sexta-feira, maio 18, 2007

TEATRO: A HERANÇA MALDITA





HERANÇA MALDITA

Augusto Boal chama-lhe “Boulevar Macabro”, Hélder Costa traduz por “Comédia Negra”, ou “Black Comedy”, e acrescenta, citando Boal, pela boca de uma das saus personagens: “hoje só se fala inglês, acentos, parágrafos, etc., tudo é em inglês”.
O encenador explica: “A história fala das relações actuais, familiares ou não, totalmente dominadas pelo dinheiro; digamos que se trata de um “close up” da ideologia económica neo-liberal que conduziu à globalização universal.” De novo Boal: “Esta peça trata de famílias: nela, a família genética é apenas metáfora que esconde e revela outras famílias – a que já foi pátria, tribo, etnia, cor, clube, bairro; a que teve um chefe, profeta, santo ou herói. O belo, na família, é que ela incorpora, une, amalgama – às vezes, algema! O feio: expulsa, afasta, repele, separa, condena.” Ataca forte e feio a globalização, no seu estilo de guerrilha política e artística: “A epidemia da globalização, hoje – pior do que a peste espanhola que matou milhões de pessoas pelo mundo afora, faz cem anos; pior que a cólera e outras pestes que devastaram a Europa na Idade Média; - a globalização infecta a parte maior da Humanidade e divide-a em três grandes famílias: primeira, a daqueles que controlam o “Mercado”; segunda, a dos que nele estão inseridos; terceira, infeliz, que reza nos corredores da morte, do desemprego e da fome: esta é a Humanidade descartável, vítima do moderno Holocausto. Esta Família Econômica sobrepõe-se à raça, ao credo e à cor, ao tempo e ao espaço. Seus vínculos sanguíneos são as acções das multinacionais; seu coração é a Bolsa. Eu quis falar destas três Humanidades e desta pena: para que exista família, é necessária a exclusão; necessário expulsar aqueles que a ela não pertencem. E a mesma violência, necessária para excluir os outros, pode se voltar contra os próprios membros da mesma família! Falei metaforicamente.” Augusto Boal escreveu no Rio de Janeiro, em Fevereiro de 2004.
Quatro irmãos, e a mãe de todos, reúnem-se num andar desconhecido de um edifício previamente assinalado a uma meia-noite de um dia determinado. Vêm tratar da herança que o pai lhes deixou, muito embora todos os filhos tenham muitas dúvidas sobre o verdadeiro pai, dada a promiscuidade da mãe. Um dos filhos é um advogado que frequentou as três melhores universidades do mundo e chumbou em todas, um outro é lixeiro no Vaticano, casado com uma freira arrependida, o terceiro é galã e amante do desporto, a quarta é uma solteirona virgem que ficou para tia depois de ter tratado de todos os irmãos até uma altura em que ninguém já olhava para ela.
Todos querem a herança milionária, até ao momento em que descobrem que não há herança nenhuma do pai. Na penúria exercitam a imaginação, passam pela herança da freira, filha renegada de um milionário italiano, mas acabam por focalizar a atenção no mano que tem massa e julga chegada a altura de um suicídio, para assim não envelhecer, nem enrugar o seu belo corpo de Adónis. Suicídio que é aplaudido com ambas as mãos por todos os familiares, mãe e irmãos. Coisa feia, descrita com frieza, um humor eriçado, com sangue nas mãos e culpa nas almas, mas a cobiça do dinheiro e a falta de escrúpulos fazem da moral um vazio de comportamento. Vale tudo para ter, mostrar, ostentar, subir na vida. Passa-se por cima de todos, mesmo de um cadáver de irmão que é preciso fazer desaparecer depois. Se até ai se comem uns aos outros, por que não continuar?
Uma comédia negra, divertida e caustica, sobre a maldade, com escorreita encenação de Hélder Costa e divertidas interpretações de João D’Ávila, Maria do Céu Guerra, Rita Fernandes, Pedro Borges, Ruben Garcia e Sérgio Moras.

Dois últimos dias (18 e 19 de Maio de 2007) no Cinearte, Teatro de A Barraca, às 21,30 horas; M/12 anos; Bilhetes: 12,5 €; Menores 25, Maiores 65, Estudantes, Reformados e Grupos (+ 15 pessoas): 10 €; Marcações pelo 213965360/213965275 ou pelo e-mail barraca@mail.telepac.pt.

2 comentários:

BlueAngel aka LN disse...

Que pena não vou poder ir! E agora que andava tão feliz com o meu regresso ao teatro como espectadora. Vou fazer figas para que "A Barraca" reponha brevemente esta obra. Ver a Maria do Céu Guerra é sempre um privilégio e nunca me vou esquecer da "Calamity Jane" dela há muitos, muitos anos.

Ana Paula Sena disse...

Parece ser uma peça séria e simultaneamente divertida.
As fotografias são cativantes!
Um beijinho