VOLTEI AO PARQUE MAYER
Voltei ao Parque, voltei ao Maria Vitória, voltei à Revista. À portuguesa.
Devo dizer que gosto muito de Revista, desde sempre. Durante muitos anos não perdia uma. Eu sei que a música não é Verdi, o bailado não é Pina Bausch, o texto não é Gil Vicente. Quase nunca o foi. Por vezes há mesmo um certo miserabilismo nos cenários, os bailarinos são trôpegos, os actores em fim de estação, as coristas da loja de trezentos, enfim… a revista pode ser uma desgraça, mas é difícil não ter o seu encanto. O encanto de uma devoção a um género que persiste em não morrer. A sedução de algo que consegue ser verdadeiramente popular, numa mistura de luzes e cores que tanto desemboca na alegria hilariante como na dolorosa nostalgia de um certo “fado lusitano”. A Revista raras vezes foi “pimba”, falsamente popular. Era (e continua a ser nalguns casos) artesanato popular autêntico recriado em cima do palco. Bordalo das Caldas, garrido e certeiro na crítica e no manguito. Foi muitas vezes pobrezinha mas honrada. Depois deixou de ser honrada, vendeu-se à pimbalhada do popularucho falso, quis ganhar dinheiro à pressa, e quase matou a galinha dos ovos de oiro. Gritar grosserias e dizer tudo quanto vem à cabeça contra quem quer que seja, culpado ou inocente, só para os papalvos comerem rápido e pagarem célere, não surte efeito. Mas esta época parece estar a desaparecer. Graças!
Caem os prédios à volta dos Teatros, desaparecem restaurantes e cafés, já não se compram livros em segunda mão num carrinho no meio do largo, não há vedetas internacionais em plumas e lantejoulas, já não se anunciam as “águas que dançam” ou outras novidades tecnológicas de arregalar o olho, mas há homens e mulheres que persistem em lutar por um tipo de espectáculo único.
Compreendo quem não aprecie, nem nunca apreciou. Há gostos para tudo. Respeito. A revista tem de ter o “seu” público. Não é diferenciado nem por classes ou idades. É-o por emoção. Há quem a sinta e quem não a sinta. Eu sinto-a desde miúdo. Por ali vi e convivi com grandes actores e actrizes, encenadores e músicos, por ali ri da crítica que me fazia pensar nos males do antigo regime, por ali catrapisquei vedetas que eram lindas e sedutoras, mesmo quando as meias de rede já ostentavam buracos. Sempre me senti bem no Parque Mayer, mesmo quando começou a ruir. Sempre esperei que mais dia, menos dia, aquele espaço readquirisse a dignidade de outras épocas. Por lá filmei muitos dos 16 episódios de uma série para a RTP dedicada a grandes actores de revista e comédia, “A Paródia”. Filmei a Ivone Silva e a Marina Mota, o Carlos Cunha e o Salvador no Maria Vitória na noite anterior ao incêndio que o arrasou. Não esqueço a peregrinação com o Camacho Costa, a Eduarda e o Frederico ao ABC em rescaldo de chamas. O Parque sempre foi fácil de incendiar. Palcos e corações. Eu gosto do Parque, já perceberam. Eu gosto da Revista, já deu para entender.
Por isso voltei ontem ao Parque, ao Maria Vitória e gostei de voltar. ‘Hip Hop’arque’ é o título desta nova produção conjunta de Hélder F. Costa e da actriz, e aqui também encenadora, Marina Mota, que conta no elenco com Carlos Cunha, João Baião e Ana Brito e Cunha (na sua estreia no género).
Começo por dizer que os actores são excelentes. Marina Mota nunca devia ter abandonado a Revista, onde foi Princesa e hoje é Rainha. (Há anos chamei-lhe o Futre da Nova Geração da Revista e cumpriu as esperanças). Carlos Cunha respira a Revista. É a sua casa natural. Movimenta-se com a elegância de Salvador. João Baião adapta-se na perfeição e desdobra-se com talento. Ana Brito e Cunha é uma revelação nesta sua estreia. Rui de Sá excelente. Paulo Vasco divertidíssimo. Os cenários e figurinos de Helena Reis são muito bonitos, por vezes invulgares. A coreografia de Marco de Camillis evita a pobreza franciscana habitual. A música ouve-se bem. O texto tem coisas boas e outras já muito vistas e revistas – é mesmo a pecha maior, que os actores salvam com a sua verve e improvisação (quase sempre muito mais engraçada que o texto original).
