: NAS NUVENS
Jason Reitman, filho de Ivan Reitman, é daqueles jovens que começam a vida no cinema. Como faz-tudo, de assistente a actor, de argumentista até se impor como realizador, até agora com três títulos no activo: Thank You for Smoking (2005), Juno (2007) e agora este Up in the Air (2009). Bom percurso, a meio caminho entre a indústria instalada de Hollywood e os independentes. Contam as crónicas que, desde 2005, andava às voltas com a escrita da adaptação de Up in the Air, um romance de Walter Kim, aparecido em 2001. Interessante conferir as datas, porque o filme parece ter sido escrito e rodado em meia dúzia de meses para estar nas salas quando a crise de 2009 explodiu na banca e nas empresas, quando o desemprego galopou, quando o clima económico e social alastrou pelo mundo fora. Afinal, a coisa não foi assim tão inesperada, havia escritores e realizadores que já tinham detectado o caos muito antes dele aparecer à luz do dia, impossível de ser mais escondido dos olhos de todos.
De que fala, portanto, Nas Nuvens? Das várias maneiras de despedir pessoal, quando a crise aperta, ou mesmo quando, aproveitando-se da crise, as empresas resolvem “emagrecer os quadros” do pessoal. Nestes casos, os administradores não gostam de dar a cara, contratam companhias de despedimento, que têm zelosos funcionários que estudam os relatórios, prevêem as melhores formas de despedir, e capricham na dialéctica do “vai-te embora que já não és preciso.” Sobretudo dando a ideia ao despedido que o facto dele ser dispensado é a grande oportunidade da sua vida para abrir o tal negócio que ele há tanto tempo tinha na imaginação. Agora está livre para fazer o que quiser. Abençoado despedimento, portanto. Uns choram, outros protestam, alguns, raros, atiram-se de pontes abaixo, há quem se sinta humilhado e ofendido, “depois de tantos anos”, mas não há nada a fazer, os dados estão lançados, quem pode manda, quem não pode obedece. O argumento foi escrito pelo próprio realizador, de colaboração com Sheldon Turner e está entre os nomeados para os Oscars do ano.
Ryan Bingham (Clooney) é o protagonista, um tipo simpático e desportivo, que leva a vida na boa, e adora andar de avião, arrastando a mala de aeroporto em aeroporto. Arrasta também um caudal de queixas e lamúrias que vai deixando para atrás de si. Para ele os empregados são números que é preciso abater para “agilizar” as estruturas empresariais. Não há sentimentos nem emoções a sobreporem-se à eficácia. A sua presença é humana, obviamente, mas o seu escritório pensa que pode ser facilmente substituído por um computador, em sessão de vídeo-conferência: de um lado quem despede, do outro os sucessivos futuros desempregados. Jason Reitman mostra como se faz, colocando uma rápida montagem de rostos que acabam de ouvir a sentença final. Diga-se que quase todos são actores não profissionais que foram escolhidos num casting onde só entraram despedidos recentes que assim revivem um pouco da sua própria experiência pessoal. Ryan Bingham revolta-se contra este processo. Por o achar desumano? Não me parece tanto assim, Mas sobretudo por ele anular a sua vida de passageiro de avião, um dos únicos sete em todo o mundo a possuir um cartão de cliente ultra especial. Adicionada a sua quilometragem anual, facilmente se percebe que Bingham vai e vem à Lua e ainda lhe sobram milhas. Se os despedimentos forem feitos através de vídeo-conferência, passa a ficar sentado no seu escritório, o que para ele não tem graça nenhuma. Para Ryan Bingham nada mais existe do que essa vida de excursionista da desgraça, posando de aeroporto em aeroporto para disseminar a má notícia e partir para outra. Lembra o portador da peste da Idade Média, mas vestido com as regalias de um executivo, um ar simpático e um sorriso irresistível para as mulheres com quem se cruza, para rápidas ligações sem consequências. Dá conferências sobre este modo de vida. Frente a anfiteatros repletos, coloca a malinha de mão a seu lado e explica como se sobrevive em permanente excursão. Não há vida fora da sua carreira, nem família, nem amigos, nem afectos. A família existe, aliás, mas é um transtorno (nem sequer encaixa na sua bagagem, vai de fora, à pendura).
