domingo, julho 11, 2010

FESTIVAL DE TEATRO DE ALMADA, NOTAS, 2

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O AVARENTO
O palco deserto, delimitado por cortinas negras. Quatro cadeiras, nos quatro cantos do espaço. Um (belíssimo) guarda-roupa dominado pelo preto e branco. Um jogo de contrastes que se adapta bem ao teor da peça, “O Avarento”, que Jean-Baptiste Poquelin, mais conhecido por Molière, escreveu em 1668. A companhia é a do “Ensemble - Sociedade de Actores Teatro Nacional São João”, sediada no Porto, que contou aqui com judiciosa encenação de Rogério de Carvalho.
Se a peça é um clássico inquestionável, que demonstra como a avareza sobrevive no interior da condição humana, e se exerce entre poderosos que querem mais poder, ou pobretanas que querem subir na vida, a verdade é que o minimalismo da encenação, atenta sobretudo à riqueza do texto e à direcção de actores, mas também saboreando cada entoação e cada gesto, consegue tornar a representação um exercício de virtuosismo, tanto mais de sublinhar quanto a maioria do elenco é muito jovem, mas muito profissional e talentoso.
Harpagão é avarento até dizer basta. O que ele nunca diz. O filho está apaixonado por uma jovem que, no entanto, o pai, sessentão, quer para esposa. Uma alcoviteira estabelece as ligações, e todos (ou quase todos) querem mais lucros da negociata. Mas o amor autêntico triunfará.
Moliére observou muito criteriosamente no século XVII o que ainda hoje continuamos a observar: a Humanidade quer poder, dinheiro e sexo (a ordem é indiferente e, às vezes, o sexo é também amor). O resto é burlesco puro, porque a rir se criticam os podres desta Humanidade com tanto de contrastante.
Um espectáculo excelente, com bons actores (referência especial a António Parra e Emília Silvestre) e uma encenação inventiva, ainda que o cenário se projecte apenas na nossa imaginação. A tradução, poética e escorreita, actualizando o texto, sem o desvirtuar, é outro ponto muito positivo.

“O Avarento”, de Molière
Encenação: Rogério de Carvalho; Tradução: Alexandra Moreira da Silva; Cenário: Pedro Tudela; Figurinos: Bernardo Monteiro; Desenho de luz: Jorge Ribeiro; Sonoplastia: Ricardo Pinto; Assistente de encenação: Emília Silvestre; Duração: 2H00 (com intervalo); Classificação: M/ 12.
Intérpretes António Parra,Clara Nogueira, Emília Silvestre, Isabel Queirós, Ivo Luz Silva, Jorge Pinto, Júlio Maciel, Miguel Eloy, Pedro Galiza, Tiago Araújo, Vânia Mendes.

Rogério de Carvalho nasceu em Angola, em 1936. Fez o curso de Actores do Conservatório Nacional. Professor na Academia Contemporânea do Espectáculo, no Porto, obteve o Prémio de Crítica para a Melhor Encenação, em 1980, com “Tio Vânia”, de Tchecov, e o Prémio Garrett, em 1989, com “O paraíso não está à vista”, de Rainer Werner Fassbinder. Na Companhia de Teatro de Almada, dirigiu alguns trabalhos marcantes como “As três irmãs”, de Tchecov (2002), ou “Uma longa jornada para a noite”, de Eugene O’Neill (2009). Dirigiu espectáculos para companhias e grupos como Ensemble - Sociedade de Actores, “As Boas Raparigas Vão para o Céu e as Más para Todo o Lado”, A Escola da Noite, o Teatro Nacional São João e O Bando.

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