OS MAL-AMADOS
Recentemente saído, “Os Mal-Amados”, de Fernando Dacosta, é uma espécie de segunda versão, refundida e recriada, acrescida e retemperada, de uma outra obra do autor, “Nascido no Estado Novo”. Dividida em cinco partes, começa na Primavera (da marcelista ao 25 de Abril de 1974), passando pelo Verão (quente!), pelo Estio (de Sá Carneiro às aparições de Fátima), pelo Inverno ( da guerra das colónias) acabando no Outono (do nosso descontentamento, nalguns casos). Partindo de aproximações e análises muito pessoais (e vividas) de contactos com alguns dos mitos maiores do nosso País, nos últimos 50 anos, Dacosta recorda Salazar e Cunhal, Marcelo Caetano e Mário Soares, Amália Rodrigues e Natália Correia, Agostinho da Silva e Saramago, a Irmã Lúcia e Snu Abecassis, e muitos e muitos outros nomes que fizeram a grande e a pequena história do Portugal contemporâneo. Isto por si só seria muito, mas há muito mais, há o que faz a diferença em Dacosta: uma escrita elegante e viva, inebriante de cor e de riqueza emocional, pejada de anotações e citações autênticas recolhidas das bocas dos visados, todos eles olhados com respeito e por vezes com alguma admiração, mesmo quando não estimados pelo autor (Salazar é um caso típico, já assim tratado em “As Máscaras de Salazar”, esse magnífico best seller da literatura portuguesa mais recente). Jornalista por profissão, mas ficcionista por temperamento, Dacosta mescla com extraordinária mestria a realidade dos factos com a névoa da memória emotiva e oferece-nos uma belíssima panorâmica desta terra madrasta e maravilhosa onde se erguem na glória e se afundam no desespero tantos e tantos vultos e tantos e tantos heróicos anónimos que fizeram e fazem a nossa gesta. Indispensável para reconforto da alma e para nos conhecermos um pouco melhor a nós próprios. (Ed. Casa das Artes, 2008).
DIÁRIO DE UM VELHO LOUCO
Excelente é “Diário de Um Velho Louco”, de um autor japonês que não conhecia, Junichiro Tanizaki (Ed. Relógio d' Água, 2008). Trata-se de um romance curto, mas extremamente denso, escrito como diário de um homem de 77 anos, que sente a decrepitude do corpo a instalar-se e a morte a rondar, mas que não deixa de experimentar ainda sinais de uma sexualidade intensa, que extravasa em jogos algo perversos com a nora Satsuko, antiga bailarina que casou com o filho de Utsugi, e mantém com a complacência do velho um caso amoroso extra conjugal e ainda exercita uma excitante sedução, algo sado-masoquista como o sogro. Entre o diário de um doente, atreito a maleitas várias, atafulhado de remédios que vai enumerando e explicando, e as confissões de um libertino amoral que chegou a uma idade em que não tem de dar justificações a ninguém, e gosta de espiar o banho da nora e de lhe beijar os pés, “Diário de Um Velho Louco” é uma obra surpreendentemente melancólica e irónica, por vezes enraivecida contra o destino, outras vezes complacente com a ordem das coisas, e sempre filosófico quanto à condição humana.
Recolho da Wikipedia, alguns dados sobre o autor. Junichiro Tanizaki nasceu a 24 de Julho de 1886 e veio a falecer, com 79 anos, a 30 de Julho de 1965. É considerado um dos maiores autores da literatura japonesa moderna, ao lado de Kawabata, por exemplo, e é o mais popular romancista japonês depois de Natsume Soseki. Inicialmente sofreu muito a influências de Edgar Allan Poe, e de outros ocidentais que traduziu (Stendhal e Oscar Wilde, por exemplo). Participava de uma escola literária, “Tanbiha”, que valorizava a “arte e beleza acima de tudo”, contra um certo objectivismo da época.
Em 1923, um forte terramoto destruiu-lhe a casa, forçando-o a mudar-se para Ashiya, na região de Kyoto e Osaka, que lhe forneceu cenários para o seu romance “As Irmãs Makioka”. Principais obras: “Amor insensato” (1924), “Voragem” (1928), “Há quem prefira Urtigas” (1930), “A Chave” (1956), e este “Diário de um Velho Louco” (1965).
MARCADO PARA MORRER
Policiais bons são raros, apesar da muita (da excessiva) edição. “Marcado para Morrer”, de John Dunning (Ed. Estampa, 2008), é uma boa surpresa. Cliff Janeway, um detective bibliógrafo, descobre assassinado um “rato de bibliotecas”. Com base nesse macabro achado principia uma investigação, inicialmente nos quadros da polícia, depois por conta própria. Não há muito a inventar nestes casos. O mais interessante começa mesmo a ser o acidental: neste pormenor, o mundo dos livros, o negócio das primeiras edições, o comércio das encadernações intactas, o polícia que gosta de livros (um caso que começa a tornar-se vulgar, veja o brasileiro Spinosa, de Garcia Roza, ou o cubano Mário Conde, de Leonardo Padura, que são apenas dois exemplos). Mas o livro é escrito com vivacidade, consegue prender o leitor, tanto com a investigação do crime, como com os pormenores de um bibliógrafo obsessivo. De resto, o esquema recupera o policial à moda antiga, lembrando Hammet, entre outros.
