer e outros galardões, conhece a vida, e sabe que “nem todos os romances são bons para publicar”. Não corre atrás do sucesso. Deixa que o sucesso corra atrás dele. Sabe que alguns romances são para deitar fora. Outros para aproveitar. Como tudo na vida. Esta a lição que procura transmitir ao filho, um apresentador de meteorologia de um canal de televisão de Chicago, com um bom emprego, um bom salário, duas horas de trabalho por dia, boas perspectivas de se transferir para Nova Iorque, para um canal nacional, num programa de nome “Hello, América”, mas com um casamento arruinado, dois filhos com problemas, um pai a morrer com cancro, e várias tartes e gelados levados na cara quando passeia pelas avenidas da cidade onde diariamente explica para que lado sopra o vento e qual o “ponto frio da semana”. Resumindo, David Spritz é um tipo absolutamente normal, que se sente um falhado: bem instalado na vida mas mal acomodado ao falhanço. É daqueles que tenta fazer tudo para acertar, para salvar a (obesa e deprimida) filha da vergonha das calças com “pata de javali”, por afastar o filho, que já teve problemas com drogas, das arremetidas de um instrutor pedófilo, por reatar com a mulher, por acompanhar o pai a todas as consultas… Mas os seus actos resultam falhados, a flecha nunca acerta no alvo, e continuam a chover batidos e pernas de frango na sua direcção.
A vida de David Spritz não é por isso feliz, ele que idealizara um futuro risonho, e se sente apenas triste e melancólico, por momentos neurótico e fechado sobre si mesmo (todo o filme é acompanhado por longas reflexões introspectivas da personagem, que vamos ouvindo em off), nunca satisfeito com nada que faz. O seu trabalho é dar conta do vento que “sopra agora para este lado, logo para o contrário”, tal como ele próprio é atirado ao sabor da corrente, sem iniciativa própria. O pai vai-lhe dizendo que os pais sempre se preocupam com os filhos, qualquer que seja a sua idade, mas esse não é, porém, o problema de David Spritz: ele sempre se preocupou, mas possivelmente mal. Talvez por que não faz opções, e tenta acertar em todas as direcções. Praticar tiro ao alvo, actividade que iniciou vendo a filha, acaba por ser positivo para a sua personalidade. Traz-lhe alguma confiança, a certeza de que o seu romance é uma treta, a confirmação de que a vida de cada um é isto mesmo: uma prolongada viagem com acertos e desacertos, mas onde é preciso por vezes acertar uns murros na cara de quem os merece. Como quem acerta uma flecha no alvo.
Um magnifico trabalho de actores (Michael Caine, notável, sóbrio, rigoroso, sensível, Nicolas Cage, impressionante na sua fragilidade), um bom exercício de estilo, distanciado, plasticamente muito enxuto, com um excelente desenvolvimento de personagens e situações (argumento de Steve Conrad), “O Homem do Tempo” parece não ter estreado comercialmente em Portugal em cinema, mas surgiu agora em DVD, e vale a pena ser descoberto. A realização é assinada por Gore Verbinski (o celebrado realizador dos “Piratas das Caraíbas”, I, II e III, que já está em produção), o que não deixa de ser surpreendente. A verdade é que a direcção é forte e personalizada, os actores brilham, a sensibilidade passa… Um belo filme, doloroso e discreto, a que faltou seguramente o êxito de bilheteira. “Mas não se pode ter tudo, nesta vida de merda!” Gore Verbinski teve a coragem de escolher aqui um caminho pessoal.
O Homem do Tempo (The Weather Man), de Gore Verbinski (EUA, 2005), com Nicolas Cage, Michael Caine, Hope Davis, Nicholas Hoult, Gemmenne de la Pena, Michael Rispoli, Gil Bellows, etc. DVD (Paramount); 101 min; M/ 16 anos.
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