quarta-feira, julho 01, 2009

CINEMA: A RESSACA

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TODD PHILLIPS E “A RESSACA”
“A Ressaca”, de Todd Phillips, não era filme que eu fosse ver assim sem mais nem menos. Sabia que estava a bater records de público este verão nos EUA, mas já estou muito queimado em relação ao gosto do público americano quanto a comédias. Bons eram os tempos de Howard Hawks, de Billy Wilder, de Jerry Lewis, de Richard Quine, e de alguns mais. Mas para a última revoada de comédias (!?) para adolescentes frustrados com sexo, não tenho muita paciência. “The Hangover” parecia-me algo assim. Acontece que fui a uma sessão da meia-noite que os jornais anunciavam como a última oportunidade para ver um filme que me interessava não perder, e, na bilheteira, fui informado que afinal ia passar “A Ressaca”. Em ante-estreia! Só seria estreado no dia seguinte. Acabei por ficar.
Não dei por mal empregue o tempo. A comédia de Todd Phillips é divertida, tem ritmo, bons actores, que compõem personagens interessantes, e globalmente é um bom entretenimento como há muito não via, no género, vindo da América.

Quatro amigos, trintões, Phil Wenneck (Bradley Cooper), Stu Price (Ed Helms), Alan Garner (Zach Galifianakis) e Doug Billings (Justin Bartha), juntam-se para uma despedida de solteiro. Um é casado e engana a mulher quanto ao destino da viagem. O outro vai casar. Os outros são solteiros. Todos diferentes entre si, mas todos a quererem experimentar uma noitada de loucura na cidade que nunca dorme (Las Vegas também é assim!). Chegados à cidade, alugada a fabulosa suite de hotel, partem à aventura. Corte. Nada se sabe dessa noite, até que três deles acordam nessa mesma suite, mas agora virada de pernas para o ar. E perdido o noivo. E um dente a menos na boca do dentista profissional. E uma galinha no quarto e um tigre na casa de banho. E um colchão espetado num dos pináculos do hotel. E um bebé à porta do quarto. E uma dor de cabeça que cheira a ressaca. E uma amnésia do tamanho do mundo. Ou do céu iluminado a neons de Las Vegas.
Que terá acontecido durante aquela noite de que ninguém no grupo de três se lembra nada? Que terá acontecido ao noivo cujo paradeiro todos desconhecem? E assim se parte da manhã do dia seguinte para se descobrir a noite anterior. Boa ideia, que Todd Phillips explora bem, e os actores ajudam. O que aconteceu na realidade não se pode revelar aqui, mas todos supõem que bebida e droga, mulheres e jogo estejam presentes. Já poucos calculariam que Mike Tyson, himself, pudesse estar no centro desta intriga, nem que Fu Manchu, ou derivados, pudessem andar por ali, sobretudo enjaulados nas bagageiras de carros da polícia furtados.
Despertou-me então curiosidade saber quem era Todd Phillips. E fui investigar. Hoje em dia é fácil saber estas coisas, com um bom motor de buscas. Nascido a 20 de Dezembro de 1970, em Brooklyn, New York, foi argumentista e agora é realizador, estudou na New York University Film School (na altura era conhecido pelo seu nome de baptismo, Todd Bunzl), onde realizou um primeiro filme, um documentário sobre a vida de um cantor de rock punk, GG Allin, “GG Allin and the Murder Junkies”. Trabalhou depois em St. Mark's Place, numa loja de vídeo, especializando-se em pornos. Em 1994, Phillips fundou o “New York Underground Film Festival”, juntamente com Andrew Gurland, começando igualmente a distribuir comercialmente algumas dessas obras mais controversas, como o documentário “Chicken Hawk: Men Who Love Boys”, uma realização de Adi Sideman, premiada na primeira edição do seu festival.
A sua actividade como realizador continuou com “Frat House”, um documentário sobre a fraternidade nos colégios, produzido e realizado em colaboração com o seu amigo Andrew Gurland. O filme acabaria por ser premiado em 1998, no Sundance Film Festival, com o Grande Premio do Júri. Foi nessa altura que conheceu Ivan Reitman, que apadrinhou e produziu (através da Reitmans' Montecito Picture Company) os seus filmes seguintes, “Road Trip”, “Old School” e “School for Scoundrels”.
Em 2006, Phillips escreveu e preparava-se para dirigir “Borat: Cultural Learnings of America for Make Benefit Glorious Nation of Kazakhstan”, que acabaria por ser realizado por Larry Charles (desencontros de orientação entre o protagonista e o realizador geraram o conflito). Mas, apesar disso, foi nomeado para o Óscar de melhor argumento desse ano.
Pode dizer-se que Todd Phillips tem já um certo passado, de que fui à procura na Fnac. Encontrei quatro títulos de comédias que não tinha visto e algumas delas “brilhantemente” traduzidas para português. Consegui ver “Road Trip” (Road Trip – Sem Regras) (2000), “Old School” (Dias de Loucura) (2003), “Starsky & Hutch” (Starsky & Hutch) (2004) e “School for Scoundrels” (Escola para Totós) (2006), todos portanto anteriores a “The Hangover” (A Ressaca) (2009).
Nenhuma das anteriores comédias se equivale à última, mas também nenhuma delas é nulidade sem préstimo. Todd Phillips é obviamente um cinéfilo e em muitos aspectos das suas comédias existem citações claras de clássicos, com “Duas Feras”, de Howard Hawks (o tigre num lado, o leopardo no outro), “Três Homens e um Bebé” e não sei mesmo se não terá bebido em “Belle Toujours”, de Manoel de Oliveira, a inspiração para o aparecimento da insólita galinha no quarto de hotel.
Passemos em relance rápido as anteriores comédias do cineasta:

