terça-feira, agosto 08, 2006

UM BLOG (POR DIA) PARA VISITAR (2)

"O PIANO" /
"AFINIDADES ELECTIVAS"

Aqui há anos, frequentávamos muito o café/restaurante Vávà. Eu continuo (moro ao lado, moro por cima), a ela, deixei de a ver. Era uma mulher bonita, loura (mas não das anedotas), prendada. Pintava. Aguarelas leves. Onde predominava o azul. Escrevia. Fazia coisa na televisão. Eu escrevia, fazia filmes, escrevia teatro e encenava algum. Um dia, um numa mesa, outro noutro, ou fomos apresentados ou começámos a falar, que de envergonhados nada temos. Nem eu, nem ela. Falámos durante dias, meses. Fomo-nos encontrando por aí. Um dia, ela fez uma exposição, e ou me convidou, ou me ofereci para lhe fazer a apresentação da sua pintura. Eu gostava daquelas aguarelas (e gostava da loura, reconheço), por isso nada me custou, muito pelo contrário, escrever meia dúzia de parágrafos a apresentar a Isabel Mendes Ferreira e a sua pintura. Continuámo-nos a ver mais algum tempo, depois cada um foi para o seu lado (mentira: eu continuo no VáVá), e pouco mais soube dela. Uma ou outra referência na comunicação social, pouco mais. Lamentava o facto. Era uma boa amiga, uma boa companhia, e uma loura daquelas que sabe bem ter ao nosso lado.
Ontem, descobriu-me na blogosfera e mandou-me um comentário simpatiquíssimo. Desvanecedor. Tinha re-encontrado a Isabel, e fui visitar os seus dois blogs, “
O Piano” e “afinidades electivas”, ambos de bom nível gráfico, bom gosto, sensibilidade, qualidade poética enfim, “coisas” bem da Isabel Mendes Ferreira que eu conhecia. Foi bom reencontrar-te, para já na blosgosfera, qualquer dia, se calhar, no Vává para pormos a conversa em dia (e eu matar saudades da loira. Ainda és?).
Entretanto, para se perceber do que fala, aqui fica um exemplo, retirado das “afinidades electivas”:

Quarta-feira, Agosto 02, 2006

o que não digo é público
o que não faço é visível.
o que não sinto é fatídico.
o que não é rio é chão.

e rio-me.
na palma da tua mão. pequena.
mescalina.

posted by Mendes Ferreira at 8:48 AM

e uma contribuição (em forma de foto) do EU&EU (Ângela, do blog “Sob o Signo de Antigona”?), parceira à altura deste blog.

Agora um texto e foto do blog “O Piano”, certamente o texto que inspirou o título. As fotos aparecem trocadas (liberdade artistica minha). A de "O Piano", que é do mais recente post (veja-se a qualidade de muitas das fotos deste belo blog), aparece no texto de cima, a debaixo é de "afinidades electivas).

O homem do piano


o branco e o negro. o silêncio inteiro. profundo.macio.palpável.
e a cabeça vazia. só mãos. as mãos e o corpo. agora nu. exposto. próximo dela. da morte. respirava-lhe o hálito. denso. doce. dardo a espetar-lhe um dedo de aço nos olhos. que fechou.
atacou então o piano. nada de clássicos. nada que antes existisse. uma orgia de sons.de gritos. de bemóis. um festim. uma gruta.
e o sexo a dançar-lhe nas mãos. e tocou. tocou até tocar sanguíneamente o tambor da guerra do fogo. e devagar porque morria depressa e todos os gestos eram de fome começou a lambe-la. como um cão como um lobo sedento e ávido e pária vadio e selvagem. primeiro a raíz dos cabelos fulvos como o sangue enrolados na testa arrepiados no contorno do rosto. desceu aos olhos e selou-os com fios de baba. caiu-lhe na boca. mergulhou-a de água e fez-lhe um ninho de saliva desde a raíz dos dentes à seara da língua agora dançarina. desvairada serpente sem véus nem espadas. apenas boca. profunda. molhada.
o mar o mar o mar a navegar-lhe a garganta. depois a vereda. o pescoço inclinado abrindo
sulcos e angulos e vales de pele escorregadia.
e escorregou lentamente sobre os seios altos. retirou a forma triangular com beijos de ostra.bebeu-se no suor que orvalhava como chuva na pele. e parou.

o coração atacava os ouvidos. tocava staccattos intensos. bravios. desconfortáveis. zumbidos de pássaros em cio a cercar-lhe os ombros. e a morte a aproximar-se. altiva. urgente. indomável. gélida. surda.

