sexta-feira, agosto 17, 2007

LIVROS E FILMES: CHUVA




W. SOMERSET MAUGHAM:
“CHUVA”, EM TRÊS TEMPOS

“Miss Sadie Thompson” (Chuva), uma realização de Curtis Bernhardt, com interpretação de Rita Hayworth, José Ferrer, Aldo Ray e Charles Bronson (em início de carreira), é a terceira versão (reconhecida enquanto tal) da adaptação de um conto de William Somerset Maugham, “Rain”, publicado na antologia “Contos dos Mares do Sul” (The Trembling of a Leaf), aparecida em 1921. Esta obra mereceu inicialmente (logo dois anos depois) uma adaptação ao teatro, “Rain”, escrita por John Colton e Clemence Randolph e estreada no Garrick Theatre de Londres, em 12 de Maio de 1925.


Em 1928, o cinema iria interessar-se pela primeira vez por esta pequena história. Raoul Walsh e C. Gardner Sullivan (autor dos inter títulos) adaptam a peça teatral com uma destinatária óbvia, que, aliás, produziria o projecto: Gloria Swanson (a mesma de “O Crepúsculo dos Deuses”). O filme de Raoul Walsh (que aparecia igualmente como actor, contracenando com a grande vedeta) mereceu duas nomeações para os Oscars da Academia, uma para a melhor actriz (Gloria Swanson), outra para melhor fotografia.
Parece que a representação da actriz era altamente escandalosa ao nível dos diálogos (diz quem consegue ler nos lábios dos outros sem ouvir os sons da palavras, estávamos em finais do cinema mudo!), mas como não transparecia para as legendas (ou inter títulos) o filme passou sem grande moléstia da censura. Refira-se ainda que estávamos também numa altura em que o código Hayes não funcionava em pleno. (o código, instituído pela The Motion Pictures Producers and Distributors Association (MPPDA), mais tarde conhecida por The Motion Picture Association of America (MPAA), só foi criado em 1930, tornando-se efectivo em 1934, vindo a ser abandonado unicamente em 1967, quando foi substituído pela classificação etária promovida pela MPAA, que ainda hoje vigora, com alterações ligeiras ao longo das últimas quatro décadas).
A obra, pensada para glória de Gloria Swanson, é contada com a eficácia de estilo de um clássico da aventura, com a secura narrativa de um cineasta tradicionalista como Raoul Walsh, com o talento e a elegância descritiva de uma realizador em plena fase de criativa maturidade. A representação de Gloria Swanson é excelente, uma das melhores da sua carreira. O filme, que esteve desaparecido, conta ainda com algumas cenas perdidas, mas foi recuperado recentemente para edição em DVD e oferece magnificas imagens e uma reconstrução das sequências finais, partindo de fotos e de material de estúdio. É uma ocasião quase única para surpreender a grande vedeta no apogeu da sua fase gloriosa, descobrir a sua sensualidade vulcânica, o seu olhar fatal, a sua forma de representar, contracenando com um brilhante Lionel Barrimore e um Walsh de olhos claros (ainda distante do famoso pala negra de Hollywood).