“Road Trip – Sem Regras”, é um típico filme de estudantes de universidade. Na linha de imbecilidades como “Porkys” ou “American Pie”, mas menos alarve, mais sensível, mais sorriso e menos gargalhada grosseira. Josh (Breckin Meyer) namora, mas tem um caso esporádico com Beth (Amy Smart). Caso gravado numa cassete. Cassete que é enviada à namorada que estuda noutro estado, em lugar de uma bonita declaração de amor gravada em vídeo. Quando Josh descobre a funesta troca, resolve partir num carro emprestado, com três colegas penduras, para tratarem de impedir que a cassete cumpra o seu destino. Esta corrida contra o tempo é a base da comédia, que passa por diversas peripécias. Nada de muito especial, mas menos mau do que é costume neste género.
"Dias de Loucura” deve prolongar, em ritmo de comédia louca, mas não muito criativa, o anterior “Frat House”. O grupo de amigos, que já não tem idade para frequentar a Universidade, acaba por fundar uma irmandade precisamente no campus Universitário. Tudo isto porque um deles chega mais cedo do que o aprazado e encontra a mulher num “ménage a trois” que ameaça aumentar de número de cúmplices. Frank (Will Ferrell), Mitch (Luke Wilson) e Beanie (Vince Vaughn) tornam-se, pois, confrades e camaradas de festas e de farras, até que um dia o Reitor resolve intervir e acabar com a brincadeira. Mas a hipocrisia do decano é descoberta e posta a nu. Algum humor, mas não muito.
"Starsky & Hutch" baseia-se num série popular de TV dos anos 70, que reúne uma dupla de agentes da polícia, que trabalham em Bay City, na Califórnia. Ambos são patuscos e disparatados, mas o detective David Starsky (Ben Stiller) é um homem honesto e dedicado à causa, procurando não deixar escapar qualquer crime nem qualquer criminoso. Pelo seu lado, o detective Ken 'Hutch' Hutchinson (Owen Wilson) parece não saber muito bem de que lado está a lei, e junta-se muitas vezes ao pessoal do lado errado. O filme tem alguma graça, mas não muita.
Mais interessante é "School for Scoundrels", que parte de uma boa ideia. Roger (Jon Heder), agente cobrador de parquímetros de Nova Iorque, é um tipo cheio de problemas de auto-estima, medroso e tímido. Um amigo manda-o ir ter com um misterioso Dr. P (Billy Bob Thornton), que tem como assistente abrutalhado um negro de invejável compleição física, Lesher (Michael Clarke Duncan), que, com métodos pouco ortodoxos e perigosos, transforma receosos idiotas em valentes guerreiros do “struggle for life” americano. Cada um liberta o leão que tem dentro de si, mas os resultados não são os melhores. A comédia começa a ter sentido, e a crítica a uma certa mentalidade americana é bem conseguida.
