quinta-feira, julho 31, 2008

O QUE ANDEI A LER

Leituras
Depois de meses enredado em leituras políticas que tinham Salazar e Humberto Delgado como protagonistas, foi a partir de Maio que me lancei mais propriamente por outros terrenos. O policial não faltou. Li um curioso e entretido “Cidade Inquieta”, de Brian Freeman (Ed. Presença), passado em Las Vegas. Li, no Brasil, o último Luiz Alfredo Garcia-Roza, “Na Multidão”, Ed. Companhia das Letras), com o sempre apetecível inspector Espinosa (que recomendo vivamente!) e descobri finalmente um outro brasileiro, Tony Bellotto, que lançou um detective privado de nome Bellini, na melhor tradição de Chandler (a não perder também, tanto mais que começou a ser editado em Portugal). Li três volumes, todos magníficos: “Bellini e os Espíritos”, “Belline e o Demónio”, e “Bellini e a Esfinge” (Ed. Companhia das Letras).
No mesmo campo, tentei ler “O Grande Fedor”, de Clare Clark (ed. Paralelo 48), mas deixei a meio sem pachorra. Os subterrâneos mal cheirosos de Londres, século XIX. OK. Sobre Londres vitoriana prefiro Conan Doyle, e sobre cheiros quem leu “O Perfume” tem uma bitola de comparação muito alta.
Chego então à obra-prima do género, “Os Homens que Odeiam as Mulheres”, do sueco Stieg Larsson (Ed. Oceanos). Bem escrito, imaginoso, moderno, com personagens brilhantemente descritas, situações que cruzam as crendices medievais, a informativa e os crimes de colarinho branco, esta é uma leitura obsessiva. Quando cheguei ao fim, lamentei não ter mais livro para ler. Mas vêm aí mais dois volumes. E não virão mais porque o jovem autor morreu pouco depois de ter entregue a sua obra na editora. Se os próximos volumes forem iguais a este, é um marco na literatura mundial. Reze-se para que a escolha do realizador a adaptar esta obra ao cinema seja de molde a que ele consiga captar o ambiente e o espírito. Ainda no Brasil, li “Jonas, o Copromanta” (Ed. Companhia das Letras), de uma Patrícia Melo de que gosto bastante. Este novo romance é magnífico e inquietante. Jonas, o protagonista, é empregado na Biblioteca Nacional, reescreve os clássicos para que terminem conforme à “sua” moral. Mas, para lá de tudo isto, a sua principal actividade é a adivinhação com base nos excrementos que diariamente vai deixando na sua retrete. Claustrofóbico, obsessivo, compulsivo, escrito de uma forma brilhante. A não perder.
Muito me tinham falado de Lya Luft, e de quem nunca tinha lido nada. “O Silêncio dos Amantes” (Ed. Record) cativou-me para ler no avião, de regresso a Lisboa. Fiquei sem saber para que lado me virar (acontece!), mas acabou por não me convencer muito. Tem uma escrita leve, clara, mistura emoção e fantástico, em histórias familiares, que contam histórias do passado, da meninice. Mas falta-lhe força e fica-se por uma escrita “light”. Quase que chega lá, mas pára a meio caminho.
De Carlos Ademar tinha lido e gostado muito de “O Homem da Carbonária”. O autor teve a amabilidade de me enviar agora “Memórias de um Assassino Romântico” (Ed. Oficina do Livro) que me deixou um pouco perplexo. É a história de um “serial killer” português que mata em nome de uma “justiça natural”. Parece ser homem “de esquerda”, e vai limpando o país de canalhas que a polícia não consegue encarcerar. Ele julga, assina e executa a sentença. É um processo que progressivamente o vai levando mais longe (até assassinar o primeiro ministro) e cada vez mais o fecha numa loucura sem saída. Óbvio que o autor não defende a justiça pelas próprias mãos, mas o processo é complicado e, julgo, perigoso. De Carlos Ademar li também “Estranha Forma de Vida”, de que gostei mais.
Mário de Carvalho lançou “A Sala Magenta” (Ed. Caminho), que tem um realizador de cinema português como protagonista. É bem escrito como sempre, num torvelinho de vidas sem horizontes, amores e desamores, doenças e mortes, trajectórias que terminam tão mediocremente como foram existindo. Não me trouxe nada de novo, mas marca a presença de um dos nossos bons escritures. Lídia Jorge deu-nos também cinco contos que rodam à volta de locais urbanos realmente existentes, como a “Praça de Londres” (Ed. Dom Quixote”). Contos poéticos, mágicos, um deles chamado “Perfume” que homenageia um realizador turco, Yilmaz Guney, autor de “Yol”. Gostei deste particularmente.
“A Mulher que Prendeu a Chuva”, de Teolinda Gersão (Ed. Sudoeste) agrupa catorze histórias de um dia a dia que se cruza com o maravilhoso, o fantástico, o mágico. É uma escrita que nos enreda, nos envolve. Sou muito sensível ao universo de Teolinda Gersão e às suas pequenas histórias de gente aparentemente sem importância. Finalmente, por agora, estou nas últimas páginas de “No me Callo!”, de Bart Jones (Ed. Ministério dos Livros), “a biografia explosiva de Hugo Cháves”. Livro muito interessante sobre uma personagem complexa que continuamente foge a definições apressadas. Tinha-o com um aprendiz de ditador meio louco. Mas havia, aqui e ali, alguém a levá-lo a sério. Inclusive Mário Soares, que não é pessoa para ter simpatia por ditadores. Tive muita curiosidade em percebê-lo melhor e o livro, escrito com alguma imparcialidade, oferece-nos um Cháves muito diferente do lugar comum a que muitos o procuram amordaçar. Muito interessante ainda para perceber a politica mundial, a manipulação de massas, os esquemas montados na perfeição para enganar o Zé-povinho. As teias de interesses que se movimentam por detrás de cada acontecimento “espontâneo”. Uma boa lição de historia política. Muito recomendável.

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