Pouco depois, em 1932, seria Joan Crawford a interpretar o papel de Miss Sadie Thompson, num elenco que a colocava ao lado de Walter Huston, Guy Kibbee e Beulah Bondi. A adaptação (partindo do conto e da mesma peça teatral) era do dramaturgo Maxwell Anderson, e a realização de Lewis Milestone. O filme chamava-se “Rain” e surgiram diversos problemas com a censura, apesar do Código ainda estar em período de instalação. Joan Crawford era a prostituta que chega a Pola-Pola e desencadeia a cólera do austero (e hipócrita) missionário (criado a preceito pelo fabuloso Walter Huston).
A realização de Lewis Milestone altera radicalmente o tom da adaptação, numa mistura de cinema de vanguarda com algumas experiências documentais que relembram Flaherty. Enquadramentos estranhos, montagem muito ritmada, uma representação expressiva, vivendo muito do grande plano e da eloquência do trabalho dos excelentes actores, alternam com planos de uma duração invulgar na época e mesmo um ou outro hesitante plano sequência. Há cenas notáveis, como a que opõe Walter Huston, o irredutível missionário, à escandalosa Joan Crawford, com o religioso no cimo de uma escada e a devassa em plano inferior, ambos falando em simultâneo, discursos paralelos que se anulam e nem um nem outro ouve, até que lentamente a demagogia do prior se acentua, domina Sadie que se cala e se afasta, se “apaga”, se intimida e se converte. Mas o trabalho de Joan Crawford é também ele de uma qualidade e força impares, mostrando bem como deveriam ser, por essa altura, os seus duelos com Bette Davis.
As interpretações ficaram na memória de muitos, de tal forma que a dupla Sonny and Cher, no seu programa de televisão "The Sonny and Cher Comedy Hour" (1971-1974) tinha um apontamento que surgia, de tempos a tempos, inspirado nesta dupla Crawford-Huston, a que dava o nome de "The Vamps." Também em “Road to Bali” (1952) há uma referência a esta versão, de que, curiosamente, Joan Crawford não gostava muito. Dizem as más-línguas que não se sentia a representar, que era a sua verdadeira maneira de ser que vinha ao cimo. Mas há também quem diga que é uma das películas mais inteligentes produzidas na América na década de 30, e quem refira a qualidade da realização de um grande cineasta, Lewis Milestone, que havia rodado, pouco antes, o brilhante “All Quiet on the Western Front” (1930). O filme denunciava um puritanismo hipócrita que tanto actores como realizador não procuraram dissimular. Por isso nunca conseguiu entrar no circuito comercial português, certamente “protegido” por uma forte censura dos costumes. Nesta versão a chuva e a paisagem atingem a importância de personagens, interferindo e condicionando psicologicamente figuras e situações.


Em 1946, aparece um filme curioso, de visão difícil hoje em dia, “Dirty Gertie from Harlem U.S.A.”, com Francine Everett e Don Wilson, escrito por True T. Thompson, e realizado por Spencer Williams. Trata-se de um versão, não creditada oficialmente, do mesmo conto de W. Somerset Maugham, mas desta feita inteiramente rodado com actores negros, em cenários condizentes. Não vimos nem conseguimos grandes informações suplementares.
Na comédia “Love Happy”, de 1949, imaginada pelos Irmãos Marx, aparece uma sequência coreografada, na qual Vera-Ellen dança com um grupo de Marines, regressados da II Guerra Mundial, bailado que cita directamente a obra de Lewis Milestone.


Será, todavia, em 1953, no filme “Miss Sadie Thompson”, com a exuberante Rita Hayworth, dirigida por Curtis Bernhardt, que o conto de W. Somerset Maugham adquire maior projecção no cinema, apesar de não ser talvez a sua melhor adaptação. O drama da prostituta que viaja pelos mares do Sul, e encalha em Pola-Pola, ficando aí retida pelas tremendas chuvas tropicais que assolam a ilha, sofre algumas alterações para contentar o espírito moralista da época (com o código a funcionar em pleno!). Sadie Thompson deixa, por exemplo, de ser prostituta e passa a ser uma cantora, animadora de cabarets baratos, em viagem entre dois empregos. Em Pola-Pola, no Hawai, base militar americana, fica instalada numa pensão decrépita, onde se recolhem igualmente um missionário e um médico e as respectivas esposas. O missionário é um irrequieto pregador da virtude, a quem o gramofone de Miss Thompson causa calafrios, bem assim como a boa disposição desta, o seu imoderado gosto pelo tabaco e a bebida, e a forma franca e descomplexada como recebe nos seus aposentos marines que curtem as folgas. Alfred Davidson (José Ferrer), o missionário, é o protótipo do pior que a América sempre teve, e tem, e que é uma herança de um certo puritanismo fradesco e fascistoide de inspiração europeia, óbvio. Mesmo um conservador, como o Dr. MacPhail (Russell Collins), não consegue entender a maldade que se esconde sob as vestes da prepotência espiritual do sacerdote, e chega timidamente a revoltar-se. Mas Alfred Davidson está na disposição de enviar Miss Sadie Thompson para fora da ilha, recambiá-la para São Francisco, e para um prisão infecta, denunciá-la ao governador e marcar passagem no primeiro navio que por ali passar, até que Miss Thomson se arrepende, e procura ter o conforto do missionário para a “libertar do demónio” nas longas, mas poucas noites que lhe restam em Pola-Pola. Afinal não será a voluptuosa Miss Sadie a ceder, perante a imagem do milagroso Davidson, mas este a revelar a sua verdadeira essência. Alfred Davidson referindo-se a Sadie Thomson dizia: “From now on you will be strong. There is to be no more fear. Radiant... beautiful... you will be one of the daughters of the kingdom. That's what you are now, Sadie, one of the daughters of the kingdom... radiant... beautiful.” Beautiful.


