segunda-feira, agosto 24, 2009

CINEMA: INIMIGOS PÚBLICOS


INIMIGOS PÚBLICOS

“Inimigos Públicos”, de Michael Mann, pode considerar-se uma (quase) obra-prima do cinema moderno, afirmando-se uma realização de uma inteligência e actualidade gritantes, ao mesmo tempo que se impõe como filme com um estilo e um originalidade invulgares. Michael Mann já nos dera excelentes exemplos de filmes de acção que cruzavam o “filme negro” com o policial, como "Heat - Cidade Sob Pressão", “O Informador” (The Insider), “Colateral” ou “Miami Vice” e já nos presenteara com certas características muito próprias de uma estética definida, que poderíamos integrar nos domínios do “tecno”, do “cool”, do “postmodernismo”. Creio que “Public Enemies” é, senão o seu melhor trabalho até ao presente, um dos seus melhores.
O filme merece certamente um desenvolvimento especial. Estamos em 1933, na América em plena crise económica e social. Depois do “crash” de 1929, a “Grande Depressão” vai estender-se pela década de 30, dando azo ao aparecimento de uma fortíssima instabilidade social, ao aparecimento de uma sucessão de gangsters que se tornariam célebres, muitos deles quase acarinhados pela população, que viam neles justiceiros populares, dado que desafiavam os detentores do poder, em primeiro lugar os banqueiros (olhados como os principais fautores da crise), os políticos e os agentes da autoridade (que lhe davam cobertura legal). São desse tempo Dillinger, Bonnie e Clyde, Baby Face Nelson, Pretty Boy Floyd, Al Capone, George Clarence 'Bugs' Moran, Joe Sante, Kate 'Ma' Barker, e tantos outros.

John Herbert Dillinger nasceu em Indianápolis, a 22 de Junho de 1903 e viria a ser liquidado em Chicago, a 22 de Julho de 1934. Filho de John Wilson Dillinger (1864-1943) e da primeira mulher deste, Mary Ellen "Mollie" Lancaster (1860-1907), teve uma infância não muito feliz, com uma educação ora severa e ríspida, ora permissiva e descuidada. Aos três anos a mãe morre e, quando o pai se volta a casar, anos mais tarde, não suporta a madrasta e a convivência torna-se mais difícil. Logo que pode, alista-se na Marinha, donde desertou poucos meses depois. De volta a Indiana, casa-se em 12 de Abril de 1924 com Beryl Ethel Hovious. Mas as dificuldades em assentar eram muitas, borbulhava no seu íntimo uma rebeldia nata. A sua vida não dava um filme, já deu vários.
Em poucos anos tornou-se no mais famoso ladrão de bancos dos EUA, sendo considerado uma espécie de Robin dos Bosques da época. Ao roubar os banqueiros e ao nunca interferir com o dinheiro dos cidadãos, que respeitava e nunca molestava, criou essa lenda (no filme de Michael Mann pode ver-se ele a assaltar um banco e afirmar a um depositante: “Nós assaltamos bancos, não pessoas”). Ora os bancos e os banqueiros eram responsabilizados pelo cidadão comum pela desgraça nacional que a América atravessava, pelo desastre financeiro que a ganância e os jogos de bolsa provocavam, pela especulação desenfreada que arrastou para a miséria, a fome, a desonra, mesmo a morte milhões de inocentes cidadãos que de um dia para o outro viram aos suas economias ruírem sem motivo aparente. A segurança e a prosperidade prometidas pelos bancos e pela bolsa afinal nada valiam, eram zero. Dillinger e outros como ele só repunham um pouco de justiça no sistema – contra ladrões instalados no poder, os ladrões de armas na mão chegavam a ser bem vindos e bem vistos pela populaça.
