WORLD TRADE CENTER
“World Trade Center”, de Oliver Stone, o que é? Um homenagem aos desaparecidos do 11 de Setembro de 2001, mas sobretudo aos “aparecidos”, aqueles que, depois de terem sido dados como “desaparecidos”, renasceram das cinzas e regressaram à vida. Foram vinte segundo diz-nos o filme, num universo de quase 3.000 mortos. O filme foca sobretudo os casos dos 18º e 19º que voltaram de sob os escombros, dois polícias de Nova Iorque que pertenciam a um dos grupos que primeiro entraram nas torres gémeas, depois destas terem sido atingidas, mas antes de terem derrocado. John McLoughlin (Nicolas Cage)e Will Jimeno (Michael Pena), do Departamento da Polícia Portuária, que estão vivos e contaram ao cineasta a sua história verídica: como acordaram com a cidade (belíssimas sequências do alvorecer de NY), como se dirigiram à esquadra a que pertenciam, como foram colocados na rua em serviço de rotina, como ouviram à distância algo de muito estranho, como voltaram a ser chamados à esquadra e enviados para as torres gémeas, onde dois aviões comerciais acabavam de embater, como procuraram ajudar as pessoas a sair do edifício, como notaram que algo de mais grave ainda se iria passar, como correram para o fosso dos elevadores, onde se refugiaram da hecatombe que lhes caiu do céu. Como de um momento para o outro, de um grupo de resgate sobreviviam apenas três, logo depois dois, entaipados por montanhas de pedras, chamuscados por ventos de fogo que atravessavam o ar, com o peito e as pernas desfeitos por blocos de cimentos, e como não deviam adormecer, estar acordados, sobreviver, sobreviver, sobreviver sempre, até que o milagre acontecesse. Aconteceu. Foram descobertos e retirados com vida. Este o relato da coragem de dois homens, de um grupo de pessoas, de uma cidade, de um país, da Humanidade: acreditar sempre que, mesmo nos piores momentos, não devemos desistir, não nos devemos entregar, não podemos adormecer.
OK. Isto é uma das metáforas do filme. A outra: cá fora, em casa, na rua, nos hospitais, nas esquadras de polícia, familiares e amigos torcem bravamente, tragicamente, dolorosamente pela sorte dos que morriam e desapareciam naquele trágico dia, naquele trágico local. É uma América solidária, sem olhar a cores ou credos que se abraça, se une, se ajusta para formar uma barreira contra a desgraça. Há um momento brilhante numa sala de espera de um hospital, quando uma branca e uma negra trocam confidências sobre marido e filho. E se abraçam, e choram, e naquele momento não se compreende o que é isso de racismo, de divisões sociais, de diferenças. É a humanidade que se abraça, a branca e a negra, as lágrimas que se fundem, eu, tu, elas, eles. Segunda metáfora do filme.
Ok. Mas será este o filme desapaixonado politicamente que muitos apregoam? Não há filmes apolíticos. Nada é apolítico. Tudo é político: um filme, um texto, uma posição assumida, um olhar, um gesto. Um travelling em cinema, como já dizia Godard. Uma questão de moral, logo uma questão também estética, política. Tudo tem a ver com tudo. Logo após os atentados de 11.9.2001, Oliver Stone parece ter afirmado “que os Estados Unidos estavam a pagar pela arrogância com que tratavam o resto do mundo”. Toda a gente pensava agora num filme que fosse uma crítica contundente à administração de George W. Bush. Oliver Stone ignorou a questão. Em lugar de um filme para dividir os americanos, tentou realizar um filme para unir os americanos. Acontece que não ignorou George W. Bush e colocou-o, numa emissão de televisão, a proferir um discurso “anódino”. E não se esqueceu de citar também o fuzileiro Dave Karnes (Michael Shannon, branco quando o verdadeiro Karne é negro), figura central no salvamento dos dois polícias, mas que tem um discurso (discreto, é certo), de vingança que parece ratificar toda a política subsequente da Administração Bush. Às vezes, ao se querer ser muito imparcial, cai-se no extremo oposto. “World Trade Center”, de Oliver Stone, que os falcões americanos apreciaram, com alguma surpresa, deixa-nos a nós também de alguma forma surpresos. Julgo que “United 93” cumpre muito melhor as suas funções. Além de que “World Trade Center” não nos parece ser também cinematograficamente uma obra brilhante, apenas um eficaz trabalho na linha do “filme catástrofe”, ajudado por bons actores (além dos já citados, refira-se ainda a excelência dos desempenhos de Maria Bello e Maggie Gyllenhaal), onde o talento evidente de Oliver Stone vem ao de cima aqui e ali. Mas esta tendência para ser, ao menos uma vez na vida, um “bom americano”, acho que o tramou. Bom americano sempre foi quando foi irreverente e cáustico. Não quando se curva à maioria (a 50% dos americanos, diga-se que há uns anos já) em nome de uma unanimidade que não existe.
