quarta-feira, abril 01, 2009

O SOPRO EXTINGUIU-SE

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A carne começa a ser roída por dentro, a pele cola-se aos ossos, os olhos encovam-se por detrás de uma pálpebras corridas pelo cansaço, a respiração é ofegante, mas tímida, os dias vão passando e sente-se um sopro de vida preso, enjaulado num corpo já cadáver. A morte caminha, pressente-se, hoje está pior que ontem, há dias ainda dormia na cama e via televisão no cadeirão. Depois passou a pernoitar de dia na cama almofadada que as enfermeiras lhe vão colocando dos lados para não ferir a pele amarelecida. Toco-lhe na mão e sinto ainda um leve apertar de tendões. Tenta abrir os olhos, procura dizer o que lhe vai no coração. Faz um esforço para entreabrir os olhos. Hoje nem isso, à tarde. À noite, voava sabe-se lá para onde. Vestiram-na com o “vestido de ver a Deus”, que ela escolhera, negro e abotoado até cima, jaz na cama onde passou os últimos dias, mãos sobrepostas sobre o corpo, olhos fechados, um lenço a amparar-lhe a boca. Havia ainda há minutos um sopro de vida neste corpo. Que mistério é este que faz da matéria uma força desconhecida e que, num ápice, a devolve às cinzas? Que força é essa, Tia Ivone?

4 comentários:

V. disse...

A morte tem sempre o seu quê de devastador, absoluto e indefectível como de tranquilizador. Afinal de contas, terá certamente muito para nos ensinar porque liberta o homem de todos os males. Como último reduto de algo, faz-me lembrar uma frase do Gide: "Aquilo a que chamo fadiga é a velhice, de que a morte constitui o único repouso".

Um beijo

Frioleiras disse...

Um grande abraço..........

Está em Paz........

(neste 2009 já me faleceram 2 dos meus melhores amigos... e tenho outro a morrer.
Aguardo ansiosamente que tal aconteça.
não ao sofrimento !

O que custa,
o que é dramático,
é o ir-se morrendo...
o ir-se indo... a sofrer,
a sofrermos.

o sofrimento é a única coisa má nesta Vida. O físico e o moral.

a Morte

é o Alívio

a Paz.............................

(depois... logo se verá ..)

Abraço-te,
novamente.............

CNS disse...

A morte cola-se também na pele de quem a vê. Com o cheiro forte da ausência. Da impotência. É o nosso promontório, onde cruzam os medos e porquês sem resposta.Cabe-nos a árdua tarefa de o dobrar com serenidade.

Anónimo disse...

Não sabia que estava tão perto. Gostava muito da tia Ivone. Espero que tenha mantido a discrição e a elegância até ao fim.

Um abraço e um beijo
Carlos Paulo