quarta-feira, fevereiro 06, 2008

SWEENEY TODD, II




“SWEENEY TODD”

NA LITERATURA E NO TEATRO

“Sweeney Todd or The String of Pearls” aparece entre 1846 e 1847, como romance de cordel, distribuído ao longo de dezoito semanas, nas ruas de Londres. Fala da história macabra de um barbeiro de nome Sweeney Todd, que assassinava as suas vítimas à navalhada, sendo a carne das mesmas aproveitada para saborosas empadas. A tradução deste romance popular apareceu agora numa colecção de “Clássicos” da Europa América e é absolutamente excessivo classificar de “clássica” esta historieta não muito bem escrita nem sequer muito desenvolvida. Nada a ver com os grandes “clássicos” do terror gótico, do melhor policial inglês, sequer aproximar-se da melhor literatura vitoriana inglesa. De resto, “Sweeney Todd, o Terrível Barbeiro de Fleet Street” surge como sendo de autor anónimo, quando na contra capa da edição portuguesa se anuncia que o seu autor foi um tal Edward Lloyd, “o rei dos folhetins “penny dreadful”. Ora tudo indica que, no máximo, Edward Lloyd tenha sido apenas o editor.

Veja-se a referência biográfica: Edward Lloyd nasceu Thornton Heath, Surrey a 16 de Fevereiro de 1815. Ainda jovem, abriu uma loja em Shoreditch onde vendia jornais e livros, começando pouco depois a editar as suas próprias publicações, como “Pickwickian Songster” ou “Ethiopian Song Book”. Em 1842 começou lançou “Lloyd's Penny Weekly Miscellany”, e mais tarde “Lloyd's Illustrated London Newspaper”, que rivalizava com o popular “Illustrated London News”. Juntou-se ao jornalista Douglas Jerrold em 1852, e, pouco depois, a Blanchard Jerrold, o filho, criando o “Lloyd's Weekly”. Em 1876 Lloyd comprava o “Daily Chronicle” por 30,000 libras e tornou-o o primeiro diário londrino. Morreu a 8 de Abril de 1890.
Não consta que tenha escrito “Sweeney Todd”, mas poderá tê-lo publicado. O autor, no entanto, foi Thomas Peckett Prest (1810-1859), escritor de "penny dreadfuls", termo que já aqui surge pela segunda vez e que convém saber do que se trata. “Penny Dreadful” foi a designação por que ficaram conhecidas as publicações inglesas de século XIX, editadas em série, normalmente em semanas sucessivas, cada folhetim custando um “penny”, e contando uma mesma história sensacionalista, de suspense, terror ou policial que iam procurando manter o leitor interessado de episódio para episódio. Conta-se que estas revistas de papel barato e preço módico interessavam às classes trabalhadoras e aos jovens, particularmente aos rapazes (há evidência, diz a fonte donde recolhemos as informações, que as raparigas também as consumiam). A "penny dreadfuls" que tinha por título "The String of Pearls: A Romance", terá, no entanto, sido publicada pela primeira vez no “The People's Periodical”, número 7, de 21 de Novembro 21 de 1846.
Voltando a Thomas Peckett Prest, este não é nome a desprezar. É conhecido por uma obra que dizem estar na base do “Drácula”, de Bram Stocker, “Varney, the Vampire”, e por ter criado "Sweeney Todd," o diabólico barbeiro, que mais tarde Stephen Sondheim iria popularizar num musical. Mas este musical não iria beber directamente a Prest, já que o folhetim deste daria origem a um melodrama teatral em 1847, da autoria de George Dibden Pitt, que, por sua vez, estaria na base de uma peça de teatro de Christopher Bond, que serviria de base ao libreto de Hugh Wheeler, que inspirou música e letra de canções de Stephen Sondheim.
George Dibden Pitt, dramaturgo de sucesso, re-intitulou o estranho caso de Sweeney Todd: “The String of Pearls: The Fiend of Fleet Street” (mas há quem afirme que o novo título foi logo “Sweeney Todd the Demon Barber of Fleet Street”), anuncia-o "Founded on Fact", ambienta-o no reinado de Jorge II (fim do século XVIII) e estreia a peça no dia 1 de Março de 1847, no Britannia Theatre, em Hoxton, uma sala de teatro que era carinhosamente chamada "bloodbath" por se ter especializado em melodramas sensacionalistas, com muito sangue a correr do palco para a plateia. Numa Inglaterra vitoriana, “Sweeney Todd” encaixava a matar.