OK. Isto é uma das metáforas do filme. A outra: cá fora, em casa, na rua, nos hospitais, nas esquadras de polícia, familiares e amigos torcem bravamente, tragicamente, dolorosamente pela sorte dos que morriam e desapareciam naquele trágico dia, naquele trágico local. É uma América solidária, sem olhar a cores ou credos que se abraça, se une, se ajusta para formar uma barreira contra a desgraça. Há um momento brilhante numa sala de espera de um hospital, quando uma branca e uma negra trocam confidências sobre marido e filho. E se abraçam, e choram, e naquele momento não se compreende o que é isso de racismo, de divisões sociais, de diferenças. É a humanidade que se abraça, a branca e a negra, as lágrimas que se fundem, eu, tu, elas, eles. Segunda metáfora do filme.
Ok. Mas será este o filme desapaixonado politicamente que muitos apregoam? Não há filmes apolíticos. Nada é apolítico. Tudo é político: um filme, um texto, uma posição assumida, um olhar, um gesto. Um travelling em cinema, como já dizia Godard. Uma questão de moral, logo uma questão também estética, política. Tudo tem a ver com tudo. Logo após os atentados de 11.9.2001, Oliver Stone parece ter afirmado “que os Estados Unidos estavam a pagar pela arrogância com que tratavam o resto do mundo”. Toda a gente pensava agora num filme que fosse uma crítica contundente à administração de George W. Bush. Oliver Stone ignorou a questão. Em lugar de um filme para dividir os americanos, tentou realizar um filme para unir os americanos. Acontece que não ignorou George W. Bush e colocou-o, numa emissão de televisão, a proferir um discurso “anódino”. E não se esqueceu de citar também o fuzileiro Dave Karnes (Michael Shannon, branco quando o verdadeiro Karne é negro), figura central no salvamento dos dois polícias, mas que tem um discurso (discreto, é certo), de vingança que parece ratificar toda a política subsequente da Administração Bush. Às vezes, ao se querer ser muito imparcial, cai-se no extremo oposto. “World Trade Center”, de Oliver Stone, que os falcões americanos apreciaram, com alguma surpresa, deixa-nos a nós também de alguma forma surpresos. Julgo que “United 93” cumpre muito melhor as suas funções. Além de que “World Trade Center” não nos parece ser também cinematograficamente uma obra brilhante, apenas um eficaz trabalho na linha do “filme catástrofe”, ajudado por bons actores (além dos já citados, refira-se ainda a excelência dos desempenhos de Maria Bello e Maggie Gyllenhaal), onde o talento evidente de Oliver Stone vem ao de cima aqui e ali. Mas esta tendência para ser, ao menos uma vez na vida, um “bom americano”, acho que o tramou. Bom americano sempre foi quando foi irreverente e cáustico. Não quando se curva à maioria (a 50% dos americanos, diga-se que há uns anos já) em nome de uma unanimidade que não existe.
WORLD TRADE CENTER (World Trade Center), de Oliver Stone (EUA, 2006), com Nicolas Cage, Michael Pena, Maria Bello, Stephen Dorff, Jay Hernandez, Maggie Gyllenhaal, etc. 129 min; M/12 anos.
3 comentários:
passo sim. volto. e re.volto.
e gosto. de gostar....:)
(ainda não vi este filme....mas sei que é pra ir...)
beijos...
todos.
(mimado)
:))))
Fui ver ontem o World Trade Center e saí da sala a gostar ainda mais do Oliver Stone, sobretudo, porque ele não se deixou tentar pela exploração da desgraça e da tragédia. O que é sugerido no filme, o que não se vê, funciona na perfeição. Tocou-me especialmente a cena do hospital, aquela que refere no seu texto, entre a mulher do polícia e a mãe do miúdo. Às vezes aborrecemo-nos com coisas tão inúteis e depois ...
Este eu vou ver com o Pedrocas!
CSD
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