Dillinger tinha uma técnica afinada, actuava rápido e fugia com destreza quer dos locais dos assaltos, como das prisões para onde era enviado sempre que o logravam capturar. A imprensa começou a chamar-lhe “o inimigo publico nº 1”, numa acção concertada com a polícia, que procurava criar em seu redor uma auréola de violência, com intuitos secretos, mas que ficaram depois bem à vista de todos, quando o sagaz e ambicioso J. Edgar Hoover impôs a criação do FBI.
Iniciada a sua vida de fora da lei, foi preso em 1924 na Cadeia Estatal de Indiana. Foi aí que conheceu gangsters com longo historial, como Harry Pierpont de Muncie (Indiana) e Russell "Boobie" Clark, de Terre Haute. Dillinger trabalhava na lavandaria da prisão, o que lhe permitiu ajudar na fuga de Pierpont, Clark e outros. Em 1933, saiu em liberdade condicional e juntou-se ao grupo que ajudara, integrando a quadrilha, formando "o primeiro gang de Dillinger" que, além de Pierpont e Clark, ainda contava com Charles Makley, Edward W. Shouse Jr., Harry Copeland, "Oklahoma Jack" Clark, Walter Dietrich e John "Red" Hamilton. O "segundo gang de Dillinger", criado depois da sua fuga Crown Point (Indiana), contaria ainda com Homer Van Meter e Lester Gillis (Baby Face Nelson).
Partindo dos relatos da imprensa da época (e da lenda que se construiu à sua volta), Dillinger era um perfeccionista na forma como preparava os assaltos, que revelavam astúcia e imaginação, além de grande coragem. Fez-se passar facilmente por vendedor de alarmes de segurança em Indiana e Ohio, e chegou a existir um assalto em que o gang se disfarçou de equipa cinematográfica que filmava o roubo de um banco, enquanto o roubava na realidade. O que remete para a relação de Dillinger com o cinema, que o filme de Michael Mann sublinha.
Algum tempo de depois da saída da cadeia de Indiana, voltou à prisão, desta feita em Lima (Ohio), donde foi libertado pelo gang, que na ocorrência matou o xerife Jessie Sarber. Muitos dos participantes da quadrilha foram capturados no fim do ano em Tucson, Arizona, num violento incêndio no Historic Hotel Congress. Dillinger também voltou a ser preso e enviado para a cadeia de Crown Point, Indiana. Julgado sob a acusação de homicídio do guarda William O'Malley durante um tiroteio num banco em East Chicago, Indiana. Foi durante esse julgamento que foi registada a célebre foto dele a apontar uma arma ao promotor de justiça Robert Estill. A 3 de Março de 1934, Dillinger voltava a fugir, agora de Crown Point, usando uma arma moldada numa barra de sabão, mais um elemento a ser explorado na mitologia do crime e dos gangsters norte-americanos. O xerife Lillian Holley, posto em xeque, jurou matar Dillinger. Quando este cruza a fronteira dos Estados de Indiana e Illinois num carro roubado, comete um crime federal, violando o “National Motor Vehicle Theft Act”, o que o coloca sob a alçada do FBI. Entra então em acção J. Edgar Hoover, que procura extrair da prisão, ou morte, de Dillinger dividendos políticos para impor junto do governo o “seu” FBI.
Será em Abril desse mesmo ano que a quadrilha aparece em Manitowish Waters, Wisconsin, em busca de um esconderijo. Fazem parte do gang nessa altura, além de Dillinger e de Evelyn Frechette, Homer Van Meter, Lester ("Baby Face Nelson") Gillis, Eddie Green, e Tommy Carroll, além de outros. Denunciados à polícia de Chicago, esta chama o FBI, que manda uma equipa de agentes, chefiada por Hugh Clegg e Melvin Purvis, que cerca o local. Avisados igualmente os foragidos, segue-se forte tiroteio que possibilita a fuga de quase toda a quadrilha, mas deixa para trás o corpo do agente W. Carter Baum, atingido por "Baby Face" Nelson. Segue-se um período de refúgio, com Dillinger escondido em Chicago, sob um nome falso, Jimmy Lawrence, época em que ele é visto com uma prostituta, Polly Hamilton, que nada sabia da sua verdadeira identidade. Mas o FBI encontra o carro de Dillinger, percebendo que ele se encontra na cidade. Preparam a caça ao homem. Servem-se de uma amiga de Dillinger, Ana Cumpanas, conhecida por Anna Sage, dona de um bordel, que era romena e estava nos EUA com problemas de imigração, e levam-na a denunciar Dilliger, que ela vira entrar no seu estabelecimento acompanhado por Polly Hamilton, e identificara através de uma fotografia de jornal. Prepara-se uma cilada, aproveitando uma ida ao cinema de Dillinger e da namorada.
