sexta-feira, novembro 03, 2006

CINE ECO 2006: Balanço crítico 4

Uma Maratona de
Bom Cinema e Bom Ambiente
5.
Obras da Lusofonia
(Portugal)

De Portugal e do Brasil viram-se muitos títulos, mas não se viu uma “obra” daquelas que não vamos esquecer mais, nem das que faz a diferença. Ao contrário do “resto do mundo”, na Lusófonia primou a mediania, com um ou outro rasgo, e alguns percalços que só se compreendem terem sido seleccionados, porque muitas vezes é só nos festivais que se podem mostrar estas obras.

Comecemos por Portugal, onde a produção vista não primou pela originalidade, nem pelo arrojo, temático ou formal. “Águas Agitadas”, de Bernardo Ferrão, é uma boa reportagem sobre um casal de ambientalistas holandeses que estuda o comportamento dos cetáceos dos Açores. Trabalho nada pacífico, olhado com desconfiança, acusado pelas empresas de turismo de ser “whale watching” ilegal. O conflito já extravasou das acusações no papel, para as agressões no mar alto.

“Da Pele à Pedra”, de Pedro Sena Nunes, parte de um trabalho multidisciplinar levado a cabo na Lavaria das Minas da Panasqueira, abandonadas há 15 anos, e recorda a actividades dos mineiros, com a da população ainda residente, numa aldeia quase deserta. Enquanto se desce no escuro, a 450 metros de profundidade, para conhecer o trabalho e a vida dos mineiros, ouvem-se histórias e dança-se numa performance que vai “Da Pele à Pedra”. Interessante, rodado com sensibilidade e calor humano, mas o facto de ser uma (quase) reportagem sobre um espectáculo anteriormente concebido para uma outra linguagem retira-lhe alguma força. Pedro Sena Nunes e Ana Rita Barata sabem, porém, o que fazem e sabe bem ver o filme.

“Doutor Estranho Amor (ou como aprendi a amar o preservativo)”, de Leonor Areal, criou-me grandes expectativas. Talvez por isso me tenha desiludido. Rodado num estilo de “cinema verdade” com uma reduzida interferência ao nível da montagem, e estendendo algumas cenas por um tempo demasiado longo, este documentário mostra a actividade de uma brigada de estudantes de medicina que faz prevenção da SIDA numa escola (a Secundária Frei Gonçalo de Azevedo (Tires, Cascais). Durante dez semanas, acompanhamos os seus insucessos e as ilusórias conquistas junto de uma turma de adolescentes problemáticos. A imagem final que se colhe é que a situação do sistema educativo em Portugal é catastrófica, os alunos não sabem, nem querem saber, os professores andam à deriva, estas acções cheias de boa vontade e inexperiência acabam por resultar numa frustração completa, que uma ou outra reacção mais emotiva (o aluno que encosta a cabeça no ombro da animadora) não fazem esconder. A proposta oficial, apresentada no início do filme, num curioso e formal cocktail, nada tem a ver com os resultados. Se a “acção de prevenção” e os “teatrinhos” me parecem desastrosos, o filme mostra a discreta presença de Leonor Areal na direcção, sublinhando a sua intuição e a generosidade do olhar. Mas, em termos reais, já fez muito melhor.
“O Fole, um Objecto do Quotidiano Rural”, de Carlos Eduardo Viana, é uma produção “Ao Norte – Associação de Produção e Animação Audiovisual” que se limita a acompanhar, com algum cuidado, todo o processo de fabrico de um fole, um saco de pele de cabra que servia para o transporte de cereais. Hoje quase desconhecido, foi peça do quotidiano rural de São Lourenço da Montaria. O filme é um documento interessante, de valor certo de um ponto de vista etnográfico.

“Quatro Elementos água . terra . ar . fogo”, de Janek Pfeifer e Joaquim Pavão, já visto em Avança, é um exercício de estilo, caligráfico e algo frio, que, partindo de imagens dos quatros elementos, as reduz a silhuetas animadas, através de processos computorizados, que dançam ao sabor de uma inspirada partitura musical com a assinatura de Joaquim Pavão. A música é muito boa, as imagens e o trabalho exercido sobre elas não me fascinam, mas devo confessar que, para mim, um rosto filmado com amor, em grande plano, vale todos os artifícios electrónicos. Defeito meu ou feitio, é assim. De todas as formas jugo que tanto Janek Pfeifer (berlinense) como Joaquim Pavão merecem inteiramente novas oportunidades. O facto do filme ter sido exibido, e a abrir a competição em Seia, comprova-o.
“Reserva Natural do Estuário do Sado”, de João P. Fernandes, João Dias, Nelson Silva, alunos do Curso de Tecnologia Educativa 2005/2006 da LECN, FCTUN., filma a Reserva Natural do Estuário do Sado, que encontra “cheia de encantos”, na diversidade de habitats e na riqueza de vida que alberga. Um trabalho de alunos que justifica incentivo.

