UMA FAMILIA À BEIRA
DE UM ATAQUE DE NERVOS
“Little Miss Sunshine”, dirigida pelo casal Jonathan Dayton e Valerie Faris (casados entre si e especialistas em videoclips e publicidade), com argumento de Michael Arndt, é uma excelente comédia sobre o actual estado do “american way of life.” Dizem as boas, ou más-línguas, que o argumentista se lembrou de escrever este guião quando ouviu o Governador da Califórnia, o actor Arnold Schwarzenegger, declarar: “Se há algo que eu desprezo são os perdedores.” Resolveu, portanto, fazer uma obra onde se colocam em confronto “vencedores” e “vencidos” da vida, numa América governada por George Bush (aparece na televisão, mas esta é de imediato desligada com evidente mal estar, por quem o está a – não – querer ouvir) num estilo de comédia “com moralidade agregada”, muito ao jeito de Frank Capra e outros que tais. Mestres na arte de fazerem pensar com uma boa gargalhada ou um sorriso inteligente.
Tudo se passa no interior de uma família, os Hoover, que aqui simbolizam uma certa ideia da América. Richard Hoover (Greg Kinnear), dá conferencias, ou acções de formação, ou aulas, sobre “como ser um vencedor” e tenta mesmo vender, como “best seller” (ou não fosse ele próprio um “vencedor”), o segredo do sucesso no volume “Nine Steps to Success,” que, todavia, se revela um fracasso total e arruína a família, logo no dia em que viajam de Albuquerque, New Mexico, onde habitam, para a Califórnia, onde irá decorrer o concurso “Little Miss Sunshine”. O falhanço do livro cria fricção com a mulher, Sheryl Hoover (Toni Collette), uma hiper agitada dona de casa que chega a falar em divórcio, e tudo tenta controlar. Ela tem mesmo muito que fazer, desde ir recolher ao hospital o irmão, Frank (Steve Carell), que acaba de sobreviver a uma tentativa de suicídio, o filho Dwayne (Paul Dano), que quer ser aviador e se recusa a falar, impondo-se um voto de silêncio inspirado em Nietzsche, e que jura durar até tirar o brevete, e ainda Olive Hoover (Abigail Breslin), uma miudinha de seis anos, filha do casal, de olhar vivo e pergunta acelerada, que vive agitada os dias que antecedem a sua participação no concurso já aludido. Falta ainda falar do avô Edwin Hoover (Alan Arkin), velho resmungão, obcecado por sexo e revistas porno, “bem porcas”, que se droga com heroína e morre de overdose pelo caminho.
Esta família assume assim diversas características da sociedade norte americana actual, povoada por fantasmas que vão desde o mito do vencedor, que “quer ser um vencedor”, que julga ter a receita, mas que falha rotundamente, ao auto marginalizado, que deliberadamente deixa de ter voz, à mulher, hiper eficiente, ao professor universitário homossexual que tem um “affair” com um aluno, e desiste de viver quando se descobre duplamente atraiçoado, pelo jovem que escolhe outro professor para viajar, e por esse mesmo colega de profissão que é considerado “o maior especialista em Proust da América” (quando Frank se considera a si mesmo “o primeiro especialista em Proust” dos EUA). Também a jovem Olive quer ser vencedora do Concurso, sobretudo para que o pai goste dela (se perder, ele não a considera mais). Num país de “vencedores”, que não aceitam a derrota, nem sequer serem segundos, esta família de derrotados da vida atravessa as estradas da América para ofertar uma filha no altar da mais completa mediocridade: um concurso de beleza para menininhas de seis / sete anos que se saracoteiam, dançam e cantam como pequenas Barbies travestidas de “lolitas” de encomenda, caracterizadas a preceito para o acto de sedução pública em cima de um palco.
“Road Movie”, um sub-género tão particular dos americanos quando querem falar do País, “Uma Família à Beira de um Ataque de Nervos” desenvolve-se ao longo de uma atribulada viagem, durante a qual a própria carrinha vai perdendo o controlo de si próprio, só arranca de empurrão e não tem travões, obrigando os passageiros a saltar para o seu interior em andamento. Viagem que irá terminar frente a um hotel da Califórnia onde decorre o inusitado concurso dos pequenos “monstros” que querem ser Miss Little Sunshine.” È durante este espectáculo de menoridade mental que a família se assume como uma célula articulada, e afinal unida, impondo as suas regras perante a hipocrisia reinante e fazendo-se ouvir a uma só voz. O que oferece ao filme uma aragem de confiança no futuro, muito embora o horizonte se encontre perturbadoramente negro. Mas afinal pode haver autênticos “vencedores”, quando se recusa “ser um vencedor”. Uma verdade difícil de engolir na América de George Bush, mas uma verdade a ganhar adeptos de dia para dia: veja-se o sucesso do filme no interior da própria América do Norte (e em todo o mundo). Tendo custado apenas 8 milhões de dólares, já fez mais de 40 milhões de dólares de receita, nos EUA desde o seu lançamento no Sundance Festival, onde foi premiado. Justificamente.
Uma das grandes comédias deste ano, e um excelente candidato a vários Oscars: desde o argumento ao conjunto das interpretações, todas elas admiráveis na forma como criam personagens algo excêntricos, sem caírem na caricatura fácil.
UMA FAMILIA À BEIRA DE UM ATAQUE DE NERVOS (Little Miss Sunshine), de Jonathan Dayton, Valerie Faris (EUA, 2006); com Abigail Breslin, Greg Kinnear, Paul Dano, Alan Arkin, Toni Collette,
2 comentários:
Está na lista "filmes para ver", vamos ver se não perco.
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