O título escolhido foi ”Manhattan Melodrama” (que, em português, se chamou oportunistamente “O Inimigo Publico nº 1”, pois só se estreou em 1935), uma realização de W.S. Van Dyke (com a colaboração não creditada de George Cukor), partindo de uma história de gangsters, violência de traições, escrita por Oliver H.P. Garrett e Joseph L. Mankiewicz, segundo ideia de Arthur Caesar, com Clark Gable, na figura de Edward J. 'Blackie' Gallagher, contracenando com William Powell e Myrna Loy.
"Imaginem ser John Dillinger ali sentado no cinema", sugere o realizador. "Todos os teus amigos morreram; a tua mulher, o amor da tua vida, desapareceu. Há cada vez menos pessoas como tu. Estás a enfrentar forças evolutivas gigantescas que tentam esmagar-te – o crime organizado de um lado e o FBI do outro. E o fim está próximo. Não és sentimental em relação a isso – de qualquer forma, não pensas que vais viver para sempre. E tu, Dillinger, estás ali sentado e o Clark Gable diz-te aquelas coisas, ao mesmo tempo que, sem saberes, a menos de cem metros estão 30 agentes do FBI à tua espera, a planear matar-te".
O filme projectava-se no Biograph Theater, em Lincoln Park, Chicago, e Dillinger foi vê-lo na companhia da Polly Hamilton e de Anna Sage, que usava um vestido de cor de laranja para ser facilmente referenciada. Havia duas hipóteses de salas de cinema, mas numa delas passava um filme de Shirley Temple, que foi quase de imediato descartado. Mas a equipe de agentes federais dividiu-se em dois grupos, e à saída do Biograph Theater, fuzilaram Dillinger, atingindo-o com três balas, uma delas no coração. Sage ficaria conhecida como a "dama de vermelho" (a iluminação artificial fez confundir as cores), uma figura sinistramente traiçoeira, que, apesar da denúncia e dos pretensos acordos com as autoridades, acabaria por ser deportada para Roménia, dois anos depois. Dillinger seria sepultado no Cemitério de Crown Hill, em Indianápolis.
Os agentes que fuzilaram Dillinger foram Charles B. Winstead, Clarence O. Hurt, e Herman E. Hollis, não se sabendo qual deles lhe teria provocado a morte com a bala no coração. Mas todos foram louvados por J. Edgar Hoover pelo heroísmo e coragem. Com a morte de Dillinger, fechou a “época de ouro do crime” de rua na América. O crime organizado continuou a existir, mas de forma menos espectacular, mais discreta, controlado do interior de gabinetes e possivelmente do âmago de bancos (veja-se a crise actual, e o estendal de acusações a banqueiros corruptos).
O filme de Michael Mann acompanha os últimos catorze meses de vida de Dillinger, precisamente entre 1933-34. Segundo informações do FBI, só entre Setembro de 1933 e a data da sua morte, em Julho de 1934, “Dillinger e o seu gang aterrorizaram o Midwest, matando dez homens, ferindo sete outros, assaltando bancos e arsenais da polícia, e organizando três fugas de cadeias, durante as quais morreu um xerife e ficaram feridos dois guardas”.