O seu principal combate vai ser anular a ideia peregrina de Natalie Keener (Anna Kendrick), uma jovem tecnocrata que acha que despedir por pc é muito mais económico e eficiente. Cada um esgrime as suas razões e depois partem ambos para analisar in loco o efeito da novidade. É nessa altura que o empedernido Ryan Bingham se dá conta de que há mais vida para além da sua, e que o seu apartamento é um deserto. Nem tudo se pode acomodar dentro de uma malinha portátil que se arrasta como um dócil canídeo. Há mesmo uma altura em que duas malinhas dessas, deslizando lado a lado, podem dar a ideia de alguma cumplicidade e felicidade. Na verdade, há versões femininas de Ryan Bingham. Mas a cumplicidade é fortuita. Puro engano, como se verá no final.
“Up in the Air” não é o supra-sumo da comédia romântica, nem sequer do filme social, mas é um retrato muito interessante de uma realidade social que deflagrou a nossos olhos com uma força impressionante. Este é um filme que se pode ver como complemento ficcionista dos telejornais de todos os dias. E como ficção tem o poder de alertar para algo que nos telejornais começa a perder impacto, pela recorrência. Por vezes é preciso contarem-nos uma história para se perceber o que se passa ao nosso lado. É estranho e bizarro, mas é verdade.
O filme é bem contado, escorreito, nervoso, sincopado, adopta o estio do protagonista para seu próprio estilo, e as interpretações são muito boas. George Clooney parece que andou a vida toda, de aeroporto em aeroporto, a arrastar uma malinha de mão com rodas. Tem o físico e o rosto que se adaptam às mil maravilhas à personagem. Vera Farmiga (Alex Goran) e Anna Kendrick (Natalie Keener), cada uma no seu estilo, são magníficas e merecem amplamente figurar entre as nomeadas para melhor actriz secundária.
NAS NUVENS
Título original: Up in the Air
Realização: Jason Reitman (EUA, 2009); Jason Reitman, Sheldon Turner, segundo romance de Walter Kirn; Produção: Ali Bell, Michael Beugg, Jason Blumenfeld, Jeffrey Clifford, Daniel Dubiecki, Helen Estabrook, Ted Griffin, Joe Medjuck, Tom Pollock, Ivan Reitman, Jason Reitman; Música: Rolfe Kent; Fotografia (cor): Eric Steelberg; Montagem: Dana E. Glauberman; Casting: Mindy Marin; Design de produção: Steve Saklad; Direcção artística: Andrew Max Cahn; Decoração: Linda Lee Sutton; Guarda-roupa: Danny Glicker; Maquilhagem: Natasha Allegro, Jeff Lewis, Frances Mathias; Direcção de Produção: Ralph Bertelle, Kaylene Carlson, Patty Long, Tricia Miles; Assistentes de realização: Sonia Bhalla, Jason Blumenfeld, Steve Dale, Heather L. Hogan; Som: Barney Cabral, Trevor Metz, Perry Robertson, Scott Sanders; Efeitos especiais: William Dawson; Efeitos visuais: Justin Jones, Edson Williams; Companhia de produção: Companhia :Paramount Pictures; Intérpretes: George Clooney (Ryan Bingham), Vera Farmiga (Alex Goran), Anna Kendrick (Natalie Keener), Jason Bateman (Craig Gregory), Amy Morton (Kara Bingham), Melanie Lynskey (Julie Bingham), J.K. Simmons (Bob), Sam Elliott, Danny McBride, Zach Galifianakis, Chris Lowell, Steve Eastin, Marvin Young, Lucas MacFadden, Adrienne Lamping, Meagan Flynn, Dustin Miles, Tamara Tungate, Laura Ackermann, Meghan Maguire, Courtney Kling, Matt O'Toole, Alan David, Erin McGrane, Cari Mohr, Jerry Vogel, Adhir Kalyan, etc. Duração: 109 minutos; Distribuição em Portugal: Zon Lusomundo; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 21 Janeiro 2010.