Saí de casa pela manhãzinha e logo ao pôr o pé no passeio dou de caras com um anúncio de todo o tamanho a informar: “Atenção! Andar na rua Mata!”, especificando mais abaixo, em letra miudinha, que “respirar é um perigo, dada a fortíssima poluição ambiente, e atravessar a rua pode matar, pela alarmante frequência de condutores assassinos”, continuando a lista de hipóteses fatais por aí fora. Desisti de ler até ao fim. As letras apareciam a negro, debruadas por uma discreta moldura, muito simples e enxuta, toda negra.
Confesso que hesitei antes de dar um passo na rua, mas tinha de ir ao supermercado, fazer compras inadiáveis. Atravessei a rua e sobrevivi. Assassino ao volante não fora desta que se cruzara comigo, mas sentia a garganta apertada pelo peso da poluição. Uma caravana de carros a alta velocidade, precedida e fechada por batedores da GNR, ia-me apanhando desprevenido, mas ainda consegui ver na porta de um dos carros um novo anúncio que me era obviamente destinado: ”!Atenção! Ministros a alta velocidade Matam!”.
Já do outro lado da rua, entrei no quiosque que frequento todos os dias e ao longo de todas as estantes, escaparates e palanques, anúncios idênticos, com letras negras, ocupando metade de cada artigo: “Atenção! os jornais mentem, manipulam, desvirtuam a verdade, são tendenciosos, um ou outro até diz mal do governo!”, e assim por diante, terminando: “Se comprar, não leia; se ler, tenha cuidado, pode Matar!” Ao lado, as caixas de fósforos e isqueiros mal se viam : “Atenção! Fósforos, isqueiros, detonadores, granadas da guerra das colónias, barris de pólvora, bidões de gasolina ou petróleo, etc. causam incêndios! Proteja-se a si e ao próximo.” As cassetes e os DVDs com filmes não escapavam: “Atenção! Ver muitos filmes na TV causa cegueira!” Quanto aos livros: “Atenção: Poupe a sua vista, não leia!.”
Na secção das pastilhas, rebuçados e brinquedos para crianças, o anúncio não era mais tranquilizante: “Atenção com quem compra: pastilhas, rebuçados e brinquedos e produtos afins podem causar actos de pedofília.” E, em letras pequeninas, continuava: “Se lhe quiserem oferecer algum destes produtos recuse. Atrás de um rebuçado ou pastilha elástica há um pedófilo.” (entre parentesis dizia-se: “Cuidado! Se leu isto pode cegar!”).
Recuei, preocupado e esbarrei num senhor de meia idade que ia a passar. Pedi desculpa pelo encontrão, mas o cavalheiro colocou o dedo indicador junto ao nariz e exigiu silêncio. Encolhi os ombros. Ele virou-me as costas, de forma desabrida, mas, colado na sua pasta de couro negro, lia-se um anúncio em letras bem grandes: “Atenção! Não fales com desconhecidos!” (em letras mais pequeninas, em rodapé, acrescentavam: “Também não é conveniente falar com o pai, o tio, o padrinho, a mãe, a tia, a madrinha, e todos os que te ofereçam rebuçados, pastilhas elásticas, brinquedos ou 50 mil reis” Em letras mínimas, daquelas que dão direito directo à cegueira instantânea, também se lia: “Não fales com a Catherine Deneuve!” Estranhei.
Entrei no supermercado e foi uma sensação de horror que me invadiu. Um cemitério, ou a página de anúncios da necrologia de um jornal da província bem interior, não seria mais aterrador: “Atenção!” “A Carne de Vaca Mata!” (olha as vacas loucas!), “A Carne de Porco Mata!” (olha a triquinose!), “A Carne de Frango Mata” (olha os nitrofuranos!), “O Peixe Mata!” (atenção ao mercúrio!), “Os Vegetais Matam!”, “O Vinho Mata!”, “A Cola Cola Mata!” (caganitas de rata na tampa, não perdoam!), “O Café Mata”, “O Açúcar causa a Diabetes e Mata!”, “O Sal Mata!” quando usado sem Conta, Peso e Medida”, mas “A Conta Mata!”, “O Peso Mata!”, “A Medida Mata!”. “Comer Mata!”, informa o Governo, “Não Comer Mata!,” divulga a Oposição.