(mozart entra e toca. toca-me nas costas toda a lacrimoza)

e sentou-se. bem em cima do piano. alargando-me o olhar para o meio das pernas. que abriu. com a tenra teatralidade de um godot quase terno e desesperado. e ali estava a minha casa.naquele sexo ostensivamente vermelho de verão. era dia de colheita. os morangos cresciam. rosados e palpitantes. via-lhes a textura de língua sedenta e o cheiro inquietante.
ébrios de um vício opalino estremeciam à minha frente como chamas. queria tocar. tocar-lhes. atirar-me inteiro naquele dentro que era chão.
e iniciei-me então. ansioso e redondo abri-me como fenda como asa sabendo que a seguir morreria. quando ela fechasse as pernas. o tempo. o silêncio. o piano. tudo. revi em segundos uma vida de enganos e de facas de retornos e de falsos mapas e sem magoa nem medo entrei. todo.
entumescido. violento. aceso. nu. a sentir-me maduro. a explodir. a vir-me. como a chuva. como o mar sobre a areia. em noites de temporal.
entrei todo.
e ela fechou as pernas.
anoiteceu.
e o tempo caiu. avé maria de shubert. morri.
e o piano tocou. sozinho.

posted by Mendes Ferreira at 9:17 PM

7 comentários:

Vanda disse...

É sempre um prazer visitar um amigo da Isabel :)


Hoje o prazer desdobrou-se em ternuras do passado, num lençol alvo de memórias. Vossas.

...e, ainda ontem eu escrevia assim à Isabel: o blogspot lembra-me, desta forma, um cais de embarque, onde os que partem, se cruzam com os que chegam e, no encontro, celebram a vida, a rota que os fez, cruzarem-se...


:)

Voltarei decerto, também eu, aqui.


Um bom dia!

Van

Anónimo disse...

Isabel, há felizes coincidências mas nada acontece por acaso ;)
Boas férias!

Bonito texto, Lauro António.

Anónimo disse...

agradeço do fundo do coração as palavras. Pena nem todas/os terem blogs para eu visitar. há aqui muito bons textos em potência. nnann arella musashi, um blog de um único post? uma samurai? ou um?
um abraço de obrigado a todas, neste caso.Quanto as sessões, ás vezes há por ai coisas do género, sem ser na TV. podem sempre aparecer. seriam bem vindas/os. eu vou dando noticias. um dia destes tenho uma proposta a fazer a alguns blogs de eleição. vamos ver quando decido. LA

isabel mendes ferreira disse...

querido Lauro...tem cuidado com a minha especial amiga Nnannarella...:)é um daqueles samurais "podres" de cultos sabes...? faz do silêncio a soberana majestade da sabedoria...coisas...

bom e depois é culta tão esmagadoramente culta que cintila na maior lua da generosidade. a Verdadeira...

"e prontoS..."


(ah e já esclareci o mistério do meu pc... como se vê...)

:)

:)

BEIJOS.

Lauro António disse...

com uma samurai de tamanho mistério
não há hipotese de "este cavalheiro ser um bom compincha para instantes de permutas especiais, entre vinhos tintos, fumarada, fado vazio e miríades de referências e experiências." Como fazer então? O blog dela é daqueles de "vai ser bom,já foi."
BlahBlahBlah diz à tua amiga nnann arella musashi (esta gente é louca!) que dê novas ao seu vizinho. Bjs. LA
PS - Que teve o teu PC?

isabel mendes ferreira disse...

pronto...agora até me troca o nome....:)


o que vale é que não me zango....bem antes pelo contrário...:)


olha....vai tu dizer-lhe e "fascina-te..."


beijos....e o meu pc sofre de agudos ataques de timidez....de vez em quando fica esparvoado e perde.se.....coisas....felizmente passa-lhe....:)


bons "filmes"........

Anónimo disse...

desculpa a troca dos nomes. afinal não nada louca por isso. Bj. LA