“Public Enemies” começa por ser uma boa reconstituição de época, que funciona como pano de fundo, mas agarra-se fundamentalmente a um aspecto essencial desse período: as transformações tecnológicas e sociais, que umas às outras se influenciavam. Estamos realmente num período charneira da história dos EUA, saídos há pouco da “Lei Seca”, numa transição de um capitalismo selvagem, que levou os bancos à bancarrota e à maior miséria grande parte da população americana (e mundial, por arrastamento), e que, com a política do “New Deal”, do presidente Roosevelt, tende para uma sociedade algo diferente, mais solidária, a que alguns chegaram mesmo a chamar socialista. As semelhanças com o que se passa na actualidade são gritantes nesse aspecto e não deixa de ser curioso ser este mais um filme que aborda a década de 30, entre os recentemente produzidos pelos estúdios norte-americanos.
John Dillinger (Johnny Depp) é, neste contexto, um anti-herói nacional como Bonie e Clyde, mas um homem que se serve das transformações tecnológicas para surpreender o sistema. Ele utiliza o mais moderno armamento e os carros mais velozes (o filme mostra bem a sua preocupação com os carros que usa e que lhe irão permitir movimentar-se com rapidez, bem como as armas que manuseia). As auto-estradas cruzam os Estados, agora mais Unidos. A aviação comercial lança-se em força. O cinema começara a falar, não há muito. Curiosamente J. Edgar Hoover (Billy Crudup) quer criar uma polícia moderna, usando meios mais sofisticados e menos convencionais. Utiliza os meios de comunicação social (nessa altura os jornais sobretudo, mas também a rádio e o cinema, como veremos mais à frente) para lançar a caçada ao “Inimigo Público Número Um”, como passa a designar bombasticamente Dillinger. Hoover sabe como criar dramaticidade. Quer dar força ao seu FBI (Federal Bureau of Investigation) e serve-se do obstinado Melvin Purvis (Christian Bale) para o efeito.
Este monta modernas salas de escutas telefónicas que irão ser vitais para localizar Dillinger, utiliza o poder mobilizador de cinema, recrutando as plateias para denunciarem Dilinger, “se ele estiver ao seu lado” (numa bela cena que Michael Mann encena com humor, mas como se fosse um pesadelo, que de certa forma prenuncia a “caça às bruxas” do macchartismo, onde J. Edgar Hoover vai desempenhar importante papel na sua frenética cruzada anti-comunista). As forças da ordem servem-se ainda de interrogatórios de uma enorme brutalidade, mas Purvis prefere-lhes abertamente outro tipo de coação, a que leva Anna Sage a trair o amigo e entregá-lo às balas à porta de um cinema. Utiliza igualmente armamento sofisticado, e abate perseguidos pela justiça como se de caça grossa se tratasse.
Mas há um outro aspecto muito curioso que Michael Mann explora de forma discreta, não deixando de sublinhar porém esta transformação quase imperceptível: o próprio tipo de crime muda. O assalto a bancos através de tiroteio dá lugar ao crime de colarinho branco. Enquanto por um lado o FBI monta salas de escuta, o crime organizado monta salas de apostas que geram lucros muito mais substanciais do que aqueles que os assaltos proporcionam, e sobretudo muito mais seguros. Os chefes destes negócios não os querem pôr em risco, chamando a desnecessária atenção das autoridades. Logo, interessa-lhes uma cidade tranquila, sem crime nas ruas e sem a polícia a patrulhá-las. Interessa-lhe que homens como Dillinger deixem de exercer o seu “ofício” para que o deles prospere na segurança do esquecimento. Depois, é muito mais fácil “pagar” para as autoridades “esquecerem” este negócio, do que para menosprezarem o crime violento, que assusta o cidadão e o atemoriza. Tudo portanto a favor dos novos tempos, tudo contra o gangster “romântico” (enfim, é uma maneira de dizer, mas o filme de Michael Mann envereda precisamente por esse caminho) que tem os dias contados. Terá sido a polícia a recrutar Anna Sage para a emboscada, mas terão sido os novos processos da Máfia de Chicago que permitiram e incentivaram que o ajuste de contas se processasse. Com Dillinger morto, a cidade tranquilizava à superfície, permitindo que os negócios obscuros prosperassem.