Preparei-me para sair do supermercado, num silêncio tumular, sem nada comprar. Na caixa registadora, uma loira gira alentou-me a alma, antes de ver, preso na mini saia, o fatídico “O Sexo Mata!” (e lá vinha por baixo a lista de doenças, venéreas ou não, a começar pela SIDA!). Desviei o olhar... Mas, não resisti, e voltei a procurar os belos olhos da garota. Reparei então que, por cima da caixa registadora, um placard bem visível não deixava margem para dúvidas: “Não lhe dissemos já que fornicar Mata!?” (“além de ser pecado”, percebia-se em letras mais miudinhas). Paciência, pensei. Ainda aparecem por aí as quatro (4) santas mulheres de Bragança, com mais um abaixo assinado. Não é que tenha medo de morrer de apoplexia enterrado num corpo daqueles, mas as 4 (quatro) mulheres de Bragança é que não, por favor, livrai-me das mulheres de Bragança! Não há um anúncio a avisar: “Cuidado! As 4 Mulheres de Bragança Matam pelo Ridículo!” ? Não há?
Emigrar? Na agência de viagens, eram mais os anúncios da tarja preta, do que as indicações dos destinos turísticos: “Andar de Avião Mata!”, “Andar de Comboio Mata!”, “Andar de Barco Mata!”, “Andar de Carro Mata!”, “Atravessar Pontes em Portugal, Mata!”, “Passar por baixo de Viadutos, Mata!”, “Estar Parado Mata!”...
Que fazer? À saída da agência de viagens, um enorme cartaz colado na parede dava alguma esperança. Afinal nem tudo é mau. O rosto de George Bush, com a mão na nossa direcção e o dedo indicador apontando para mim, gritava-me: “Vive a Vida! Inscreve-te na GNR e viaja até ao Iraque!” Em segundo plano, em contraluz, percebia-se a silhueta de Durão Barroso.
Regressei a casa, sem nada ter comprado, nem sequer o maço de tabaco que também pretendia adquirir. Apenas me restava um cigarro, contei. Entrei no elevador, mas atras de mim, precipitadamente, entrou um indivíduo que nunca tinha visto antes e que, mal a porta correu, e nos encontrámos fechados no estreito cubículo, puxou de um revólver, e gritou: “A Bolsa ou a Vida!”. Os tempos são rigorosos, e a bolsa está vazia. Foi o que lhe fiz ver, esvaziando os bolsos. Apenas sobrava um cigarro no maço amarfanhado. Agarrou nele, acendeu-o, tocou no botão de parar, saiu do elevador, e deixou-me seguir caminho até ao oitavo andar. Entrei em casa, ainda sobressaltado e pensei: “Um cigarro salvou-me a vida!”.
Confesso que hesitei antes de dar um passo na rua, mas tinha de ir ao supermercado, fazer compras inadiáveis. Atravessei a rua e sobrevivi. Assassino ao volante não fora desta que se cruzara comigo, mas sentia a garganta apertada pelo peso da poluição. Uma caravana de carros a alta velocidade, precedida e fechada por batedores da GNR, ia-me apanhando desprevenido, mas ainda consegui ver na porta de um dos carros um novo anúncio que me era obviamente destinado: ”!Atenção! Ministros a alta velocidade Matam!”.
Já do outro lado da rua, entrei no quiosque que frequento todos os dias e ao longo de todas as estantes, escaparates e palanques, anúncios idênticos, com letras negras, ocupando metade de cada artigo: “Atenção! os jornais mentem, manipulam, desvirtuam a verdade, são tendenciosos, um ou outro até diz mal do governo!”, e assim por diante, terminando: “Se comprar, não leia; se ler, tenha cuidado, pode Matar!” Ao lado, as caixas de fósforos e isqueiros mal se viam : “Atenção! Fósforos, isqueiros, detonadores, granadas da guerra das colónias, barris de pólvora, bidões de gasolina ou petróleo, etc. causam incêndios! Proteja-se a si e ao próximo.” As cassetes e os DVDs com filmes não escapavam: “Atenção! Ver muitos filmes na TV causa cegueira!” Quanto aos livros: “Atenção: Poupe a sua vista, não leia!.”
Na secção das pastilhas, rebuçados e brinquedos para crianças, o anúncio não era mais tranquilizante: “Atenção com quem compra: pastilhas, rebuçados e brinquedos e produtos afins podem causar actos de pedofília.” E, em letras pequeninas, continuava: “Se lhe quiserem oferecer algum destes produtos recuse. Atrás de um rebuçado ou pastilha elástica há um pedófilo.” (entre parentesis dizia-se: “Cuidado! Se leu isto pode cegar!”).
