domingo, setembro 10, 2006

TEATRO EM LISBOA

“TRÊS NUM BALOIÇO”

“Três Num Baloiço”, do dramaturgo italiano Luigi Lunari, foi inicialmente levada à cena no Recreios da Amadora, em Julho deste ano, regressando agora no palco do Teatro Taborda. Foi a companhia “O Teatro dos Aloés” que optou por este texto de uma autor não muito conhecido em Portugal, mas de algum prestígio na Europa.
“O Teatro dos Aloés” reúne um conjunto de profissionais que partilharam uma série de projectos e experiências em comum. Muitos deles sobraram da Companhia da Malaposta, onde intervieram num importante grupo de realizações. São membros desta associação os actores e encenadores Elsa Valentim, Jorge Silva, José Peixoto, Luís Alberto, Mário Jacques, Rui Mendes, Rui Rebelo, Sofia de Portugal, Teresa Gonçalves e Victor Santos. A direcção do grupo pertence neste momento a José Peixoto, Jorge Silva e Elsa Valentim.
É o grupo quem anuncia as razões para a sua formação e para a escolha do nome da companhia:

“Em 1996 trabalhámos um magnifico texto de um autor sul-africano, Athol Fugard, que nos falava da amizade, da confiança nos outros, da resistência na luta em defesa de ideais, da beleza da poesia e da arte que fazem dos homens seres superiores e felizes, da força das ideias, da crença no progresso da humanidade e da tranquila sabedoria que é acreditar nesses objectivos.
Fazer teatro para nós significa contribuir para um esclarecido exercício da cidadania, a elevação moral e espiritual e o desenvolvimento cultural das populações para que trabalhamos.
Não temos a arrogância de propor soluções ou orientações. Não pensamos ser essa a função do teatro, nem ser no teatro que os problemas individuais ou sociais se resolvem.
Pensamos apenas ser o teatro um lugar indicado para a reflexão colectiva, o lugar onde é possível aos actores oferecer a sua própria reflexão a um grupo de pessoas interessadas e representativas do todo social.
Pensamos o teatro como o lugar próprio para levantar questões e partilhar problemas, partindo do princípio que os actores são pessoas iguais a tantas outras e portanto as suas inquietações devem ser idênticas.
Não temos dúvidas também que o facto de gente viva representar diante de gente viva, expressando-se com os mesmos meios que são os de toda a gente, podendo a sala e a cena trocar de funções a qualquer momento, dá ao teatro o privilégio da comunicabilidade e da identificação.
O teatro é um fenómeno de cultura.
Por isso aliamos à nossa experiência a herança do passado que nos estruturou o pensamento, nos permitiu a reflexão sobre o que hoje nos determina e é especificamente nosso, na organização do social, dos comportamentos privados e na perspectivação do futuro.
O teatro é uma arte do colectivo.
Para nós é clara a importância da prática teatral na estruturação da personalidade, na aprendizagem da vivência em colectivo e no exercício da democracia. Por isso, temos organizado cursos de Iniciação à Prática do Actor ou Cursos Complementares sobre autores, conforme o grau de relacionamento dos candidatos com o teatro.
Sabemos também que quem alguma vez teve acesso à prática teatral pode não se transformar num praticante profissional ou amador, mas certamente se transforma num espectador avisado.
Este relacionamento com o público leva-nos à organização de sessões de animação (conferências, debates, exibição de filmes ou vídeos, exposições sobre autores e teatros). Estas acções permitem que o público se sinta parte integrante de um projecto que é feito para ele, pensando nele e nas suas necessidades intelectuais e artísticas. Atentos às inquietações e vivências dos jovens, “O Teatro dos Aloés” cria uma unidade dinamizadora para este escalão etário. Complementamos a nossa acção com leituras encenadas e recitais de poesia porque sentimos que temos o dever de contribuir para a divulgação da língua portuguesa. "
“O Teatro dos Aloés” apresentou até à data os seguintes espectáculos, que dão bem a imagem das ambições e intenções do grupo: “A Vida Tem Destas Coisas” (2001), de Mário de Carvalho; “O Fantástico Francis Hardy, Curandeiro” (2002), de Brian Friel; “Amor, Verdade e Mentira”, de Marivaux (2002); “Ensaio2 (2002), de José Peixoto; “Sexta-Feira, Dia da Libertação” (2003), de Hugo Claus; “Stabat Mater Furiosa” (2003), de Jean-Pierre Siméon; “São Nicolau” (2003) de Conor McPherson; “A Grande Imprecação Diante das Muralhas da Cidade” (2004), de Tankred Dorst; “A Dança da Morte” (2005), de August Strindberg; “Os Malefícios do Tabaco” (2005), de de Anton Tcheckov; Os Guardas do Museu de Bagdad (2005), de José Peixoto; “Em Busca dos Lusíadas” (2005), a partir de Luís de Camões e “À Procura de Júlio César” (2006), de Carlos J. Pessoa.

“Três Num Baloiço” é uma peça bastante bem escrita e estruturada, baseada numa boa ideia inicial: três homens reúnem-se por acaso numa sala de uma casa num dia em que soa o recolher obrigatório para um exercício de segurança civil. Um industrial (Mário Jacques), um capitão do exército (Carlos Queiroz) e um professor universitário e escritor (Jorge Silva) entram por portas diferentes, em momentos diversos de uma mesma tarde, com objectivos distintos: um vem passar uma tarde de amor clandestino, numa pensão, outro vem a um escritório de advogados, outro dispõe-se a rever provas de um próximo livro de sua autoria numa editora. Todos têm passados diferenciados, mas o destino parece uni-los. Que sala é aquela, onde se chega, mas donde não se sai? Que tempo é este parado e suspenso? Que vale o ajuste de contas com o passado que cada um vai lentamente estabelecendo consigo próprio e com os outros? Será a morte quem os conduz?
Em tom de comédia, que apesar do absurdo da situação, e do simbolismo da mesma, nunca deixa de ser inteligente e inquietante, “Três Num Baloiço” revela-nos um autor que tem sobre a vida um olhar crítico contundente, mas compreensivo. Cada uma das personagens faz o seu acto de contrição, sobretudo depois do aparecimento da mulher da limpeza (Elsa Valentim), que personifica o proletariado com futuro, perante extractos sociais na agonia, mas há uma evidente ternura a envolver cada figura. É óbvio que esta é uma obra que releva das influências do marxismo, mas de um marxismo actualizado, moderno, pós-queda do Muro de Berlim. Com um humor que, à medida que a peça vai progredindo, se vai acentuando.
A peça de Luigi Lunari, apresentada com tradução de Paulo Eduardo de Carvalho, numa encenação escorreita e fluente de José Peixoto, com cenografia e figurinos de Ana Paula Rocha, música de Luís Cília e produção de Gija Peixoto, conta com a interpretação bem saboreada e divertida de Mário Jacques, Carlos Queiroz, Elsa Valentim e Jorge Silva. É sempre bom, numa comédia, sentir-se o próprio prazer dos actores no palco. Aqui ele é evidente, muito embora o calor apertasse na noite em que por lá passámos. Mas, antes ou depois, sempre se pode descer as escadas e abancar no Café Taborda (que funciona também como restaurante), com o velho casario de Lisboa aos pés, uma iluminação discreta e uma aragem boa a entrar pelas janelas. Pena o jantar não estar à altura da vista panorâmica. Mas para tomar um café ou uma outra bebida, não há muito melhor nesta Lisboa pitoresca.

1 comentário:

Anónimo disse...

Belíssimo espectáculo.