"Dillinger nunca foi considerado responsável pela morte de qualquer cidadão particular inocente", explicou Christian Bale aos jornalistas em Paris. E acrescentou: "Os bancos eram claramente o inimigo. Executavam as hipotecas e roubavam as vidas às pessoas.” “Não que hoje as coisas sejam muito diferentes", continua Johnny Depp no "Ain't It Cool News". "O filme que eu queria fazer tinha a ver com este tipo um bocado selvagem que quer tudo, e que o quer agora, com paixão", disse Michael Mann ao "Guardian". Rodado nos locais onde tudo aconteceu na realidade, e em alta-definição digital, o cineasta explica: "O vídeo parece a realidade, é mais imediato, tem uma superfície de 'vérité'. A película tem uma superfície tipo líquida, parece algo inventado".
Michael Mann inspirou-se numa obra do jornalista e ensaísta Bryan Burrough, "America's Greatest Crime Wave and the Birth of the FBI", e na verdade o seu argumento acompanha com certo rigor (e algumas liberdades “poéticas” obvias) as peripécias da vida de Dillinger e seus companheiros de existência. Uma existência que o próprio gangster quer que seja para “viver e morrer depressa, sem se deixar arrastar”, como aconselha uma jovem que com ele se cruza. Estamos em plena lufada de romantismo, que é explorada na sua vertente de Robin dos Bosques e de apaixonado. Algumas das cenas mais conseguidas neste aspecto, assinalam o encontro de Dillinger com Billie Frechette (Marion Cotillard), a sua namorada em final de vida, suscitando algumas interrogações metafísicas (“Donde vens, para onde vais, para onde me guias?”), culminando nessa cena antológica de sedução e charme num baile, com “Bye, bye, blackbird” por banda sonora. O cinema também serve de pretexto e espelho para Michael Mann criar um contraponto entre realidade e ficção, sobretudo quando, nas cenas finais, Dillinger no cinema se enfrenta com outro gangster, Edward J. 'Blackie' Gallagher (sob a aparência do mítico Clark Gable), num campo/contra-campo premonitório da tragédia que o aguardava à saída dessa “fábrica de sonhos” que, por vezes, também é causa de pesadelos.
Michael Mann exercita uma narrativa brilhante, rodada em HD e com muita câmara à mão, acompanhando os actores e libertando uma tensão inabitual. Há momentos de uma emoção invulgar. Dillinger invadindo o "Dillinger Bureau" da polícia de Chicago, passeando por entre as fotos e as notas recolhidas pelo departamento sobre si próprio, interrogando os agentes sobre o resultado do jogo que ouviam na rádio, é o instante de glória que saboreia em êxtase. Se foi verdade, é magnífico. Se foi uma invenção de Mann, é brilhante. A fotografia é esplendorosa, nas tonalidades nocturnas nimbadas por um matiz entre o castanho carregado e denso e o dourado que reflecte bem o clima da acção (veja-se a excelente chegada do preso Dillinger, de avião, numa noite iluminada pelo tungsténio dos fotógrafos). A montagem consegue o equilíbrio necessário entre a duração febril das acções violentas e o “tempo” necessário ao desenvolver das emoções. Os actores são todos eles brilhantes, mas será justo destacar o magnífico Johnny Deep (numa composição de grande sobriedade e intimismo, o que não surpreende num actor como ele é, mas convém não esquecer) e Christian Dale (absolutamente impecável, é o termo, no cerebral, frio e pragmático Purvis). Este é um encontro de vidas que tinham de ter este frente a frente. Cada um deles parece ter sido feito para o outro. Dillinger o anti-sistema, Purvis o guardião da ordem que assegura o sistema. Enfim, uma obra de uma actualidade notável, reconstruindo uma época e personagens históricas para sobre elas se repensar o presente. Se a História nunca se repete, olhar o passado pode ser uma boa lição para o futuro.