John Dunning nasceu a 9 de Janeiro de 1942, em Brooklyn, NY. Infância atormentada por doenças. Denver tornou-se a cidade de Dunning, onde começou por se estabelecer como livreiro. Depois veio a literatura, curtos contos, finalmente o romance. Policial. Premiado e com uma larguíssima margens de leitores em todo o mundo. Apaixonado pela rádio escreveu “The Ultimate Encyclopedia of Old-Time Radio” (1976) e depois “On The Air” (1998). Com o mesmo detective, Cliff Janeway,e depois de “Booked to Die”, já apareceram dois novos volumes: “The Bookman's Wake” (1995) e “The Bookman's Promise” (2004). Sempre com crimes e livros às voltas. Acredite que é um bom conselho.
O PORTUGUÊS QUE NOS PARIU
Já me tinham falado neste livro há algum tempo, tanto em Portugal, como no Brasil. Sempre entusiasticamente. Resolvi lê-lo agora e foi uma agradável surpresa (ou confirmação do que me haviam dito): uma escrita divertida, irónica, crítica, leve, abordando a história de Portugal de um ponto de vista brasileiro, com alguma sátira à mistura, mas com uma enternecedora compreensão (e alguma admiração) para com a nossa História. A individual e a conjunta. Terá aqui e ali um erro de perspectiva histórica, mas de um modo geral é muito interessante, e não justifica de forma nenhuma alguma animosidade de certos portugueses que só lêem os títulos e se sentem logo ofendidos.
“O Português Que Nos Pariu”, de Ângela Dutra de Menezes (Ed. Livraria Civilização Editora - Porto, 2007) lê-se de um fôlego e acredito que seja um bom elo de ligação entre dois povos com tanto em comum.
Sherlock Homles nasceu da imaginação de Conan Doyle e da sua escrita, mas não morre. Cada ano que passa parece que a sua áurea aumenta e o seu mito se agiganta. São às dezenas as obras que se escrevem ultimamente tendo por base este detective privado que viveu nos anos vitorianos e prolonga a sua existência em todos os sentidos. Já aqui dei conta da leitura de alguns romances recentes que tinham Sherlock Holmes ou Conan Doyle como personagens centrais (por exemplo, “Arthur & George”, de Julian Barnes). Li agora “Sherlock Holmes,uma biografia não autorizada”, de Nick Rennison, que é um projecto fascinante, excelentemente concretizado. A ideia é sedutora desde início: Sherlock Holmes existiu na realidade. Viveu e exerceu a sua profissão em Inglaterra, sob o reinado da Rainha Vitória. Watson (o Caro Watson, companheiro omnipresente de Sherlock Holmes), vai registando os factos e as investigações e entrega a os relatórios a Arthur Conan Doyle que os redige e os faz publicar. Conan Doyle, porém, a determinada altura, sente-se inclinado a decidir que Holmes não passava de uma invenção sua. A coisa tem tal grau de plausibilidade que o leitor quase se chega a convencer disso.
Partindo das informações recolhidas nos vários romance de Conan Doyle, que têm como protagonista Sherlock Holmes, o autor vai reconstituir a existência “real” desse alguém que chega a ter mais personalidade e imposição existencial que muitas pessoas. Obviamente que nem tudo corresponde ao já escrito nos romances de Conan Doyle. Nick Rennison preenche com a sua imaginação e o rigor de uma pesquisa histórica indesmentível as lacunas ma biografia do célebre detective. Mas o resultado é fascinante e lê-se com apetite voraz. Um bom romance, dos melhores que conheço sobre a matéria. (Ed. Esfera do Caos, 2008).
3 comentários:
Meu caríssimo,
Não sei se eu comentei contigo sobre o livro da Angela Dutra, mas fiquei super feliz de vê-lo retratado e recomendado por ti. É exatamente do jeitinho que o descreves, homem pouco parcial, pelo menos no que se refere a livros e filmes. Ou serei eu a parcial, abusando do que Caetano imortalizou na sua cançào sobre Sampa "é que Narciso acha feio o que não é espelho" e aqui, eu acho quase tudo bonito.
Adorei a menção ao livro que é tudo de bom e resgata, para integrantes da primeira geração, um elo que muitos perderam com a raça.
Vou procurar o Sherlock Holmes, fiquei curiosíssima!
Beijo bom de verão que se anuncia.
Lori: Comentaste sim. E como sempre abriste o apetite. Bjs de inverno (enrolados em manta).
Se quer ler um livro muito bom leia um republicado pela D Quixote devido a que o autor Françês J.M.G.Le Clézio ganhou o prémio Nobel em 2008 de Nome Estrela Errante- sobre a fuga dos Judeus (que já para lá tinham fugido) e não só durante a segunda guerra de uma aldeia vista pelos olhos de uma criança, mas a história não é só isso é muito mais.é uma das melhores coisas a que já tive acesso.
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