Recuei, preocupado e esbarrei num senhor de meia idade que ia a passar. Pedi desculpa pelo encontrão, mas o cavalheiro colocou o dedo indicador junto ao nariz e exigiu silêncio. Encolhi os ombros. Ele virou-me as costas, de forma desabrida, mas, colado na sua pasta de couro negro, lia-se um anúncio em letras bem grandes: “Atenção! Não fales com desconhecidos!” (em letras mais pequeninas, em rodapé, acrescentavam: “Também não é conveniente falar com o pai, o tio, o padrinho, a mãe, a tia, a madrinha, e todos os que te ofereçam rebuçados, pastilhas elásticas, brinquedos ou 50 mil reis” Em letras mínimas, daquelas que dão direito directo à cegueira instantânea, também se lia: “Não fales com a Catherine Deneuve!” Estranhei.
Entrei no supermercado e foi uma sensação de horror que me invadiu. Um cemitério, ou a página de anúncios da necrologia de um jornal da província bem interior, não seria mais aterrador: “Atenção!” “A Carne de Vaca Mata!” (olha as vacas loucas!), “A Carne de Porco Mata!” (olha a triquinose!), “A Carne de Frango Mata” (olha os nitrofuranos!), “O Peixe Mata!” (atenção ao mercúrio!), “Os Vegetais Matam!”, “O Vinho Mata!”, “A Cola Cola Mata!” (caganitas de rata na tampa, não perdoam!), “O Café Mata”, “O Açúcar causa a Diabetes e Mata!”, “O Sal Mata!” quando usado sem Conta, Peso e Medida”, mas “A Conta Mata!”, “O Peso Mata!”, “A Medida Mata!”. “Comer Mata!”, informa o Governo, “Não Comer Mata!,” divulga a Oposição.
Preparei-me para sair do supermercado, num silêncio tumular, sem nada comprar. Na caixa registadora, uma loira gira alentou-me a alma, antes de ver, preso na mini saia, o fatídico “O Sexo Mata!” (e lá vinha por baixo a lista de doenças, venéreas ou não, a começar pela SIDA!). Desviei o olhar... Mas, não resisti, e voltei a procurar os belos olhos da garota. Reparei então que, por cima da caixa registadora, um placard bem visível não deixava margem para dúvidas: “Não lhe dissemos já que fornicar Mata!?” (“além de ser pecado”, percebia-se em letras mais miudinhas). Paciência, pensei. Ainda aparecem por aí as quatro (4) santas mulheres de Bragança, com mais um abaixo assinado. Não é que tenha medo de morrer de apoplexia enterrado num corpo daqueles, mas as 4 (quatro) mulheres de Bragança é que não, por favor, livrai-me das mulheres de Bragança! Não há um anúncio a avisar: “Cuidado! As 4 Mulheres de Bragança Matam pelo Ridículo!” ? Não há?
Emigrar? Na agência de viagens, eram mais os anúncios da tarja preta, do que as indicações dos destinos turísticos: “Andar de Avião Mata!”, “Andar de Comboio Mata!”, “Andar de Barco Mata!”, “Andar de Carro Mata!”, “Atravessar Pontes em Portugal, Mata!”, “Passar por baixo de Viadutos, Mata!”, “Estar Parado Mata!”...
Que fazer? À saída da agência de viagens, um enorme cartaz colado na parede dava alguma esperança. Afinal nem tudo é mau. O rosto de George Bush, com a mão na nossa direcção e o dedo indicador apontando para mim, gritava-me: “Vive a Vida! Inscreve-te na GNR e viaja até ao Iraque!” Em segundo plano, em contraluz, percebia-se a silhueta de Durão Barroso.
Regressei a casa, sem nada ter comprado, nem sequer o maço de tabaco que também pretendia adquirir. Apenas me restava um cigarro, contei. Entrei no elevador, mas atras de mim, precipitadamente, entrou um indivíduo que nunca tinha visto antes e que, mal a porta correu, e nos encontrámos fechados no estreito cubículo, puxou de um revólver, e gritou: “A Bolsa ou a Vida!”. Os tempos são rigorosos, e a bolsa está vazia. Foi o que lhe fiz ver, esvaziando os bolsos. Apenas sobrava um cigarro no maço amarfanhado. Agarrou nele, acendeu-o, tocou no botão de parar, saiu do elevador, e deixou-me seguir caminho até ao oitavo andar. Entrei em casa, ainda sobressaltado e pensei: “Um cigarro salvou-me a vida!”.
2 comentários:
uma bela sátira, lauro antónio. gostei de ler e confesso que vou fumar um cigarrinho ;) beijinhos.
Paradoxos da existência! :)
Muito divertido, o texto. Gostei imenso! De pendor apocalíptico quanto ao nosso quotidiano futuro, não anda muito longe da realidade.
Diria mais...mas acho que está lá tudo no conto.
Beijinhos
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