Antes deste “Inimigos Públicos”, de Michael Mann, Dillinger já fora várias vezes recriado no cinema, sendo o mais interessante o filme, escrito e dirigido por John Milius, “Dillinger, Inimigo Público nº 1”, com um magnifico Warren Oates no papel do célebre gangster, ao lado de Ben Johnson (Purvis), Harry Dean Stanton e Cloris Leachman.
Outras versões: em 1945, Lawrence Tierney foi o primeiro a interpretar a personagem de Dillinger, num filme do mesmo nome, dirigido por Max Nossecks. Em 1957, o excelente Don Siegel roda “Baby Face Nelson”, com Mickey Rooney como Nelson e Leo Gordon como Dillinger. Dois anos depois, em 1959, "The FBI Story", protagonizada por James Stewart, Scott Peters interpreta a figura de Dillinger, numa realização de Mervyn LeRoy. O italiano Marco Ferreri assina em 1969 o filme “Dillinger Is Dead”que incluía sequências documentais do autêntico John Dillinger. “The Lady in Red”, de Lewis Teague (1979), apresenta Pamela Sue Martin como a famosa “mulher de vermelho”, mas muda-lhe o nome, passa a Polly, em vez de Anna Sage (Louise Fletcher). Dillinger é Robert Conrad. Em 1991, surge “Dillinger”, um teledramático, com Mark Harmon no papel que dá nome ao filme.
Finalmente, acaricie-se o ego português, com uma boa novidade: Johnny Depp e demais actores do elenco de “Inimigos Públicos” usam chapéus de feltro manufacturados na fábrica Fepsa, em São João da Madeira. Mas antes deles, já Robert de Niro, Nicolas Cage e Clint Eastwood usavam os chapéus de feltro de origem portuguesa, que hoje em dia são coqueluche na América (55% da produção destina-se aos EUA). Até Bush não dispensa o seu feltro nacional, mas isso já é outra conversa, sem tanta graça.

INIMIGOS PÚBLICOS
Título original: Public Enemies
Realização: Michael Mann (EUA, 2009); Argumento: Ronan Bennett, Michael Mann, Ann Biderman, segundo obra de Bryan Burrough ("Public Enemies: America's Greatest Crime Wave and the Birth of the FBI, 1933-34"); Produção: Michael Mann, Kevin Misher, Bryan H. Carroll, Gusmano Cesaretti, Kevin De La Noy, G. Mac Brown, Robert De Niro, Karl McMillan, Maria Norman, Jane Rosenthal; Música: Elliot Goldenthal; Fotografia (cor): Dante Spinotti; Montagem: Jeffrey Ford, Paul Rubell; Casting: Avy Kaufman, Bonnie Timmermann; Design de produção: Nathan Crowley; Direcção artística: Patrick Lumb, William Ladd Skinner; Decoração: Rosemary Brandenburg; Guarda-roupa: Colleen Atwood; Maquilhagem: Danielle Friedman, Jane Galli, Rob Hinderstein, Lisa Jelic, Emanuel Millar, Gregory Nicotero, Linda Rizzuto, Patty York; Direcção de Produção: Julie Herrin, Sean T. Stratton; Assistentes de realização: Bob Wagner, Kwame Amoaku, Bryan H. Carroll, David Kelley, Allen Kupetsky, Charles Mueller, Andy Spellman, Michael Waxman; Departamento de arte: Jeff B. Adams Jr., Karen Fletcher Trujillo, David W. Krummel, Phillis Lehmer, Scott Matula, David Tennenbaum; Som: Derek Casari, Tim Gomillion, Laurent Kossayan, Ed