Quanto à peça de 1973, da autoria do dramaturgo inglês Christopher Bond e intitulada unicamente “Sweeney Todd”, merece um comentário extra, pois foi nela que pela primeira vez Sweeney Todd era um pseudónimo para um barbeiro de nome Benjamin Barker que, pela primeira vez também, não executava os seus clientes por pura maldade, mas por vingança, pois tinha sido injustamente condenado a quinze anos de degredo na Austrália, por crimes que não cometera. Afastado da mulher e da filha, Benjamin Barker não pensa em mais nada senão na vingança, sobretudo no momento em que terá à sua mercê a garganta do juiz que o enviou para tão longo e pesado exílio. A personagem ganha uma nova complexidade psicológica e o “mito urbano” actualiza-se. Não esquecer que 1973 vem pouco depois da explosão justicialista de 1968.
Toda a genealogia literária de “Sweeny Todd” fica assim explicada? Nem por isso. Muito fica na sombra. Foi Sweeney Todd uma invenção de inspirados escritores ingleses de textos góticos? No século XIV em França já se falava de um temível barbeiro que golpeava com mão de mestre os pescoços dos seus clientes e envia a carne dos cadáveres para enchido de iguarias sob a forma de empadas. Diz um texto de Vladimiro Nunes (semanário “Sol”, 2.2.2008) que “nessa época as mães francesas cantavam aos filhos indisciplinados uma balada que descrevia os crimes macabros do inquilino do número 24 da Rue des Marmouzets, em Paris. Quase 400 anos depois, em 1825, a revista “The Tell-Tall Magazine” publicou uma história em tudo semelhante, alegadamente recolhida nos arquivos da Polícia Francesa.”
Deixando de lado a propriedade pedagógica das mães francesas, assalta-nos a dúvida: terá existido em França ou Inglaterra, na Rue des Marmouzets (ou terá sido na Rue de la Harpe, como a Wikipedia assinala?) ou em Fleet Street, um “serial killer” barbeiro que não deixaria tranquilos os seus estimados clientes no acto de aplanar a barba e/ou o cabelo, preferindo-lhe a remoção integral do pescoço? No mesmo artigo do semanário “Sol” afirma-se que, numa obra de 1993, “o historiador de crimes Peter Haining defende que Todd matou mesmo 160 pessoas ao longo de 17anos e que acabou enforcado em 1802, aos 45 anos.” Peter Haining escreveu mesmo duas obras sobre a personagem: “The Mystery and Horrible Murders of Sweeney Todd, The Demon Barber of Fleet Street”. Ed. F. Muller (1979), e “Sweeney Todd: The Real Story of the Demon Barber of Fleet Street”, ed. Boxtree. BBC Press Office (1993). Outras obras a ter em conta serão as de Robert L. Mack, “Sweeney Todd”, Ed. Oxford University Press (2007) ou “The Wonderful and Surprising History of Sweeney Todd”, Ed. Continuum International Publishing Group (2008).
Voltando ao teatro, diga-se que Portugal (melhor dizendo, Lisboa) teve direito a duas versões deste musical, ambas da responsabilidade de João Lourenço, encenação, e João Paulo Santos, condução de orquestra. “Sweeney Todd, o Terrível Barbeiro de Fleet Street” teve uma primeira montagem no Teatro Nacional de S. Maria II, em 1997, com Jorge Vaz de Carvalho como Sweeney Todd e Helena Afonso como Mrs. Lovett, além de Pedro Cheves, Helena Vieira, António Wagner Diniz, Carlos Guilherme, Anãs Ferraz, Henrique Feist, Luís Castanheira, Roberto Candeias, etc. Magnifica versão, diga-se, vi e posso comprovar. Uma das grandes noites de teatro em Portugal.


A segunda versão nacional apareceu em finais de 2007, no Teatro Aberto, interpretada desta feita por Mário Redondo, na personagem de Sweeney Todd, e Ana Ester Neves, na de Mrs. Lovett. Infelizmente não vi, mas calculo que tenha tido qualidade idêntica à anterior. Não seria de reprisar, agora que surgiu o filme, e muitos gostriam certamente de comparar?
Para mais informação sobre o musical, as diferentes representações e a obra de Shondeim, veja o site
www.sondheimguide.com

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