sexta-feira, dezembro 05, 2008

TEATRO: O CORVO, DE SASTRE

“O CORVO” NO TEATRO IBÉRICO
Nem de propósito. Andava eu a ler e ver (filmes baseado no poema), quando me surge o convite da Florbela Oliveira para assistir à estreia de “O Corvo”, de Alfonso Sastre, no Teatro Ibérico.
Repescando de várias fontes: Alfonso Sastre (nascido em Madrid, a 20 de Fevereiro de 1926), escritor, dramaturgo, ensaísta e argumentista cinematográfico, é um dos principais exponentes da chamada “Generación de 1955”, grupo de artistas e intelectuais da resistência ao franquismo, muito próximo do Partido Comunista Espanhol. A sua prática política terá radicalizado posteriormente, avizinhando-se dos extremistas bascos, dos etarras e afins. Casado com Eva Forest, que esteve presa entre 1974 e 1977, acusada de ter colaborado com a E.T.A, no atentado da “Cafetería Rolando”, que terminou com 12 mortos, ele próprio conheceu a cadeia entre 1974 e 1975.
Sastre provém de uma típica família burguesa. Atravessou a Guerra Civil, conheceu bombardeamentos e fome, foi engenheiro aeronáutico, até se iniciar na escrita, com o grupo "Arte Nuevo", que fundou em 1945 com outros escritores (Medardo Fraile, Carlos J. Costas, José Franco, José Gordón, José María Palacio ou Alfonso Paso), com a intenção de “acabar com o tipo de teatro burguês”. Em 1947 começa a estudar filosofia e letras e funda a revista “Raiz”, colabora depois em “La Hora”, e em 1949 inicia a escrita de “Prólogo patético”, obra proibida pela censura. Sastre compromete-se com uma arte ao serviço do homem, num teatro social, de características marxistas. Em 1950 escreve com José Maria de Quinto, um “Manifiesto del Teatro de Agitación Social (TAS) e lança-se em polémicas defendendo que a sociedade deve ser transformada pelo poder da palavra e do teatro. Em 1953, concluído o curso de Filosofía, estreia o seu primeiro grande êxito, “Escuadra hacia la Muerte”, encenado pelo Teatro Popular Universitário e proibido depois da terceira representação.
Seguem-se obras como “La Mordaza” (1953), “Tierra Roja” (954), “La Sangre de Dios” (1955), “Ana Kleiber” (1955,), “Guillermo Tell tiene los Ojos Tristes” (1955), “Asalto nocturno” (1959), “La Cornada” (1959), “Oficio de Tinieblas” (1962), “El Banquete” (1965), “La Taberna Fantástica” (1966), “Crónicas Romanas” (1968), “Ejercicios de Terror” (1970), “Askatasuna” (1971), “Las Cintas Magnéticas” (1971), “El Camarada Oscuro” (1972), “Tragedia Fantástica de la Gitana Celestina” (1978), “Análisis de un Comando” (1978), “Aventura en Euskadi” (1982), “Los Hombres y sus Sombras” (1983), “El Viaje Infinito de Sancho Panza” (1984), “Los últimos días de Emmanuel Kant” (1985), “La Columna Infame” (1986), “Revelaciones inesperadas sobre Moisés” (1988), Demasiado Tarde para Filoctetes” (1989), “Teoría de las Catástrofes” (1993), “Lluvia de Ángeles sobre París” (1994), “Alfonso Sastre se suicida” (1997) ou “Drama titulado No” (2001), entre muitas outras peças, narrativas, ensaios, poemas, etc. Sastre é um dos mais prolixos escritores espanhóis ainda vivo, agora com 82 anos. Colaborou ainda em argumentos cinematográficos com os realizadores José María Forqué e Juan Antonio Bardem. Em 1960 escreve com J. M. Quinto o “Manifiesto del Grupo de Teatro Realista” que irá dar azo ao ensaio “Anatomía del Realismo” (1965).
“El Cuervo” (1956) data do seu período de maior fecundidade dramática, mas afasta-se um pouco do seu tipo de teatro social, impondo-se mais como uma curiosa incursão nos domínios do fantástico (o que sempre interessou a Sastre, que tem aliás outras obras de teatro e de narrativa neste contexto), com clara e declarada inspiração de “O Corvo”, de Edgar Allan Poe, de que, aliás, se declamam várias estrofes a meio da peça. Mas todo o clima fica a dever muito a Poe.
Numa noite de fim de ano (precisamente a de 1955), João prepara-se para passar a passagem de ano no seu solitário casarão, tendo por única companhia a sua velha empregada, Luísa, e o pesadelo da memória de trágicos acontecimentos que haviam ocorrido precisamente um ano atrás, quando, durante a passagem do ano de 1954, a sua mulher Laura havia sido assassinada, ao sair de casa para atender a alguém que tocara à porta. Apresta-se a tomar um copo de leite e deitar-se, carpindo mágoas pelo amor perdido, mas eis que toda a tragédia retorna: os amigos que tinham estado na anterior passagem de ano regressam, convidados por João, sem que ele o saiba, e no auge deste retrocesso ao passado, a falecida Laura desce as escadas e entra na sala, refeita de uma dor de cabeça que a retivera no quarto até aí, perante a estupefacção de todos os presentes que um ano antes a viram morta e assistiram ao seu enterro. João e todos os demais não voltarão a ter sossego. “Nevermore!”, diz o pássaro de negro presságio. O passado regressará sempre a toldar os seus dias, e nunca nada voltará a ser como era. Laura (Lenora) não deixará de pairar sobre aquela casa. O que aconteceu não abdicará de se repercutir no presente e no futuro.
A peça é muito interessante, bem construída, envolvente no seu mistério. A encenação e a cenografia de Marco Mascarenhas são eficazes e criam um bom clima (com economia de meios, para não dizer penúria de produção: percebe-se que tudo é aproveitado ao pormenor, o que valoriza o engenho). A cenografia, aliás, joga bem com o lado gótico do cenário da igreja transformada em teatro. Pena é que não se tenha dado um pouco mais de atenção a alguns pormenores, por exemplo ao exterior do cenário (quando se abre a porta sobre um jardim, vê-se uma flanela preta – um pouco mais de critério teria colocado aí uns arbustos, e deles retirado efeitos plásticos que se poderiam inclusive repercutir nas janelas). O elenco é desigual. Há actores fracos, outros que cumprem. Estão neste caso Onivaldo Dutra, Ana Sarabúa, João Gualdino e Florbela Oliveira, que agora regressa aos palcos depois de uma pausa na sua carreira. Espero que regresso em força. Esta sua aparição é um bom presságio.

1 comentário:

Frioleiras disse...

tomei nota.........

adoro as pequenas canções de Natal como as da Judy Garland...

um sabor de infância, ligado ao Cine do Fundão (davam estas pequenas joias, na altura de Natal...) e a tv tb...