terça-feira, setembro 12, 2006

LIVROS

“A IDEIA DE EUROPA”

Pode falar-se de uma "ideia de Europa"? Que significa a identidade europeia frente à América e à progressiva globalização? Que pode definir uma ideia de Europa? George Steiner interroga-se num brilhante e curto ensaio a que deu o título de “A Ideia de Europa”, e que parte de uma conferência que proferiu no “Nexus Institut” de Amesterdão, durante a presidência holandesa da União Europeia, em 2004. Há cinco itns para Steiner que podem ajudar a formar uma ideia de Europa. Todos eles de cariz cultural e humanista:
A reunião, a tertúlia nos cafés, a homenagem nas avenidas, ruas e praças a grandes nomes da arte, da ciência e do pensamento europeus, a relação do homem com a paisagem, a humanização da geografia, "a 'ideia de Europa' como um 'conto de duas cidades, " entre Atenas e Jerusalém”, “muito frequentemente, o humanismo europeu, de Erasmo a Hegel, procura diversas formas de compromisso entre ideais áticos e hebraicos” , e ainda um quinto elemento: a "consciência escatológica" - o "pânico do ano mil" -, que, no entender de Steiner, é exclusiva do modo de ser europeu, "como se a Europa (..) tivesse intuído que um dia ruiria sob o peso paradoxal dos seus feitos e da riqueza e complexidade sem par da sua História".
O ensaio começa mesmo por uma evocação portuguesa: "A Europa é feita de cafetarias, de cafés. Estes vão da cafetaria de Pessoa, em Lisboa, aos cafés de Odessa frequentados pelos gangsters de Isaac Babel. Vão dos cafés de Copenhaga, onde Kierkegaard passava nos seus passeios concentrados, aos balcões de Palermo. Desenhe-se o mapa das cafetarias e obter-se-á um dos marcadores essenciais da 'Ideia de Europa'". "Na Milão de Stendhal, na Veneza de Casanova, na Paris de Baudelaire, o café albergava o que existia de oposição política, de liberalismo clandestino".
Com prefácio de Durão Barroso na edição portuguesa (em Espanha o livro foi prefaciado por Mário Vargas Llosa), "a Europa tem na liberdade e na diferença a condição e garantia da sua diversidade".
Leia-se um excerto para se ter a consciência de que a inteligência é realmente um dom:

A Europa Ocidental e a Rússia Ocidental tornaram-se casas de morte, cenários de uma bestia­lidade sem precedentes, seja ela a de Auschwitz ou a do Gulag. Mais recentemente, o genocídio e a tortura regressaram aos Balcãs. À luz - dever-se-ia dizer “às trevas”? - destes factos, torna-se quase uma obriga­ção moral acreditar no termo da ideia europeia e das suas habitações. Com que direito deveríamos sobrevi­ver à nossa própria desumanidade suicida?
Cinco axiomas para definir a Europa: o café; a paisagem a uma escala humana que possibilita a sua travessia; as ruas e praças nomeadas segundo esta­distas, cientistas, artistas e escritores do passado — em Dublin, até nos terminais rodoviários se indica o caminho para as casas de poetas; a nossa descen­dência dupla de Atenas e Jerusalém; e, por fim, a apreensão de um capítulo derradeiro, daquele fa­moso ocaso hegeliano que ensombra a ideia e a subs­tância da Europa mesmo nas suas horas mais lumi­nosas.
E a seguir?”
.
“Há duas vozes que nos podem ajudar a encontrar o caminho.
Em Munique, no Inverno desesperado de 1918--1919, Max Weber proferiu uma palestra sobre o conhecimento e a ciência (Wissenschaft) enquanto vocação. Embora não completamente registada, a sua comunicação depressa se tornou um clássico. A Euro­pa jazia em ruínas. A sua civilização, a sua eminência intelectual, da qual o ensino secundário alemão tinha constituído garantia emblemática, revelara-se impo­tente face à demência política. Como se podia restau­rar o prestígio, a integridade da vocação do erudito, pensador e mestre? Profeticamente, Weber previu a americanização, a redução à burocracia gestora da vida do espírito na Europa. Como podia o ensino ser unido novamente à investigação científico-erudita, ao intelecto especulativo de primeira ordem? A rubrica abjecta da «correcção política» ainda não fora en­gendrada. Mas Weber viu e declarou o essencial: «A democracia deve ser praticada onde é apropriado. A formação científica, contudo, [...] implica a existên­cia de um certo tipo de aristocracia intelectual.» Antes de Benda, Weber estabeleceu o ideal austero de uma verdadeira intelectualidade: «A quem faltar a capaci­dade de colocar antolhos a si mesmo [...] e de se con­vencer de que o destino da sua alma depende da correcção ou não da sua interpretação de determi­nada passagem de um manuscrito, será sempre um estranho à ciência e ao estudo.» Os insensíveis àquilo que Platão designava como «mania», à possessão do seu ser pela demanda de verdades tantas vezes ardua­mente abstractas, não utilitárias, devem ir para outro sítio. Os cientistas, os eruditos e os artistas estão, nas palavras de Weber, comprometidos com um ideal sacrificial, antigo como os pré-socráticos e caracterís­tico do génio da Europa.”

2 comentários:

Hugo disse...

Este foi dos poucos livros relativamente recentes capazes de me fazer pensar. A inteligência de Steiner é finissima e a sua escrita é escorreita (parabéns ao tradutor, também, claro)

Anónimo disse...

fazer uma critica a esta obra, para um trabalho universitário está a por-me a cabeça em água, mas enfim... continuamos para bingo.