“A Ressaca” parece ser assim o culminar de uma carreira de realizador de comédias, que, se nunca atingiu até aqui brilhantismo ofuscante, também nunca primou pelo desbragado mau gosto, e o humor infantiloide que acomete estas comédias para adolescentes. Parece que se anuncia já uma sequela de “The Hangover”, com todos os participantes assegurados. Esperemos que a carreira de Todd Phillips vá melhorando de filme para filme. Podem depositar-se algumas esperanças neste nome.
Todd Phillips
A RESSACA
Título original: The Hangover
Realização: Todd Phillips (EUA, Alemanha, 2009); Argumento: Jon Lucas e Scott Moore; Produção: Daniel Goldberg, Todd Phillips, David Siegel, Jeffrey Wetzel, Chris Bender, Scott Budnick, William Fay, Jon Jashni, J.C. Spink, Thomas Tull; Música: Christophe Beck; Fotografia (cor): Lawrence Sher; Montagem: Debra Neil-Fisher; Casting: Juel Bestrop, Seth Yanklewitz; Design de produção: Bill Brzeski; Direcção artística: Andrew Max Cahn, A. Todd Holland; Decoração: Danielle Berman; Decoração: Louise Mingenbach; Maquilhagem: Tony Gardner, Lori McCoy-Bell, Janeen Schreyer; Direcção de Produção: Mark Scoon; Assistentes de realização: David Mendoza, Courtenay Miles, Kevin O'Neil, Paul Schneider, Jeffrey Wetzel; Departamento de arte: Jane Fitts, Anshuman Prasad; Som: Tim Chau; Efeitos especiais: John J. Downey, Mario Vanillo; Efeitos visuais: Gray Marshall; Companhias de produção: Warner Bros. Pictures, Legendary Pictures, Green Hat Films, IFP Westcoast Erste, BenderSpink, IFP Westcoast; Intérpretes: Bradley Cooper (Phil Wenneck), Ed Helms (Stu Price), Zach Galifianakis (Alan Garner), Justin Bartha (Doug Billings), Heather Graham (Jade), Sasha Barrese (Tracy Garner), Jeffrey Tambor (Sid Garner), Ken Jeong (Mr. Chow), Rachael Harris (Melissa), Mike Tyson, Mike Epps, Jernard Burks, Rob Riggle, Cleo King, Bryan Callen, Matt Walsh, Ian Anthony Dale, Michael Li, Sondra Currie, Gillian Vigman, Nathalie Fay, Chuck Pacheco, Jesse Erwin, Dan Finnerty, Keith Lyle, Brody Stevens, Todd Phillips, Mike Vallely, James Martin Kelly, Murray Gershenz, Andrew Astor, Casey Margolis, Joe Alexander, Ken Flaherty, Constance Broge, Sue Pierce, Floyd Levine, Robert A. Ringler, etc. Duração: 90 minutos; Distribuição em Portugal: Columbia TriStar Warner; Classificação etária: M/ 16 anos; Estreia em Portugal: 18 de Junho de 2009 (Portugal).

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