quarta-feira, outubro 18, 2006

LIVROS

LEITURAS

Com a organização do Festival de Seia (começa a 20), não tenho tido muito tempo para o blog. Nem tenho ido ao cinema, nem ao teatro, nem sequer visto DVDs em casa. Não será bem assim: ontem revi Rita Hayworth e Glenn Ford em “Affair in Trinidad”, de Vincent Sherman, e, se bem que não se aproxime, nem de perto nem de longe, de “Gilda” ou “Notorius”, modelos que obviamente procura “recuperar”, é um thriller que se vê bem, com um belíssimo preto e branco, e uma Rita Hayworth como sempre de cortar a respiração. Tinha então 34 anos, acabara de divorciar-se de Ali Khan, e pretendia regressar em glória. Duas magníficas cenas de dança / canção ("Trinidad lady" e, sobretudo, "I've Been Kissed Before," que tem tudo a ver com o fabulosa "Put the Blame on Mame", de "Gilda") chegariam para valer a pena, tanto mais que tem Glenn Ford por perto.
Mas se tenho saído pouco, lá vou lendo umas coisas. Na livraria folheei “Não Contem aos nossos Filhos”, a confissão de uma puta portuguesa que, acompanhada pelo marido, “atendeu” clientes de norte a sul de Portugal, sempre com o esposo, ou no quarto, a “interagir”, ou por perto, ambos com dificuldades económicas para manterem um belo apartamento (elogiado pelos visitantes), o carro e as duas crianças. Comprei para ler. Gosto de ler tudo. Curiosidade insaciável. Li. Em nome das dificuldades tudo se justifica (se calhar até estas confissões anódinas de quem nada tem de especial para contar, editadas pela “Oficina do Livro”), mas o curioso, o desarmante, é a lata moralista da “Rita” (pseudónimo), que “julga” toda a gente que lhe pagou pelos serviços. Para ela, tirando um coimbrão bonito e bem fornecido, o resto é tudo pessoal moralmente depravado e sexualmente frustrado. Ela não. Enfrentou de caras o que havia a fazer. Acabada a empreitada, regressaram marido e mulher a casa, sem problemas. “Não Contem aos nossos Filhos”. Por mim, podem estar descansados.
Mal acabei, peguei em “O Elogio da Intolerância”, de Slavoj Zizek, e comecei a ler aquele que dizem ser um dos mais interessantes e estimulantes intelectuais e filósofos da actualidade. O livro começa bem, com uma espécie de interpretação da merda, como elemento de valorização civilizacional, tendo em conta a forma com a mesma é tratada nas sanitas da Alemanha, de França e dos EUA. Depois, parece-me realmente de leitura estimulante, numa linha radical que propõe a recuperação dos movimentos sociais e das revoluções que cortem com qualquer tipo de conciliação que só favorece as forças no poder. Logo a “sociedade ocidental, machista, capitalista, dominada pelos EUA.” Uma espécie de marxismo recuperado e estripado do que provou ser perverso. Em vez dos “sans coulete” e dos “proletários de todo o mundo”, agora são os “sem parte”. Continuarei a ler, e já tenho em fila de espera “A Subjectividade por Vir” e “Bem-Vindo ao Deserto do Real”. Do mesmo. Comprei por atacado. Ainda por cima é cinéfilo. Muito.
Entretanto li, reli, releio, continuarei a ler “Outro Nome, Escassez, As Aves”, poesia de Gastão Cruz. Muito bom. E mais uma tradução magnifica de Aníbal Fernandes, “Sem Amanhã”, de Vivant Denon, uma pequenina pérola francesa (que em cinema deu “Os Amantes”, de Louis Malle). Aníbal Fernandes não traduz só magnificamente, como faz de cada seu trabalho um enquadramento histórico e literário que clarifica e torna muito mais densa a leitura. De Aníbal Fernandes tenho para comentar já há umas semanas uma tradução notável, “Zaroff (O Jogo Mais Perigoso)”, de Richard Connell, que deu uma obra-prima do cinema fantástico, e que neste volume, editado pela Assírio e Alvim, agrupa a novela do escritor e o guião do filme. E ainda uma introdução histórica impressionante de informação recolhida e condensada. A não perder. Sobretudo por quem goste de literatura e cinema fantásticos. Realmente fantásticos.
Por outro lado, tenho a meio “O Mar”, de John Banville, que alguém me recomendou (em boa hora), e comecei a devorar o último da Agustina Bessa Luís, escritora que amo. Não queria começar a ler já. Queria guardar para mais tarde. Mas abri o livro (e como são voluptuosos os livros da Agustina, começam na capa, no toque do papel, no tipo de letra, no desejo que provoca o manuseio, desejo, voragem de não mais parar) e não resisti. Assim foi. Li: “Porque até muito tarde se cozinhava a lenha e se usava a lenha para os fogões de sala. Ouvia-se o crepitar das achas secas como um ruído de bom augúrio na manhã enevoada.” Era domingo. Apeteceu-me enroscar-me no sofá, e continuar a ler. Imaginar o fogão a lenha. E ler Agustina: “A Ronda da Noite”. É o que vou continuar a fazer quando me deitar agora. “As Mãos Desaparecidas”, do meu predilecto Robert Wilson (quem não leu: “O Último Acto em Lisboa”, “A Companhia de Estranhos” ou “O Cego de Sevilha” não conhece um dos grandes romancista actuais, que ainda por cima vive em Portugal) ficará à espera das noites de Seia, durante o Festival.

(um dia destes ilustro o post com capas de livros – hoje vou ler Agustina, boa noite!)

6 comentários:

isabel mendes ferreira disse...

acho bem....beijo____Te.

teresa sá disse...

quem recomendou? também fiquei com vontade de o ler, mas acho que a esta hora não o encontro em lado nenhum, humm
(tem dói-dói, bébé?)
beijo

Anónimo disse...

Teresa: quem recomendou o quê? Será "O mar"? (escrevi amar, estúpido, já rectifiquei). Pois foi um médico: diz que o mar faz bem à circulação, que circular é viver. Bjs. LA

musqueteira disse...

...boa leitura e boa viagem até Seia!

teresa sá disse...

exacto, "o mar"

Anónimo disse...

Li "o último acto em Lisboa". Uma narrativa fantástica ao combinar as duas histórias que se cruzam. Um livro que literalmente devorei.