Novick, Jeremy Peirson; Efeitos especiais: Jeff Miller, Don Parsons, Bruno Van Zeebroeck; Efeitos visuais: Collin Fowler, Ben Marks, Andy Schwab, Doyle Smith, Robert Stadd; Companhias de produção: Universal Pictures, Relativity Media, Forward Pass, Misher Films, Tribeca Productions, Appian Way; Intérpretes: Johnny Depp (John Dillinger), Christian Bale (Melvin Purvis), Marion Cotillard (Billie Frechette), Billy Crudup (J. Edgar Hoover), Rory Cochrane (Agente Carter Baum), Jason Clarke (John 'Red' Hamilton), Stephen Dorff (Homer Van Meter), Branka Katic (Anna Sage), Channing Tatum (“Pretty Boy” Floyd), Stephen Graham ("Baby Face" Nelson), Stephen Lang (Charles Winstead), Giovanni Ribisi (Alvin Karpis), James Russo (Walter Dietrich), David Wenham (Harry 'Pete' Pierpont), Christian Stolte, John Judd, Michael Vieau, John Kishline, Wesley Walker, John Scherp, Elena Kenney, William Nero Jr., Madison Dirks, Len Bajenski, Adam Clark, Carey Mulligan, Andrzej Krukowski, John Michael Bolger, Peter Defaria, Jonathan Macchi, Jeff Shannon, Michael Sassone, Emilie de Ravin, Brian Connelly, Ed Bruce, Geoffrey Cantor, Chandler Williams, Robert B. Hollingsworth Jr., David Paul Innes, Joe Carlson, Ben Mac Brown, Diana Krall (cantora), Duane Sharp, Domenick Lombardozzi, Bill Camp, John Ortiz, Richard Short, Randy Ryan, Shawn Hatosy, Kurt Naebig, John Hoogenakker, Adam Mucci, Rebecca Spence, Danni Simon, Don Harvey, Shanyn Leigh, Spencer Garrett, Don Frye, Matt Craven, Laurence Mason, Randy Steinmeyer, Kris Wolff, Lili Taylor, Donald G. Asher, Andrew Steele, Philip M. Potempa, Brian McConkey, Alan Wilder, David Warshofsky, Peter Gerety, Michael Bentt, John Lister, Jim Carrane, Joseph Mazurk, John Fenner Mays, Rick Uecker, Craig Spidle, Jason T. Arnold, Andrew Blair, Mark Vallarta, Daniel Maldonado, Sean Rosales, Stephen Spencer, Patrick Zielinski, Gareth Saxe, Guy Van Swearingen, Jeff Still, Lance Baker, Steve Key, Leelee Sobieski, David Carde, Gerald Goff, Aaron Roman Weiner, Keith Kupferer, Turk Muller, Tim Grimm, Martie Sanders, Robyn Scott, etc. Duração: 140 minutos; Distribuição em Portugal: Zon Lusomundo; Classificação etária: M/ 16 anos; Estreia em Portugal: 6 de Agosto de 2009.


2 comentários:

Carlos Ademar disse...

Antes demais, deixe-me cumprimentá-lo. Depois dar-lhe os parabéns pela pontaria e clareza do artigo. Lamento não ter o prazer de o ler nos jornais, pelos menos nos que compro habitualmente. Vi ontem o filme Inimigos Públicos e não posso estar mais em acordo consigo. Talvez reforçar o que disse relativamente ao desempenho do C. Dale, que eu, modesto amante de cinema, não me recordo de ter visto antes. Bela representação, magnífica história, já conhecida de resto, e tudo condensado e destacado num esclarecedor e bem escrito artigo de opinião, que só um verdadeiro especialista seria capaz de produzir. Parabéns.

Sara F. Costa disse...

Sem dúvida uma obra de arte! Beijinhos, Lauro. *