O filme oscila entre o drama social e o musical (as duas nomeações para os Oscars do ano vão para a partitura musical e a canção de Lester Lee e Ned Washington: "Sadie Thompson's Song - Blue Pacific Blues"), mas tem vastos motivos para ser visto. Desde logo pela presença de Rita Hayworth, vinda de “Gilda” e “A Dama de Xangai”, que aqui nos dá um bom retrato de mulher aventureira e rebelde. Também pela rigidez de actuação de José Ferrer, que consegue ser odioso nas suas acções e palavras. A realização não será particularmente brilhante, mas é eficaz. Mesmo o folclorismo da encenação numa ilha do Hawai não é totalmente desinteressante, marcando um bom contraste com a austeridade de uns poucos e a alegria de viver da maioria. Mas em qualquer dos casos a obra de W. Somerseth Maugham é definitivamente muito mais cáustica e arrasadora de preconceitos e hipocrisias que qualquer uma das suas adaptações. Creio poder mesmo dizer que com “Rain” nos deparamos com uma das obras-primas do conto que nunca teve a sorte de encontrar transposição para o ecrã à altura dos seus méritos. Apesar de nenhuma das adaptações ser menosprezável.



A SEDUÇÃO DO PECADO
Título original: Sadie Thompson
Realização: Raoul Walsh, William Cameron Menzies (EUA, 1928); Argumento: Raoul Walsh, C. Gardner Sullivan, segundo peça teatral “Rain”, de John Colton e Clemence Randolph, retirada do conto de W. Somerset Maugham ("Miss Thompson"); Fotografia (p/b): George Barnes, Robert Kurrle, Oliver T. Marsh; Montagem: C. Gardner Sullivan; Direção artística: William Cameron Menzies; Direcção de produção: Pierre Bedard; Assistente de realização: William Tummel; Produção: Raoul Walsh, Gloria Swanson; Companhias produtoras: Gloria Swanson Pictures Corporation;
Intérpretes: Gloria Swanson (Sadie Thompson), Lionel Barrymore (Alfred Davidson), Blanche Friderici (Mrs. Alfred Davidson), Charles Lane (Dr. Angus McPhail), Florence Midgley (Mrs. Angus McPhail), James A. Marcus (Joe Horn), Sophia Artega (Ameena), Will Stanton (Bates), Raoul Walsh (Sgt Timothy 'Tim' O'Hara), Charles Sullivan (Marinheiro), etc.
Duração: 91 minutos (97 minutos, na versão original); Estreia: 7 de Janeiro de 1928 (EUA); Locais de filmagem: Ilha de Santa Catalina, Channel Islands, California, EUA.

(Sem título em Portugal; não estreado comercialmente)
Título original: Rain
Realização: Lewis Milestone (EUA, 1932); Argumento: Maxwell Anderson, segundo peça teatral “Rain”, de John Colton e Clemence Randolph, retirada do conto de W. Somerset Maugham ("Miss Thompson"); Música: Alfred Newman; Fotografia (p/b): Oliver T. Marsh; Montagem: W. Duncan Mansfield; Direção artística: Richard Day; Assistente de realização: Nate Watt; Som: Frank Grenzback; Produção: Lewis Milestone, Joseph M. Schenck; Companhias produtoras: Lewis Milestone Productions Inc., United Artists, Feature Productions.
Intérpretes: Joan Crawford (Sadie Thompson), Walter Huston (Alfred Davidson), Fred Howard (Hodgson), Ben Hendricks Jr. (Griggs), William Gargan (Sgt. Tim 'Handsome' O'Hara), Mary Shaw (Ameena), Guy Kibbee (Joe Horn), Kendall Lee (Mrs. Robert MacPhail), Beulah Bondi (Mrs. Alfred Davidson), Matt Moore (Dr. Robert MacPhail), Walter Catlett (Bates), etc.
Duração: 92 minutos; Estreia: 12 de Outubro de 1932 (EUA); Locais de filmagem: Ilha de Santa Catalina, Channel Islands, California, EUA.