“Rua 15 – S.João”, de António Barreira Saraiva, uma produção da Proformar – Escola Secundária do Monte da Caparica, anda no mesmo registo, ao acompanhar os preparativos da Rua 15, a rua mais antiga da Costa de Caparica, para a grande festa anual do S.João. Há intencionalidade em muitas imagens, há uma aproximação emocionada dos rostos populares, mas depois há também uma montagem desastrosa, prolongando sem qualquer interesse certo planos, repisando outros. Cortado para metade do seu tempo original, ganharia muito. “Life Is Change” (Vida é Mudança), de Eduardo Morais de Sousa, filma a natureza com alguma acuidade, mostrando que tudo muda na vida, a natureza muda, e de mudança em mudança, de transformação em transformação, a vida prolonga-se, os ciclos restabelecem-se.

“The Barefoot Runner”, de Filipe Y, é uma animação simples, mas que denota potencialidades, uma longa viagem pela vida na Natureza e pela natureza da Vida, e “Garbage” (Lixo), de Mário Carvalho Gajo, igualmente uma animação, estra volumétrica, parte de um enorme monte de lixo, onde cai um objecto sobre um boneco metálico fazendo com que este ganhe vida. Tentando desprender-se dos materiais que estavam sobre ele, repara que uma televisão ameaça cair e esmagá-lo. Assustado, tenta levantar-se e fugir... Mas…
Mário Carvalho Gajo é portuense (1978), Tem uma licenciatura em Artes – Plásticas pela Escola Superior Artística do Porto (ESAP). “Lixo” é o seu primeiro filme, e de ambos os animadores se esperam confirmações. As expectativas cá cantam.

Finalmente, “Ainda Há Pastores?”, de Jorge Pelicano, Prémio da Lusofonia, e certamente o filme português mais interessante visto em Seia.
Jorge Pelicano nasceu em 1977, na Figueira da Foz. É licenciado em Comunicação e Relações Públicas e, actualmente, frequenta o 2º ano de Mestrado em Comunicação e Jornalismo na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, para lá de ser repórter de imagem, freelancer, para a SIC televisão, desde 2001. “Ainda há Pastores” é o seu primeiro filme documentário. Não se trata aqui de uma esperança, mas de uma certeza, mais ainda: uma revelação. O filme é delicado na composição, sumptuoso de imagem, magnificamente enquadrado, bem iluminado, Jorge Pelicano tem tudo para vir a ser um dos grandes documentaristas portugueses. “Ainda Há Pastores?” voa até ao alto da Serra da Estrela, passa por Casais de Folgosinho, onde não há luz eléctrica, não corre água canalizada, não há estradas e perde-se no silêncio de um vale entre as montanhas da Serra da Estrela. Outrora, um autêntico santuário de pastores, agora quase desaparecidos. Os velhos morrem, os novos fogem da dura sina de ser pastor, com 365 dias de trabalho por ano, sem folgas ou férias. Quase ninguém fica. Apenas resta Hermínio, 28 anos, o pastor mais novo, que aguenta as jornadas com a música brejeira do Quim Barreiros sempre debaixo do braço e uma sexualidade desenfreada, que os telemóveis vão pagar. O futuro dos Hermínios da Serra da Estrela não deixa de ser inquietante. Até quando haverá pastores?. Será que ainda faz sentido ser-se pastor assim? O filme termina com uma visita a um museu e percebe-se a mensagem: daqui a nada, pastores destes só no museu. Num museu de imagens, como este que Jorge Pelicano filma, com grande sensibilidade, mas com duas pequenas falhas quanto a mim. A saber: explora demasiado o lado “louco” de Hermínio. Sem nunca cair no oportunismo da exploração do “fenómeno de feira”, poderia ter sido mais comedido. Segundo: julgo de todo em todo desapropriados o texto e a locução, demasiados eloquentes e “poéticos”. Um texto simples, dito com singeleza e genuína simpatia era o que as imagens mereciam.
(continua com obras lusofonas - Brasil)

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