Deve dizer-se sobre a maior parte dos textos das Revistas depois de 1974 que estes pioraram muito depois do fim da censura. É dramático dizê-lo, mas é verdade. Antigamente fazia-se crítica velada, codificada, cheia de piscares de olhos. Os autores escreviam para espectadores inteligentes que tinham que compreender as insinuações. Hoje é um fartar vilanagem que não convence ninguém, a não ser os mais primários. Apetece quase solicitar superiormente que se crie uma censurazinha só para a Revista para ver se os autores passam a cuidar mais da forma de criticar. Mas o melhor mesmo, que a Liberdade é preciosa!, é aprenderem a escrever em Liberdade.
Mesmo assim saí muito satisfeito do Maria Vitória. Nos camarins era um corrupio de gente a abraçar os resistentes e muito merecidamente. O regresso da Marina e do Carlos é um sucesso brilhante. Eles fazem falta à Revista. E há “números” para entrarem directamente na História do género. O Arrumado, a Escola do Grito, o Milho Verde mostram um Carlos Cunha em grande. No Calor da Noite, o Dr. House, o cirurgião estético fazem justiça ao talento de João Baião. A Provadora da Revista é uma ideia magnífica que podia ter sido desenvolvida, na linha de um Diácono Remédios, e que Ana Brito e Cunha merecia. O “quadro de rua” tem momentos divertidíssimos, com os Agentes CSIs Galinheiras, Tretas e Tetas. Um Rui de Sá em bom plano, como ajudante. Paulo Vasco é um “Lobo” e um sacristão impagáveis. E Marina Mota não falha uma intervenção, mostra talento de sobra, mesmo quando o texto não a ajuda. Ela representa, canta e leva-nos a todos na sua marchinha.
A uma publicação afirmou: “Não há falta de talento na Revista. Há bons autores, bons actores, bons cantores. Mas é preciso melhores infra-estruturas, ou seja, maiores e melhores espaços, salas bem equipadas e com condições dignas de acolhimento do público. E isso depende da boa vontade dos nossos governantes, que só se lembram do Parque quando é preciso caçar votos”. Concordo e assino por baixo, com um grande abraço para toda a equipa.
Devo dizer que gosto muito de Revista, desde sempre. Durante muitos anos não perdia uma. Eu sei que a música não é Verdi, o bailado não é Pina Bausch, o texto não é Gil Vicente. Quase nunca o foi. Por vezes há mesmo um certo miserabilismo nos cenários, os bailarinos são trôpegos, os actores em fim de estação, as coristas da loja de trezentos, enfim… a revista pode ser uma desgraça, mas é difícil não ter o seu encanto. O encanto de uma devoção a um género que persiste em não morrer. A sedução de algo que consegue ser verdadeiramente popular, numa mistura de luzes e cores que tanto desemboca na alegria hilariante como na dolorosa nostalgia de um certo “fado lusitano”. A Revista raras vezes foi “pimba”, falsamente popular. Era (e continua a ser nalguns casos) artesanato popular autêntico recriado em cima do palco. Bordalo das Caldas, garrido e certeiro na crítica e no manguito. Foi muitas vezes pobrezinha mas honrada. Depois deixou de ser honrada, vendeu-se à pimbalhada do popularucho falso, quis ganhar dinheiro à pressa, e quase matou a galinha dos ovos de oiro. Gritar grosserias e dizer tudo quanto vem à cabeça contra quem quer que seja, culpado ou inocente, só para os papalvos comerem rápido e pagarem célere, não surte efeito. Mas esta época parece estar a desaparecer. Graças!
Caem os prédios à volta dos Teatros, desaparecem restaurantes e cafés, já não se compram livros em segunda mão num carrinho no meio do largo, não há vedetas internacionais em plumas e lantejoulas, já não se anunciam as “águas que dançam” ou outras novidades tecnológicas de arregalar o olho, mas há homens e mulheres que persistem em lutar por um tipo de espectáculo único.