(Sem título em Portugal; não estreado comercialmente)
Título original: Dirty Gertie from Harlem U.S.A.
Realização: Spencer Williams (EUA, 1946); Argumento: True T. Thompson, Segundo conto de W. Somerset Maugham ("Miss Thompson"), não creditado; Fotografia (p/B): John L. Herman; Direcção artística: Ted Soloman; Maquilhagem: Frillia; Departamento de arte: J.L. Bock; Som: Richard E. Byers; Produção: Bert Goldberg, Alfred N. Sack; Companhia de produção: Sack Amusement Enterprises
Intérpretes: Francine Everett (Gertie La Rue), Don Wilson (Diamond Joe), Katherine Moore (Stella Van Johnson), Alfred Hawkins (Jonathan Christian), David Boykin (Ezra Crumm), L.E. Lewis (Papa Bridges), Inez Newell (Mama Bridges), Piano Frank (Larry), John King (Al), Shelly Ross (Big Boy), Hugh Watson, Don Gilbert, Spencer Williams, July Jones, Howard Galloway, etc.
Duração: 65 minutos; Locais de filmagem: Dallas, Texas, EUA; San Antonio, Texas, EUA.

CHUVA
Título original: Miss Sadie Thompson
Realização: Curtis Bernhardt (EUA, 1953); Argumento: Harry Kleiner, segundo conto de W. Somerset Maugham ("Miss Thompson"); Música: George Duning; Fotografia (cor): Charles Lawton Jr.; Montagem: Viola Lawrence; Direção artística: Carl Anderson; Decoração: Louis Diage; Guarda-roupa: Jean Louis; Maquilhagem: Clay Campbell, Helen Hunt, Robert J. Schiffer; Assistente de realização: Sam Nelson; Departamento de arte: Harold Michelson; Som: George Cooper; Coreografia: Lee Scott; Produção: Jerry Wald; Companhias produtoras: Columbia Pictures Corporation.
Intérpretes: Rita Hayworth (Sadie Thompson, com a voz de Jo Ann Greer nas sequências cantadas), José Ferrer (Alfred Davidson), Aldo Ray (Sgt. Phil O'Hara), Russell Collins (Dr. MacPhail), Diosa Costello (Ameena Horn), Harry Bellaver (Joe Horn), Wilton Graff (Governador); Peggy Converse (Mrs. Davidson), Henry Slate (soldado Griggs), Rudy Bond (soldado Hodges), Charles Bronson (como Charles Buchinsky) (soldado Edwards), Frances Morris (Mrs. MacPhail), Peter Chong (Chung), John Grossett (padre), Robert G. Anderson, Elizabeth Bartilet, Erlynn Mary Botelho, Eduardo Cansino Jr., Johnny Duncan, Ben Harris, Harold 'Tommy' Hart, Charles Horvath, Ted Jordan, Al Kikume, Freddie Letuli, Joe McCabe, Dennis Medieros, Ted Pavelec, Frank Stanlow, Billy Varga, etc.
Duração: 91 minutos; Estreia: 23 de Dezembro de 1953 (EUA); Locais de filmagem: Kaua`i, Hawaii, EUA.

4 comentários:

Ana Paula Sena disse...

Não conhecia estas adaptações ao cinema do conto de Somerset Maugham. Pareceram-me muito interessantes, até porque gosto imenso do escritor em causa. Tomei nota desta óptima referência e agradeço o seu texto que tão bem me informou.
Beijinhos!

C. disse...

Tal como a Ana Paula também gosto muito do Somerset Maugham. Gostei de ler o seu texto e saber que do conto foi feito filme.

:)

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...

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