quarta-feira, novembro 01, 2006

CINE ECO 2006: Balanço crítico 1

"O Picador de Pedra"

Uma Maratona de
Bom Cinema e Bom Ambiente

1

Terminou a décima segunda edição do único festival de cinema dedicado ao ambiente que se realiza em Portugal. No ano em que a Confederação Portuguesa de Associações de Defesa do Ambiente atribuiu o Prémio Nacional do Ambiente (Fernando Pereira) 2006 ao CineEco - Festival Internacional de Cinema e Vídeo do Ambiente da Serra da Estrela – por mérito, coincidência ou acaso (ou pela reunião de todos estes elementos), a selecção das obras a concurso foi de um modo geral excelente. Não é tanto mérito do festival, que se limitou a seleccionar entre as cerca quatrocentas obras oriundas de quatro dezenas e meia de países, mas consequência da importância que o ambiente vai adquirindo na consciência colectiva, que impõe novas obras, revela novos autores, estende o seu público alvo. As preocupações com o ambiente, quando sinceras e despartiradizadas, são uma das grandes causas que une as pessoas e as mobiliza individual e colectivamente. Quando a crise das ideologias é manifesta, quando a desconfiança com as causas politicas se generaliza, é na defesa do ambiente que as pessoas encontram um ponto de contacto, uma bandeira, um lema. Um pouco por todo o mundo a preocupação domina: da Índia os Estados Unidos, do Irão ao Chile, da Estónia à África do Sul, passando por toda a Europa. Isso mesmo ficou patente na selecção que reuniu obras de cerca de vinte países: Alemanha, Brasil, Canadá, Chile, Croácia, Dinamarca, Espanha, EUA, Quénia, França, Holanda, Índia, Inglaterra, Irão, Israel, Itália, Japão, Montenegro, Nova Zelândia, Portugal, Rússia, Inglaterra, Suiça e Venezuela.


2
Obras a Concurso
As minhas preferidas


Infelizmente, ou não, poucas das minhas obras preferidas integraram a lista final dos jurados. Os Júris não representam um olhar único, mas vários olhares, coincidentes ou não. Por vezes divergentes. Das reuniões sai uma confluência de votos e de ideias. Nunca uma unanimidade, memo quando esta é manifesta. Nunca o “cada cabeça, cada sentença” assentou melhor. Por isso, o resultado de um Júri é o resultado de várias subjectividades que se reúnem, para criarem uma nova subjectividade. Como subjectiva é a minha escolha.

"Carpatia"

O meu dilecto chama-se “Carpatia” (Carpatia - Geschichten aus der Mitte Europas/Carpatia), uma realização de Andrzej Klamt e Ulrich Rydzewssky (Alemanha, 2004), e já trazia atrás de si um apreciável palmarés. Creio que o facto terá pesado junto do Júri, não de forma positiva, mas negativa. Era uma obra que já não precisava de ter mais prémios, depois de ter sido premiada em Turim, Rodes, Goiás (aqui com o prémio “Festival dos Festivais”, uma espécie de Óscar do filme ambientalista). Aceito o raciocínio, mas não esqueço o belíssimo olhar dos realizadores pelas paisagens e gentes que habitam diversas regiões e outros tantos países que se estendem pelos montes Cárpatos, sistema montanhoso da Europa Central que forma um arco de 1.500 quilómetros e que passa pela Roménia, a Ucrânia, a República Checa, a Polónia e a Eslováquia, chegano a tocar na Hungria, na Sérvia e na Áustria. Que faz o filme de Andrzej Klamt e Ulrich Rydzewssky? Passeia longamente, demoradamente o seu olhar pela paisagem, de forma contemplativa, mas não passiva, procurando interrogar a terra e os homens, os que amam ali viver, os que aceitam ali viver, os que se revoltam por ali viver Os que se integram, os que se excluem, os que criam grupos, os que sobrevivem isolados. Este diálogo de imagens e vozes, sempre diferente, do homem com o local, registado com uma sensibilidade e ternura impares, mas sem qualquer tipo de paternalismo, fica para mim como o melhor momento do festival e um dos mais sugestivos documentários dos últimos anos. É uma viagem poética, pautada por serenos travellings laterais que introduzem novas regiões, e por imagens fixas que mostram como o cinema pode ser simples, despojado e brilhante. Apercebemo-nos das raízes culturais e civilizacionais de cada povo, de cada homem, ao assistirmos a retratos poderosos de sinceridade e discrição. Conhecemos garimpeiros de ouro, magos, boiadeiros e suas boiadas, os velhos “Chassids”. Assistimos de perto à vida de grupos étnicos da região, como os “Hultsul”, os “Gorali e os “Roma”. Duas horas de pura magia que Andrzej Klamt e Ulrich Rydzewssky nos proporcionam.