Compreendo quem não aprecie, nem nunca apreciou. Há gostos para tudo. Respeito. A revista tem de ter o “seu” público. Não é diferenciado nem por classes ou idades. É-o por emoção. Há quem a sinta e quem não a sinta. Eu sinto-a desde miúdo. Por ali vi e convivi com grandes actores e actrizes, encenadores e músicos, por ali ri da crítica que me fazia pensar nos males do antigo regime, por ali catrapisquei vedetas que eram lindas e sedutoras, mesmo quando as meias de rede já ostentavam buracos. Sempre me senti bem no Parque Mayer, mesmo quando começou a ruir. Sempre esperei que mais dia, menos dia, aquele espaço readquirisse a dignidade de outras épocas. Por lá filmei muitos dos 16 episódios de uma série para a RTP dedicada a grandes actores de revista e comédia, “A Paródia”. Filmei a Ivone Silva e a Marina Mota, o Carlos Cunha e o Salvador no Maria Vitória na noite anterior ao incêndio que o arrasou. Não esqueço a peregrinação com o Camacho Costa, a Eduarda e o Frederico ao ABC em rescaldo de chamas. O Parque sempre foi fácil de incendiar. Palcos e corações. Eu gosto do Parque, já perceberam. Eu gosto da Revista, já deu para entender.
Por isso voltei ontem ao Parque, ao Maria Vitória e gostei de voltar. ‘Hip Hop’arque’ é o título desta nova produção conjunta de Hélder F. Costa e da actriz, e aqui também encenadora, Marina Mota, que conta no elenco com Carlos Cunha, João Baião e Ana Brito e Cunha (na sua estreia no género).
Começo por dizer que os actores são excelentes. Marina Mota nunca devia ter abandonado a Revista, onde foi Princesa e hoje é Rainha. (Há anos chamei-lhe o Futre da Nova Geração da Revista e cumpriu as esperanças). Carlos Cunha respira a Revista. É a sua casa natural. Movimenta-se com a elegância de Salvador. João Baião adapta-se na perfeição e desdobra-se com talento. Ana Brito e Cunha é uma revelação nesta sua estreia. Rui de Sá excelente. Paulo Vasco divertidíssimo. Os cenários e figurinos de Helena Reis são muito bonitos, por vezes invulgares. A coreografia de Marco de Camillis evita a pobreza franciscana habitual. A música ouve-se bem. O texto tem coisas boas e outras já muito vistas e revistas – é mesmo a pecha maior, que os actores salvam com a sua verve e improvisação (quase sempre muito mais engraçada que o texto original).
Deve dizer-se sobre a maior parte dos textos das Revistas depois de 1974 que estes pioraram muito depois do fim da censura. É dramático dizê-lo, mas é verdade. Antigamente fazia-se crítica velada, codificada, cheia de piscares de olhos. Os autores escreviam para espectadores inteligentes que tinham que compreender as insinuações. Hoje é um fartar vilanagem que não convence ninguém, a não ser os mais primários. Apetece quase solicitar superiormente que se crie uma censurazinha só para a Revista para ver se os autores passam a cuidar mais da forma de criticar. Mas o melhor mesmo, que a Liberdade é preciosa!, é aprenderem a escrever em Liberdade.
Mesmo assim saí muito satisfeito do Maria Vitória. Nos camarins era um corrupio de gente a abraçar os resistentes e muito merecidamente. O regresso da Marina e do Carlos é um sucesso brilhante. Eles fazem falta à Revista. E há “números” para entrarem directamente na História do género. O Arrumado, a Escola do Grito, o Milho Verde mostram um Carlos Cunha em grande. No Calor da Noite, o Dr. House, o cirurgião estético fazem justiça ao talento de João Baião. A Provadora da Revista é uma ideia magnífica que podia ter sido desenvolvida, na linha de um Diácono Remédios, e que Ana Brito e Cunha merecia. O “quadro de rua” tem momentos divertidíssimos, com os Agentes CSIs Galinheiras, Tretas e Tetas. Um Rui de Sá em bom plano, como ajudante. Paulo Vasco é um “Lobo” e um sacristão impagáveis. E Marina Mota não falha uma intervenção, mostra talento de sobra, mesmo quando o texto não a ajuda. Ela representa, canta e leva-nos a todos na sua marchinha.
A uma publicação afirmou: “Não há falta de talento na Revista. Há bons autores, bons actores, bons cantores. Mas é preciso melhores infra-estruturas, ou seja, maiores e melhores espaços, salas bem equipadas e com condições dignas de acolhimento do público. E isso depende da boa vontade dos nossos governantes, que só se lembram do Parque quando é preciso caçar votos”. Concordo e assino por baixo, com um grande abraço para toda a equipa.
1 comentário:
Paulo Vasco esse fabuloso actor que dá uma imensa vida a todas as revistas no parque mayer, desde os tempos do ABC, mais tarde no Maria Vitoria, esse verdadeiro artista vive quase no anonimato, é pena porque a vida das revistas é ele. Ele é a luz, a alegria e o lado bom do teatro de revista, flashes nao sao com ele.
Um grande Bravo!!!!
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