"Fumo"

Dois filmes se aproximam pelo projecto. Um vem da Croácia, “O Picador de Pedra”, de Branko Istvancic (2006), outro de Montenegro, Fumo (Dim), de Vladimir Perovic. De “Fumo”, imagens de solidão: um velho homem sobe a montanha, com uma paisagem sem fim a estender-se atrás de si. Uma aldeia ao fundo, uma casa no cimo da montanha, um rio correndo no fundo do vale, uma fogueira que se acende, o fumo que assinala a presença do humano, num cenário de inicio de mundo. Quanto a “O Picador de Pedra”, mais um homem sobe a montanha, picareta às costas, para mais um dia de trabalho duro, picar e cortar a pedra, na solidão de um cenário desolador. Enquanto trabalha, imagina ou sonha danças na velha pedreira. Sem diálogo. Dança em silêncio com trabalho de pés, e sons de pedra. Duas belas curtas-metragens sobre o confronto diário do homem com a Natureza em majestosas terras telúricas. Uma linguagem descarnada, sem efeitos. O cinema em estado puro. Humilde. Acompanhando o homem que trabalha. Com respeito.
"Charles Jencks"

“Charles Jencks e o seu Jardim de Especulação Cósmica - Novos Jardins (Neue Gartenkunst – Im Kosmos von Charles Jencks), de Christoph Schuch (Alemanha, 2005), é um documentário de um outro tipo. Mais importante o que conta do que a forma de contar, tradicional e escorreita. Mas o universo de Charles Jencks, o importante crítico de arquitectura do pós-modernismo, faz a diferença e desperta o interesse. Conhecemos muitos jardins. Por tradição, diz-se, os jardins e parques tendem a contar uma história. No entanto, o que aconteceu durante estes últimos dez anos em Dumfriesshire, no Sul da Escócia, foge, provavelmente, ao alcance do conceito de paisagem de jardim definido durante os últimos duzentos anos. Charles Jencks antecipou os jardins de Alice, de Tim Burton, e cria espaços verdes totalmente re-construídos que são fascinantes jardins, que tem como tema nada menos do que o Universo.

"Ganges, Rio para o Paraíso"

Outro filme que retive, e não aparece mencionado nas actas do Júris, foi “Ganges: Rio para o Paraíso” (Ganges: River to Heaven), de Gayle Ferraro (India, 2003). Trata-se de uma cuidada investigação sobre a inexplicável ligação entre um rio (o Ganges) e as suas gentes com uma inigualável intimidade e profundidade. Dos trabalhadores do “ghat” que juntam a madeira para as cremações, aos analistas químicos que recolhem amostras de água para testes de contaminação, cada perspectiva oferece uma luz nova no interior da sociedade indiana e a sua imutável veneração pelo Ganges. Documentário sobre um rio sagrado, poluído por anos de uso abusivo, questiona se a força natural que esculpiu os picos dos Himalaias e as crenças de uma nação conseguirá sobreviver para a adoração das gerações vindouras. Este é o terceiro filme de Gayle Ferraro. Foi rodado em Varanasi, Índia, documentando os lendários “ghats” em chamas, onde mais de 200 corpos são lançados todos os dias para cremação, a fim de alcançarem o “Moksha”. Os anteriores filmes de Ferraro foram “Anonymously Yours” (2002), sobre o mundo do tráfico do sexo no Sudeste Asiático, e “Sixteen Decisions” (2000), onde abordou os esforços corajosos de mulheres pobres do Bangladesh que lutam para enfrentar igualmente essa realidade devastadora.

"Gambit"

“Gambit”, de Sabine Giseger, co-produção da Suíça e da Finlândia (2005), lança um olhar retrospectivo sobre a explosão de um reactor químico, numa fábrica de produtos farmacêuticos, em 1976, na parte norte da cidade italiana de Seveso. Posteriormente, dióxido altamente venenoso derrama-se na atmosfera. Em Monza, no ano de 1983, o químico Jorg Sambeth é sentenciado a cinco anos de prisão, como um dos principais culpados do desastre. É ele que resolve falar e contar a sua versão dos acontecimentos, uma história que trata de mentiras, verdades e vigarices. Sabine Gisiger, nascida em 1959 em Zurique, estudou História, e, em 1989, começa a trabalhar como jornalista de TV para a televisão suíça - SF DRS. A partir deste momento, produz uma série de documentários e reportagens sobre os problemas sociais e políticos da sua terra. Desde 2002, Sabine dá aulas de produção de documentários na Escola de Arte e Desing em Zurique (HGKZ). O filme alterna a reconstituição histórica da tragédia com a serena vida familiar de Jorg Sambeth, e fá-lo com sensibilidade e um apuramento estético invulgar. O resultado é surpreendente.

(continua com Premiados)

1 comentário:

Anónimo disse...

Concordo com a tua selecção, especialmente o Ganges, também um dos meus favoritos, que merecia melhor sorte. Mas como não podem ser todos galardoados...
O "Ainda há Pastores?" vai ser exibido dentro de dias em várias lojas da FNAC.
Imperdível.

Germano